Cartilha do Marialva


de José Cardoso Pires






"No convencionalismo popular (ou antes pequeno-burguês) marialva é o fidalgo (forma primitiva de "privilegiado") boémio e estoura-vergas. Socialmente será outra coisa: um indivíduo interessado em certo tipo de economia e em certa fisionamia política assente no irracionalismo."








Por Eduardo Alves


Um verdadeiro tratado político disfarçado de ensaio. A Cartilha do Marialva sai das mãos de um escritor beirão, apaixonado pela cidade de Lisboa, para rebentar com o regime. O fascismo lugre e ordinário retratado num livro sempre actual.
O libertino, moderno e amante das revoluções, contrapõe-se ao Marialva. Um nobre privilegiado em Casa e Sangue tem na ideia a perpetuação de um mundo rural atávico. Defende com uma irracionalidade granítica a inteligência do libertino. D. Luís da Costa, nome dado ao patrocinador do racionalismo e homem de grande empenho na tentativa de retirar Portugal da classe de "subdesenvolvidos".
A Cartilha é também uma máquina do tempo. Um manual de história caustico para a sociedade portuguesa salazarista. Cardoso Pires é tambem ele um libertino, em oposição marcada ao marialva que toma forma nas páginas do seu segundo ensaio. Retrato pormenorizado do cinzentismo estéril e continuado em que Portugal viveu anos a fio.

"O libertino é um enamorado de si próprio. Com o demónio da lucidez a dar-lhe alma, toma o mundo como um espectáculo em que cultiva as suas experiências e onde, simultaneamente actor e espectador, se coloca numa autocontemplação sardónica.
Marialva é o antilibertino português, privilegiado em nome da razão de Casa e Sangue, cuja configuração social e intelectual se define, nas suas tonalidades mais vincadas, no decorrer do século XVIII".