Por Catarina Rodrigues




"A UBI foi a grande salvadora social e económica desta região"

Urbi @ Orbi- Como foi ser o primeiro presidente de Câmara após o 25 de Abril?
Augusto Lopes Teixeira-
Já vinha de longe a minha participação na política, sempre nas fileiras da oposição. Pertenci a todas as comissões e esta foi uma da razões pela qual ingressei nos quadros da Câmara. Primeiro como vice-presidente da Comissão Administrativa e só depois é que fui convidado pelo Partido Socialista a candidatar-me a presidente da Câmara. Ganhei com maioria absoluta e fui presidente durante três mandatos sucessivos. Não continuei porque não quis, devido a conturbações existentes dentro do Partido Socialista. Não gostei de certos caminhos e certos comportamentos e por conseguinte disse chega.

U@O- Em que ano foi eleito para o cargo?
ALT-
Fui eleito em 1976, com as primeiras eleições livres que houve para as Câmaras.

U@O- Como surgiu o seu gosto pela política?
ALT-
Como qualquer rapaz da minha idade sentia o peso do pé da ditadura. O que derivava duma organização que era a Mocidade Portuguesa. Andávamos todos fardados e isso desagradava-me. Eu não gostava das fardas. Acho que as fardas são para os militares e nunca tive espírito militarista. A minha tendência vem já de muito novo. O ambiente que vivia em casa também me influenciava, o facto de ser de uma família particularmente republicana e democrata, por conseguinte contrária ao regime e à situação que então existia.

U@O- Para além de se dedicar à política, o que fazia antes de ser presidente de Câmara?
ALT-
Era um simples homem de negócios.

U@O- Que tipo de negócios?
ALT-
Tinha representações de vária ordem, mas sobretudo na área da construção civil.

U@O- Como era a Covilhã antes da Revolução de 1974?
ALT-
Antes do 25 de Abril, a Covilhã era uma cidade feudal onde havia uma classe que dominava completamente os outros. Era a classe dos industriais. A indústria detinha o poder económico, o qual também conseguia manobrar a própria política, sobretudo nessa altura onde predominavam os ideais salazaristas. Um dia, eu e um conjunto de rapazes de 18, 19 anos pensámos contestar os poderosos desta terra que eram os industriais. Tomámos Cunha Leal como retrato, essa célebre figura da República, que aproveitava as reuniões das Assembleias Gerais das empresas, onde era accionista, para atacar as directivas impostas à sociedade portuguesa pela ditadura de Oliveira Salazar. Fomos às associações, não de carácter económico mas sim desportivas e não só, contestar o seu poder, discordar dos seus métodos e discutir soluções. Assim atacávamos o regime e tomávamos uma nota de liberdade sem pôr em perigo a nossa situação social e humana de sermos perseguidos pela polícia.

U@O- Essa contestação não teve consequências?
ALT-
A partir desta data tive vulgarmente a visita da polícia política sempre em minha casa, obrigando-me a levantar às tantas da manhã, obrigando-me a mostrar os papéis, três, quatro e cinco vezes ao longo dos anos, sobretudo nas datas festivas, 5 de Outubro ou 1 de Maio. O 25 de Abril foi também por isso uma revolução salvadora.

U@O- Depois do 25 de Abril como é que se sentiu essa liberdade na Covilhã?
ALT-
As diferenças mais significativas foram do ponto de vista social. Aquele fosso enorme que existia entre patrões e empregados, entre industriais e não industriais desapareceu. A classe dominante recuou e refugiou-se em sua casa.




"Se alguém fez obras no nosso País foi o poder local"

U@O- Quais as principais obras que recorda enquanto presidente de Câmara?
ALT-
O tempo em que fui presidente, foi um época terrível. Havia uma certa anarquia. A dada altura já não se sabia quem mandava no País, se era o Presidente da República se era uma Comissão de Moradores. Não se tratou apenas de tirar um Governo e pôr outro, tratou-se de se alterar todo um sistema implantado. Esta situação criou dificuldades imensas. Houve um período em que íamos buscar empréstimos lá fora para comer cá dentro. Foi uma época muito difícil e para algumas classes sociais foi até doloroso. Recordo-me de uma vez entrar na reunião da Câmara e de ouvir os operários do Ernesto Cruz dizerem-me "ajude-nos senhor presidente porque temos fome". É um quadro que não pode deixar ninguém indiferente.

U@O- Ou seja, não se fizeram grandes obras porque o dinheiro era preciso para bens essenciais?
ALT-
Não havia dinheiro para nada. Mas é importante dizer que foi feito o saneamento básico do concelho. Quando entrei para a Câmara havia apenas uma freguesia que tinha saneamento, que era o Tortosendo. Das restantes 30 freguesias nenhuma tinha saneamento. Quando saí ficaram oito por fazer.
Do ponto de vista da electrificação temos que ser justos. A anterior situação política já tinha feito algum trabalho nesse domínio. O concelho estava todo electrificado.
A variante à Covilhã também é uma obra do meu tempo, embora fosse uma solução que já viesse de trás, foi concretizada e inaugurada no meu tempo.

U@O- Como era a indústria têxtil nessa altura?
ALT-
Nessa altura a indústria têxtil estava bem e os negócios eram óptimos. As dificuldades não eram grandes e não se assistiu a um grande número de falências. Apenas houve algumas conturbações por motivos de reivindicação operária.

U@O- Quais as principais diferenças que assinala entre o poder autárquico da altura e agora?
ALT-
Na sua essência e no seu suporte legal, o poder autárquico é o mesmo. Se alguém fez obras nosso País foi o poder local. Com todas as suas limitações, o poder local debruçou-se sobre os problemas e sobre o drama das populações que não tinham estradas, não tinham saneamento, não tinham sequer cemitérios. Neste domínio houve uma obra imensa do poder local. Pergunte-me como foi possível ou onde se foi buscar tanto dinheiro e eu não lhe sei responder. É o poder local que está mais próximo das populações e sente a pressão da necessidade de fazer alguma coisa apesar das limitações existentes.

U@O- Como vê hoje a política?
ALT-
Vejo a política como sempre a vi, com bons e maus políticos. Hoje fala-se muito contra os políticos sem razão porque as ideias não são todas iguais. Os homens não têm todos as mesmas ideias. Não posso pensar mal das soluções apresentadas pelos outros a não ser que sejam ineficazes e que essa ineficácia seja propositada.
Acusam-se os deputados de cometer irregularidades e de não servirem o País. Isso não é verdade. Não há democracia sem parlamento e não há parlamento sem deputados. O que os homens são é bons ou maus. O problema é se os homens são sérios ou não são sérios. Isso é fundamental.

"Se não fosse a Universidade, a Covilhã andava de chinelos de corda"

"A produção agrícola tem que estar ao lado da produção industrial"

U@O- Acompanhou a passagem do antigo Instituto Universitário a Universidade da Beira Interior. Como vê hoje o papel desempenhado pela UBI?
ALT-
Quando apareceu o Instituto Politécnico e a Universidade foi um passo de gigante para o benefício desta região. Mas para além disso teve implicações sérias e positivas no domínio do escalonamento social e da orientação do ponto de vista económico. Se não fosse a Universidade, a Covilhã há muito andava de chinelos de corda. A UBI foi a grande salvadora social e económica desta região. O aparecimento da Faculdade de Medicina vem reforçar isso. É o trazer para cima o movimento social e económico desta região. A Faculdade de Medicina deve-se exclusivamente a dois homens: António Guterres e José Sócrates.

U@O- Esteve 12 anos como Director Delegado na Associação de Municípios, qual era o papel desta entidade nessa altura?
ALT-
Fui Director Delegado da Associação de Municípios entre 1986 e 1998, depois de ter terminado o mandato como presidente de Câmara. Na altura dizia e continuo a dizer que as Associações de Municípios são indispensáveis por uma razão muito simples: ninguém se dá bem nos pequenos espaços, se os pequenos espaços fossem a solução ideal do recorte lógico e territorial, económico e demográfico das regiões, não se tinha formado a União Europeia. A Associação de Municípios funcionava como um grande espaço demográfico, social e económico. Eu disse uma vez ao presidente da Câmara de Castelo Branco que é um homem inteligente: faça o que eu tentei e não consegui, uma sub região da Cova da Beira com peso demográfico, económico e com o peso político que não tem. Mas tem uma coisa fundamental que é a água. A Serra da Estrela é um dos maiores mananciais de água da Península. Hoje os presidentes de Câmara têm que ter uma visão para além do simples saneamento ou da construção de uma ponte. A Associação é um grande espaço que devia ter sido aproveitado e que até hoje não foi. Eu fui Director Delegado, tinha toda a liberdade, mas a decisão política não era minha.

U@O- Considera então que era importante a criação de uma Comunidade Urbana ou Intermunicipal?
ALT-
Com uma perspectiva mais restrita que são as Associações de Municípios, entendo que tudo o que é convergir esforços tem maior utilidade e melhores resultados do que o esforço isolado de uma Câmara ou de duas Câmaras amigas. Estas soluções não se podem pôr no plano da amizade, mas sim dos interesses da região.

U@O- Na sua opinião o que é que ainda faz falta na Covilhã?
ALT-
Muita coisa. Falta um metropolitano de superfície que ligue a grande sub região da Cova da Beira. O crescimento da zona da Beira Baixa tem que passar obrigatoriamente por três cidades: Covilhã, Fundão e Castelo Branco.
Falta também a instalação de novas industrias e relacionado com a água, falta o regadio da Cova da Beira que pode e deve ser a alavanca do desenvolvimento desta zona. A produção agrícola tem que estar ao lado da produção industrial.

U@O- Porque é que acha que o processo do regadio está a levar tanto tempo a concretizar?
ALT-
Essa é a interrogação que eu coloco há muito tempo e que nunca ninguém me soube responder. Quando fui presidente da Câmara estive diversas vezes em Lisboa com responsáveis pelo Ministério da Agricultura e nunca me souberam responder a essa questão.

U@O- Quanto à implementação de novas industrias, como é que é possível atrair empresas para se fixarem na região?
ALT-
Tem que ser feito um plano de industrialização. Eu cheguei a propor esse plano na Associação de Municípios da Cova da Beira. Vamos pedir para que seja feito um estudo económico de toda esta zona e que depois descobrir que aproveitamento, que industrias, que meios financeiros são necessários. Caso contrário não será possível fazer nada de útil.

U@O- Considera que o Parkurbis é nesse aspecto um passo importante?
ALT-
Acho que sim. Tudo o que se faça neste domínio e tudo o que mexa com a ciência e com a técnica é indiscutivelmente um benefício para as regiões que tiverem a coragem e os meios capazes de o desenvolver.



"Nem todos podemos ser doutores e é preferível haver um bom presidente da Câmara do que um mau doutor"



Perfil



Augusto Lopes Teixeira nasceu a 16 de Julho de 1928 na Covilhã. Estudou no Liceu Municipal e depois passou para o Colégio Moderno onde concluiu o liceu. "Gostava de ter seguido para Direito", afirma. Mas não sabe por que razão acabou por ficar no Interior. "Nem todos podemos ser doutores e é preferível haver um bom presidente da Câmara do que um mau doutor". É casado e não tem filhos.
O seu gosto pela política nasceu cedo, talvez impulsionado pela oposição ao regime em vigor e sempre contra os ideais salazaristas. O tempo em que assumiu a presidência da autarquia "foi difícil porque não havia dinheiro para nada", mas havia algo fundamental: a liberdade.
Aos 75 anos de idade, Lopes Teixeira, afirma gostar da paródia mas acima de tudo de viver a vida. É isso que me tem mantido até esta idade", sustenta.