"É importante é que se estabeleçam pontes entre a comunidade e o Museu"
Entrevista a Elisa Pinheiro
"É necessária uma constante e estreita ligação com a sociedade"

Elisa Pinheiro é a actual directora do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (UBI). Natural do Tortosendo, Covilhã, apenas se ausentou da sua cidade durante a licenciatura em História. Nesta entrevista fala da importância do Museu dos Lanifícios, do seu passado, presente e futuro. Uma viagem ao interior da instituição inaugurada a 30 de Abril de 1992.



Por Liliana Marinho


Urbi @ Orbi- Qual o caminho que percorreu até alcançar o seu cargo actual?
Elisa Pinheiro-
Até 1987 fui professora de História no Ensino Secundário.
Depois fui requisitada pela Universidade da Beira Interior como
assistente convidada para iniciar o trabalho de musealização da Real Fábrica de Panos, projecto que coordenei desde 1987 até 1992, data em que o Museu foi inaugurado. Em 1992 o Museu passou a ter visibilidade, mas só em 1996 é que foi aberto ao público tal como o temos agora. Tornava-se, portanto, necessário alguém assumir a direcção. Contrataram-se funcionários, estabeleceu-se um orçamento e eu fui nomeada a directora do Museu. Desde aí desempenho essa função.

U@O - Comemorou-se no passado dia 18 de Maio o Dia Internacional dos Museus. É habitual o Museu de Lanifícios aliar-se a esta iniciativa?
E. P. -
Sim. Todos os anos temos procurado, dentro das nossas possibilidades, comemorar este dia. Exposições de pintura, a abertura ao público em regime de ingressos livres são algumas das actividades que o Museu dos Lanifícios habitualmente oferece neste dia. O principal objectivo destas iniciativas é o de atrair as pessoas ao Museu. Sendo as entradas livres, o preço do bilhete deixa de ser justificação para não visitarem o Museu dos Lanifícios.

U@O - O tema deste ano foi "Os museus e os seus amigos". Qual a importância que os grupos de amigos têm para o Museu dos Lanifícios?
E. P. -
Os Museus são equipamentos que só vivem se a sociedade em que se inserem considerar que têm utilidade. Os Museus procuram fazer o seu trabalho mas não se podem fechar em si mesmos. É necessária uma constante e estreita ligação com a sociedade. Se a sociedade não se manifesta, se não dá um sinal de que concorda, de que está bem ou de que precisa de mais qualquer coisa, ou se não incentiva também o Museu a melhorar esta relação de reciprocidade, então não há enriquecimento mútuo. O que é importante é que se estabeleçam pontes entre a comunidade e o Museu no sentido deste poder interpretar melhor a comunidade e preservar com o seu apoio as memórias dessa mesma comunidade.

U@O - Quem são os doadores desta instituição?
E. P. -
A grande parte das doações são feitas por empresas, instituições e mesmo por cidadãos anónimos, desde operários técnicos a empresários ligados à história da indústria da Covilhã. Actualmente temos mais de cem doadores. Entregámos os primeiros diplomas de doadores em 1998. No passado dia 18 de Maio procedemos à entrega dos restantes diplomas a doadores que nos concederam o seu espólio a partir de 1998 até à actualidade.

U@O -Qual a composição do espólio do museu?
E. P. -
O Museu dos Lanifícios possuí um espólio muito diversificado. Temos uma grande quantidade de espólio arqueológico que resultou das intervenções arqueológicas realizadas na Real Fábrica de Panos. Temos também o espólio constituído ao nível da colecção que está em exposição permanente. Possuímos equipamentos, materiais da construção do próprio edifício, temos os vegetais de onde os produtos tintureiros utilizados na Real Fábrica de Panos eram extraídos, essencialmente de natureza orgânica, temos ainda amostras de panos e têxteis, entre outros. Depois existe um outro espólio que está em reserva e que está muito ligado com a fase da industrialização. Este espólio está reservado para o outro núcleo museológico, actualmente em construção. Trata-se na sua totalidade de maquinaria industrial. Por último há um espólio bibliográfico, documental e têxtil muito vasto num outro núcleo que é o Centro de Documentação e Arquivo Histórico. Este núcleo resultou em grande parte de doações feitas por empresas, instituições, e cidadãos anónimos desde operários técnicos a empresários ligados à história da indústria da Covilhã.


"O Museu tem procurado interpretar o sentir da Covilhã e da própria Universidade"

"Todos os objectos que possuímos têm uma função social"

U@O - Qual a importância do Museu dos Lanifícios para UBI e para a
cidade da Covilhã?
E. P. -
O Museu tem procurado interpretar o sentir da Covilhã e da própria
Universidade. Neste sentido, está aberto a todas as iniciativas que a nível dos vários departamentos se colocam, em especial ao nível do Departamento de Engenharia Têxtil e do Departamento de Artes e Letras devido ao recente curso de Design Têxtil. Assim, temos o nosso atelier disponível para os alunos trabalharem e realizarem os seus projectos criativos. Também já cedemos as instalações para exposições de trabalhos realizados por alunos, que foram várias. Logo no início da abertura do Museu tivemos uma óptima exposição de pintura de um aluno do curso de Engenharia Civil.
Exposições de fotografia e pintura são uma constante. Quanto à cidade, uma vez que a Covilhã foi uma cidade da indústria têxtil praticamente até à actualidade, a ligação ao Museu é inquestionável. A cidade tem que preservar as memórias que são mais importantes. Nada melhor do que um Museu. Estamos a cumprir essa função, a preservar as memórias de uma cidade. Não só da cidade, mas também de toda uma região que está à volta da Serra da Estrela, uma região marcadamente de lanifícios.

U@O - Qual a importância de um Museu nos dias de hoje?
E. P. -
O museu tem uma função que é a de preservar, de fazer com que com o passar dos anos, do tempo, de períodos conturbados como vivemos hoje, de crise, algo permaneça. Que não se desmorone completamente o edifício e que fiquem recolhias as memórias mais significativas, os testemunhos mais importantes. Há também uma outra vertente que é aquela que se tem vindo aqui a implementar, a da conservação activa do património. Muitas vezes diz-se que o museu é o cemitério dos objectos, quando eles deixaram de ter utilidade. Não é essa a nossa perspectiva. Todos os objectos que possuímos têm uma função social de servirem não só ao nível da educação, da transmissão de saberes entre gerações, mas também para que possam fundamentar a própria criatividade dos dias de hoje. Foi com esse objectivo que foi criado um banco de dados e imagens onde temos registados muitos dados de natureza técnica que possam servir fundamentalmente aos novos designers. Porque não se cria a partir do nada, uma base de dados disponível para alimentar os olhos dos designers leva a que a partir dali eles possam criar algo de novo mas que partam de qualquer coisa que já está trabalhada. Há sempre um percurso que se anda e que se procura desenvolver cada vez mais.

U@O - Recentemente o Museu dos Lanifícios foi considerado o melhor Museu do País. Esta distinção trouxe algum benefício?
E. P. -
Claro que sim, fundamentalmente no crescimento do público visitante.
Verificou-se que muitas pessoas que antes não vinham, mesmo as que se
encontram perto da Covilhã, vieram propositadamente para visitarem o Museu.
Os turistas que se deslocavam à Serra da Estrela e que usualmente tinham um outro itinerário, agora fazem questão de incluir a Covilhã como ponto de passagem e o Museu dos Lanifícios como ponto de visita. Temos essas
referências registadas no livro de visitantes. Houve um fluxo de público maior não só daqueles que não estavam para vir mas daqueles que um dia viriam e que assim vieram mais rapidamente. O público escolar manteve-se. Já ao nível dos turistas que nos visitam e mesmo da população da Covilhã registou-se de facto um aumento significativo no número de visitantes. Natal, Passagem de Ano, Carnaval e Páscoa foram os momentos altos de procura.

U@O - Foi premiada com uma medalha de mérito pelo seu trabalho realizado no Museu. O que mudou para si ?
E. P. -
Pouco ou nada mudou. Há sim cada vez mais trabalho e mais
responsabilidade porque o Museu ficou com uma maior visibilidade.

U@O - Em que projectos se encontra o Museu envolvido?
E. P. -
Está em construção um novo núcleo museológico na antiga fábrica "Real Mendes Veiga" , junto à Ribeira da Goldra. Trata-se de um imóvel em cantaria de Granito, onde se encontrava sediada a empresa de lanifícios fundada, na Covilhã, por José Mendes Veiga, cuja actividade empresarial se encontra balizada entre finais do século XVIII e inícios do século XIX. Este novo núcleo está a implicar um trabalho de grande concentração e esforço. Encontra-se já recolhido um conjunto significativo de espólio fabril, representativo da evolução tecnológica ocorrida nos lanifícios, nos séculos XIX e XX. No entanto ainda é necessário estabelecer contactos porque não temos as máquinas todas. É necessário um novo projecto museográfico, precisamos de um conjunto de objectos que fazem falta neste Museu. O transporte das máquinas e a sua restauração é outra das nossas preocupações pois tem-se verificado uma tarefa complicada. Em conclusão, há ainda muito a fazer.



Elisa Pinheiro iniciou o trabalho de musealização da Real Fábrica de Panos em 1987



Perfil



Elisa da Conceição Silveira Calado Correia Pinheiro é licenciada em História e desempenha funções de assistente na Universidade da Beira Interior (UBI), no Departamento de Letras.
É responsável pela criação do Museu dos Lanifícios e dos seus núcleos, bem como, a musealização da Real Fábrica de Veiga.
Como membro do Centro de Estudo e Protecção do Património da UBI, colaborou no trabalho de reconhecimento de imóveis de interesse público na cidade da Covilhã. Dirige o projecto Arqueotex, uma acção piloto transnacional, liderada pela UBI, através do Museu de Lanifícios e tem publicados 15 trabalhos referentes a arqueologia, património e museologia industriais, história da indústria e história local da Covilhã.