Catarina Tomás

Continuar o 8 de Março

A 8 de Março de 1857, 129 operárias têxteis da Fábrica de Tecidos Cotton, em Nova Iorque decretaram greve (a primeira conduzida unicamente por mulheres) e manifestaram-se nas ruas pela redução do horário de trabalho das 16 para as 10 horas diárias e por melhores condições de trabalho. A repressão policial foi violenta. As tecelãs correram para o interior da fábrica. Os patrões e a polícia trancaram as portas da mesma e atearam-lhe fogo, acabando por morrer 19 operárias.
Em homenagem aquelas operárias, na II Conferência Internacional Feminina, que decorreu na Dinamarca, em 1910, proclamou-se o dia 8 de Março como o Dia Internacional da Mulher.
Mas passado quase um século as mulheres continuam a ser vítimas de sexismo, que é uma forma de hierarquização híbrida na modernidade capitalista. O sexismo, tal como o racismo, assenta nos dispositivos que criam os excluídos foucaultianos, no entanto, nesta forma de hierarquização pretende-se uma integração subordinada pelo trabalho. E porque ainda não se conhece outra forma de integração social que não seja por via do trabalho, é necessária uma análise atenta ao Código de Trabalho e a Lei de Bases da Família, ainda em fase de discussão, na especialidade, na Assembleia da República, assim como à ideologia e pressupostos que lhe estão subjacentes.
Relativamente às mulheres ou à maternidade, o Código prevê a possibilidade de a entidade patronal impedir o acesso ao emprego de grávidas "quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem", admitindo mesmo situações de discriminação desde que esta constitua "um requisito justificável" (?), não consagra períodos diários para amamentação e aleitação e não prevê dispensa para consultas de preparação para o parto, entre outras propostas. Relativamente à Lei de Bases da Família, esta promove o trabalho doméstico, o "regresso das mulheres ao lar", à esfera privada. Podemos afirmar face a este cenário que estas duas leis não resolvem os problemas que se colocam hoje às famílias, como por exemplo o acesso à rede de assistência materno-infantil, o problema da conciliação entre a vida familiar e profissional que se coloca em termos angustiantes, para as famílias em que ambos os progenitores trabalham, a violência na família e o estatuto dos filhos nascidos fora do casamento, entre outros. Bem pelo contrário, verificamos um assinalável retrocesso na promoção das igualdades de oportunidades!
Mas podemos perguntar-nos porque continuam a persistir estes paradigmas? Por causa de uma política sexual exercida a vários níveis, nomeadamente a nível ideológico: o homem é associado a determinadas características como a agressividade, inteligência e força e mulher associada à passividade, ineficiência e docilidade. Características que permanecem e se reproduzem no imaginário colectivo; sociológico, na medida em que a socialização é feita no sentido de reforçar a dominação masculina; económico: o trabalho da mulheres não é devidamente reconhecido e bem pago, permitindo as discriminações e explorações; e, psicológico, que indica que a mulher deve aceitar a sua inferioridade e a sua subordinação e deve, ainda, atribuir o seu comportamento à intuição, à emoção e ao instinto.
Se por uma lado, Portugal dispõe um avançado quadro jurídico-constitucional (até á data, sublinhe-se), baseado na igualdade entre homens e mulheres, por outro, apresenta um conjunto de práticas quotidianas que não coincidem com esse quadro, nomeadamente pelo facto das mulheres apresentarem uma das mais elevadas taxas de actividade da UE, os salários mais baixos, as piores condições de trabalho, a não partilha de tarefas domésticas por parte dos maridos ou companheiros e uma fraca mobilização e participação ao nível cívico e político. Paralelamente à feminização do ensino e do emprego persistem diversas formas de discriminação e segregação. Exemplo: dificuldades que as mulheres muitas vezes encontram para arranjar ou manter o seu emprego, seja em situação de gravidez ou mesmo quando já são mães ou a dificuldade de aceder a cargos de chefia.
Podemos afirmar que a condição feminina portuguesa se tem demarcado por um conjunto de transformações positivas, a verdade é que ainda persistem factores de desigualdade social baseados nas representações sociais, culturais, económicas, simbólicas e ideológicas subjacentes ao género (por exemplo as representações das mulheres na publicidade portuguesa).
O cenário de igualdades de oportunidades entre homens e mulheres ainda está longe de ser alcançado, transformando-se assim num projecto ainda inacabado. Mas deveremos continuar a assinalar e a comemorar o 8 de Março, de forma algo diferente do que actualmente se faz, se calhar com menos vivacidade mas com mais seriedade, explicando às novas gerações o significado social desta data. Se a visibilidade é garantida, sobretudo pela mediatização televisiva dos jantares femininos e dos espectáculos de striptease nas discotecas, não há continuidade na acção dos agentes, directa ou indirectamente, responsáveis na resolução deste problema complexo, que é o da desigualdade de oportunidades.