Mariana Morais

Quem lucra com a guerra?



Segunda feira, dia 17 de Março de 2003, 11 e 30 da manhã. No noticiário da Euronews assisto ao treino de soldados americanos no território do Kuwait. Um deles, filmado em primeiro plano, destaca-se no ecrã. Corre de arma em punho e, quando atinge o alvo, ataca com fúria o "inimigo" prostrado no chão. O jornalista, em voz off, explica que as tropas estão nervosas por esperaram há muito tempo pelo início do ataque.
Sem saber como vem-me à memória uma conversa tida, há poucos dias, com um amigo que me contou um episódio da sua vida de estudante universitário em Lisboa. Dizia ele "um dia, estávamos em 1972, ia eu a sair com outros colegas da Faculdade de Direito, vimo-nos cercados pela polícia de choque. Ficámos paralisados, sem saber o que fazer. Mas, o que me impressionou mais, foi ver entre os polícias que saíam de uma das carrinhas, um antigo colega de escola meu com uma expressão de raiva na cara que ainda hoje recordo".
Penso nos responsáveis pelos mecanismos que transformam homens, jovens, em máquinas de matar. Pessoas, no dia-a-dia cordiais e simpáticas, incapazes de fazer mal a uma mosca, transformam-se em seres humanos para quem a vida dos seus semelhantes, se estão do outro lado da barricada, não vale nada.
As recordações, tal como as palavras, são como as cerejas. Por isso, recordo agora a guerra de Portugal contra Angola, Moçambique e Guiné. Durante treze anos, o governo português de então (uma ditadura fascista) mandou para África dezenas de milhar de jovens matar e serem mortos em nome de um império caduco.
Dessa experiência, cuja dureza só quem a viveu pode avaliar, o que restou para os seus protagonistas? A recordação penosa de alguém que me contou, um dia, viver há mais de trinta anos, atormentado pelos olhos de uma criança negra a sair de uma cubata em chamas.
Quem lucra com esta guerra? Quem lucra com o ataque ao povo iraquiano? Os responsáveis pela política dos EUA que, em nome das instituições formalmente democráticas deste país, apresentadas como modelo civilizacional em amplas áreas do mundo, estabelecem a confusão quando, invocando-as, promovem a guerra e a barbárie, afirmando agir em nome da defesa da civilização e da liberdade, tentando esconder os seus verdadeiros interesses - controlo das mais ricas reservas de petróleo do globo e domínio geoestratégico daquela região do mundo.
Os soldados, esses serão mais uma vez carne para canhão, peças de um xadrez sangrento em que quem perde é a Paz e o entendimento entre os povos, sejam eles do Oriente ou do Ocidente.