José Geraldes

40 anos depois: novos desafios


A construção da paz e o respeito pela verdade estão intimamente ligados

No dia 1 de Janeiro de cada novo ano, o Papa dirige não só específicamente aos católicos mas também a todos os homens de boa vontade uma mensagem sobre a paz. O tema diverge de ano para ano. Mas, como ocorrem, no próximo mês de Abril, os 40 anos da encíclica -texto sobre um tema de actualidade- “Pacem in Terris”, João Paulo II decidiu que a mensagem de 2003 versasse sobre este documento que mantém plena actualidade.
O autor desta encíclica, o bom Papa João XXIII, teve um golpe de asa ao publicar a “Pacem in Terris” dadas as circunstâncias políticas da época. E a tal ponto que o próprio Khrouchtchev então chefe do governo da ex-União Soviética, aplaudiu o seu conteúdo. John Kennedy, por sua vez, declarou na altura que, como católico se sentia orgulhoso do documento e como americano dele tiraria lições.
Na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2003, João Paulo II faz uma releitura da “Pacem in Terris” à luz da actual situação geo-política. E relembra com vigor a interpretação dos dinamismos profundos da história profetizados por João XXIII. E naturalmente com ênfase na referência aos quatro pilares da paz : a verdade, a justiça, o amor e a liberdade.
A verdade abraça os direitos pessoais e os deveres para com os outros de que certos ditos bem falantes escondem por não ser politicamente correcto.
Quanto à exigência da justiça, a paz só pode ser edificada no reforço do respeito dos direitos alheios e no cumprimento dos deveres para com os demais. Já o amor inclui o sentir como nossos os problemas dos outros e a partilha com eles dos nossos bens. A liberdade pressupõe a assunção das responsabilidades haja o que houver.
A defesa e promoção dos direitos humanos fundamentais e a consciência da dignidade do homem como pessoa, são relembradas como acções concretas a nunca esquecer no empenhamento pela paz. A somar a estes direitos e aos deveres daí decorrentes surge a noção de bem comum universal ou de interesse geral a prever já o fenómeno a que se chama hoje globalização.
Além disso, a “Pacem in Terris” influenciou a nova ordem internacional, contribuindo para “uma nova organização de toda a família humana.” Ou seja, “chamando o mundo inteiro a uma visão mais nobre da vida pública e do exercício da autoridade pública.”
Daí que a política como actividade humana não possa estar “fora da esfera dos valores éticos.” Assim a construção da paz e o respeito pela verdade estão intimamente ligados: “Os gestos de paz nascem paz da vida de pessoas que cultivam constantemente no próprio espírito atitudes de paz.”
Esta é a herança de João XXIII que na “Pacem in Terris” nos deixou uma nova visão do mundo. Visão que a realização do Concílio Vaticano II convocado por sua iniciativa com enorme surpresa irá aprofundar.
Também em Outubro último se completaram 40 anos do solene início dos trabalhos desta magna assembleia dos bispos do mundo inteiro. O Vaticano II foi um “abrir de janelas para que na Igreja entrasse uma lufada de ar fresco” na expressão textual de João XXIII.
Dá-se uma verdadeira revolução na vida interna da Igreja e na forma de se relacionar com o mundo . De uma Igreja-pirâmide passa-se uma Igreja-comunhão. Nasce a interpretação dos sinais dos tempos como sinais de Deus. A Igreja assume como suas “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens sobretudo dos que sofrem e dos pobres.” É uma primavera nova que desponta.
Na aplicação da “Pacem in Terris”, a Igreja tem ajudado a resolver conflitos internacionais no estabelecimento da paz. O Vaticano II tem uma doutrina que ainda precisa de ser levado muito à prática.
Os desafios aí continuam para a nova evangelização cada vez mais urgente.

PS. No artigo da semana passada, uma gralha alterou o nome do autor do livro sobre o sofrimento que é F. Coppé e não Garcias Moreno.