João Alves
NC/Urbi et Orbi



Susto, medo, vontade de rir, vontade de chorar e, acima de tudo, de pensar na vida que vivemos. São este os sentimentos que podem atravessar, em poucos minutos, o espectador que assista à peça do Aquilo Teatro, na Guarda, intitulada "Uma pedra na mão", que esteve em cena, na passada semana, no auditório do Paço da Cultura da cidade guardense. Com um texto de Américo Rodrigues e encenação de António Godinho, presidente do Aquilo, "Uma pedra na mão" é uma peça de teatro inspirada na vida singular de Zé Ganhão, um homem que viveu mais de cinquenta anos no interior de uma pedra ao lado da Guarda. Este vagabundo, que terá morrido há mais de quatro décadas, procurou abrigo no interior de um barroco onde voltava diariamente depois de deambular pelas aldeias em redor. Segundo os relatos, teria olhos profundos e duas grandes tranças. A cabeça cobria-a com um lenço atado "à mulher" e um chapéu velho de camponês. E andava sempre com a trouxa às costas. Era um homem livre. E é desta liberdade que esta peça fala.
Ao longo da peça, Zé Ganhão (o actor e jornalista Victor Amaral) é invadido por momentos de completa loucura. Uma loucura que chega a perturbar e assustar o público. É um homem só, mas inteligente. Apesar de longe da sociedade, sabe que esta está cheia de vícios e vive de coisas fúteis. É por isso esta peça uma completa crítica à sociedade luxo, que vive "à grande", mas sem grandes objectivos e a desperdiçar bens que muitos gostariam de ter. Como por exemplo o Zé Ganhão, que vive na pobreza, com os bichos, que lhe fazem companhia. Nascido na Corujeira, este homem, ao longo da cena, também se consegue rir. E fazer rir.
Subitamente, alguém descobre o Zé Ganhão. Um jornalista da imprensa regional (Américo Rodrigues) que o bombardeia com as mais óbvias e mais
estúpidas perguntas, retractando um pouco o jornalismo do "show off" que afecta alguns órgãos de comunicação. Zé Ganhão refugia-se na sua pedra e nada responde. Não quer esse mundo. O dele é diferente. Está para além da "vidinha" da actual sociedade, de conforto fácil. Este homem é rude, terno, misterioso, transparente, sarcástico, vagabundo, brincalhão e louco. E é assim que quer continuar.
A peça do Aquilo, depois de estar na Guarda, foi recriada no sábado, 23, no Feital (concelho de Trancoso) local no qual se serviu uma ceia à moda antiga. E no domingo, 24, em colaboração com o Clube de Montanhismo da Guarda, teve lugar um passeio pedestre "Pelos trilhos de Zé Ganhão". Agora, o Aquilo irá exibir a peça em outras freguesias do concelho, mas também pensa exibir a peça noutros distritos.