Em média a cantina de Santo António serve 300 almoços por dia
Há ou não razões para ter receio?
A cantina vista por dentro

A falta de qualidade é uma das principais críticas tecidas à cantina de Santo António, por parte dos estudantes. Todas elas são refutadas pelo responsável da alimentação. Para tentar clarificar alguns aspectos, o Urbi et Orbi foi conhecer os "bastidores" do estabelecimento.


Por Inês Monteiro e Jorge Duarte Estevão


São 7h30. Ilda Rogeiro está pronta para o ritual de todos os dias. A esta hora a cozinheira chefe da cantina de Santo António, veste o equipamento (bata, luvas e touca) e começa a lida entre tachos e panelas. A primeira tarefa é a confecção das bifanas que serão depois vendidas nos bares da Universidade. Entretanto deitam-se os ingredientes no enorme tacho, que já ferve em cima do fogão, para a sopa do dia. Ilda Rogeiro confessa que no início teve "algumas dificuldades" em adequar os temperos e as quantidades de ingredientes ao elevado número de refeições que é servido diariamente. Há cerca de 20 anos, quando existia somente o Instituto Politécnico, a tarefa estava mais facilitada porque apenas servia "40 almoços e 40 jantares".
Com menos tempo de serviço (12 anos), Céu Tavares, outra cozinheira, conta que passa grande parte dos seus dias "à frente do fogão", em casa e na cantina. "O meu marido só está contente quando estou na cozinha", brinca, adiantando que o resto do tempo é preenchido com as outras tarefas domésticas. Isto implica um esforço acrescido todos os dias, mesmo assim não perde o apetite à hora de almoço, e frisa gostar "muito deste trabalho", não o considerando um "frete". Várias são as vezes em que as sobremesas estão por sua conta. Em cada refeição prepara mais de 300 doses individuais. Antes de começar a trabalhar na cantina esteve empregada num lar de idosos e foi "metedeira de fios". Esta função caracterizava-se por corrigir defeitos nos tecidos que saíam das fábricas têxteis da Covilhã, actividade que lhe rendeu "muito dinheiro".
Em contraste com esta situação, esta funcionária pública, portadora de uma carteira profissional, atribuída pela Escola de Hotelaria de Coimbra, não se sente satisfeita com o ordenado no final do mês. A diferença de vencimentos, entre as cozinheiras e as auxiliares de alimentação também lhe provocam algum desagrado, embora compreenda que isso advém do que está estipulado no índice da carreira profissional. Defende a revisão desta situação, pois a "responsabilidade" da sua profissão, no seu entender, "não se adequa" aos 550 euros que mensalmente aufere. Confessa que sente algum cansaço do trabalho "árduo e rotineiro" que a cantina provoca e, se pudesse "pedia já a reforma".
Céu Tavares diz que a cooperação entre as funcionárias dentro da cozinha é "fundamental", assim não vê necessidade de aumentar o grupo de trabalhadoras. No total são oito funcionárias (a cozinheira-chefe, a cozinheira das sobremesas e seis auxiliares de alimentação), no turno da manhã que começa por volta das oito horas e termina depois da uma da tarde. Nesta altura é passado o testemunho à equipa da noite que é composta apenas por uma cozinheira e quatro auxiliares. Semanalmente os turnos são invertidos, ou seja, algumas funcionárias que operam no turno da manhã, passam na semana seguinte para o turno da tarde.
Rotina é uma expressão que se encaixa perfeitamente na tarefa das auxiliares de alimentação. Todos os dias de faca na mão cortam as batatas, vegetais ou outros alimentos e o que se ganha são "calos nos dedos", ironiza Lucinda Esteves. Porém, nem tudo é mau. Há algumas máquinas que dão uma "preciosa" ajuda na parte "suja da cozinha", como é por todos designada. As batatas saem directamente da saca para a máquina que as descasca a um ritmo frenético. Segue-se a lavagem num tanque e logo após, são cortadas manualmente.
A entrada dos alimentos é feita por diversas portas. O pão é colocado em cestas numa sala exterior para evitar qualquer contacto com indivíduos estranhos à cozinha. No piso de cima, o armazém de alimentos, de dimensões reduzidas, apenas acondiciona o necessário para dois ou três dias, excepção feita aos produtos frescos que chegam todas as manhãs. Os produtos deixam à porta as caixas de papelão, de modo a que os alimentos não sejam afectados pelos microrganismos que, eventualmente possam trazer.
O processo de preparação dos alimentos começa na "zona suja" onde estão instaladas duas câmaras de congelação e conservação, bem como vários balcões, onde os diversos tipos de alimentos sofrem o tratamento devido. Charcutaria, carne, peixe, área de alimentos crus, vegetais e sobremesas são as divisões que comporta a "zona suja".

Refeições para centenas de pessoas

No turno da manhã a cantina tem oito funcionárias

Ao entrar no local onde todas as refeições são confeccionadas, as dimensões dos tachos e das panelas são assustadoras para quem não lida diariamente com este tipo de objectos. Ao centro, estão vários fogões industriais com dois enormes tachos e a panela da sopa ainda maior. O odor libertado pelos vapores da sopa de feijão e do prato do dia (caldeirada de lulas) tornam o ar muito abafado, quase irrespirável.
São 10h30. A sopa está quase pronta, depois de ter sido triturada pela "varinha mágica" gigante. A caldeirada de lulas recebe os últimos temperos e enquanto isto Ilda Rogeiro coloca os iogurtes, a fruta e as outras sobremesas na vitrina. Os gigantescos tachos com a comida já confeccionada são transportados num carrinho, para junto do balcão e despejados em fundos tabuleiros que permanecem em banho-maria até ao fecho do refeitório.
São cerca de 300 os estudantes que diariamente procuram a cantina de Santo António à hora de almoço. Todavia, nesta função nem sempre é possível calcular exactamente quantas pessoas vão aparecer. O número de clientes ao jantar decresce para cerca de metade, em comparação com o almoço. Na prática os picos atingidos oscilam entre os 580 ao almoço e os 320 ao jantar.
Em todas as refeições que são confeccionadas, é recolhida uma pequena amostra de comida que fica armazenada durante três dias. Se surgir algum problema, como uma intoxicação alimentar, a amostra serve para esclarecer se aquela foi provocada pela comida ingerida na cantina ou noutro local. Luís Riscado assegura que desde a sua entrada em funções, há cerca de nove anos, não teve "um único caso de intoxicação alimentar". A cantina sofreu obras no passado mês de Agosto. Segundo aquele director o estabelecimento cumpre presentemente toda a legislação específica do sector e regularmente é inspeccionado por uma equipa de peritos.
São 12h. A comida está agora a postos para ser servida. A fila que entretanto se formou aglomera meia centena de pessoas. O prato do dia é caldeirada de lulas, mas muitos dos clientes optaram pela alternativa (carne de porco à portuguesa).




"Peixe não puxa carroça"

O peixe tem pouca saída e a fruta também. Ao contrário, as sobremesas desaparecem num ápice. A mousse de chocolate e o arroz doce são as preferidas dos alunos. Algumas são preparadas no dia anterior, como a gelatina ou o pudim, e durante o dia são conservadas no frio para ganharem consistência. A excepção é o leite-creme que é preparado duas ou três horas antes de ser "devorado".
Luís Riscado, afirma que existe uma "preocupação" em diversificar as ementas, constatando que quando a iguaria é peixe, os alunos torcem o nariz e optam por pedir o prato alternativo ou, simplesmente não ir à cantina. "Se fosse sempre batatas fritas e bifes tínhamos a casa cheia todos os dias", garante. Os números falam por si: quando é uma refeição de carne aparecem perto de 500 pessoas, se é peixe baixa para 300. Céu Tavares, outras das cozinheiras, subscreve esta situação, pelo contacto directo que tem com os estudantes -"peixe não puxa carroça", dizem-lhe muitas vezes.
Aquele dirigente refere que o seu desejo é conseguir "mudar a mentalidade das pessoas em termos de alimentação", entendendo que lhe compete um pouco "o papel de educador". Para provar que confia totalmente na qualidade da comida da cantina, Riscado, faz questão de ser o último cliente a pegar no tabuleiro para almoçar. O director avança que todas as normas de qualidade e de segurança alimentar são escrupulosamente cumpridas e não aceita as reclamações sobre os cheiros que, por vezes incomodam os clientes. Afiança que o extractor "suga" todos os vapores e odores e que o controlo do nível de gordura (óleo) desse equipamento é realizado com regularidade.

Queixas e mais queixas...

A confecção dos alimentos assenta na forma tradicional

André Barbosa, por questões financeiras, é um cliente assíduo da cantina de Santo António. Diz que as críticas que tem a fazer à qualidade dos serviços prestados pelo estabelecimento, e em particular, à qualidade da comida, são "em grande parte negativas". "A quantidade e qualidade são bastante reduzidas e, muitas vezes, a comida está fria", queixa-se. A diversificação também não escapa ao paladar crítico deste estudante -"come-se muita carne de porco". Alexandre Oliveira, afirma ter muitas razões para contestar a qualidade da alimentação. "Desde que apanhei uma intoxicação alimentar, há um ano, não como batatas fritas". Tal como o seu colega, este estudante opta pela cantina porque o preço (1,75 €) é acessível ao bolso de um universitário. Entende ainda que as ementas deviam ser mais diversificadas.
Natércia Fernandes que "o preço sobe e a qualidade desce". Alguns dos alunos ouvidos pelo Urbi et Orbi afirmam que preferiam que fosse cobrado o mesmo que no snack do Pólo IV (Ernesto Cruz), desde que "a qualidade fosse idêntica". O coordenador dos refeitórios, Luís Riscado, sustenta que é "normal a comida ser melhor naquele local porque é um snack". Lembra ainda que os preços são impostos pelo Governo e sublinha que "num espaço de dois anos não houve aumento dos preços".
As várias queixas que se ouvem por parte dos alunos, apontando a má qualidade dos alimentos são rejeitadas - "a qualidade é boa e a diferença apenas se cifra no paladar de cada pessoa". Curiosa é outra justificação adiantada por Luís Riscado -"por vezes depende da pré-disposição do cliente, pois se um dia está mal-humorado tudo lhe parece mau". E diz mais: "quando chega a altura de exames aumentam as reclamações". Também neste período, se nota uma diminuição da corrida à cantina e os bares enchem-se de gente à procura de pizzas, salgados, sandes ou doces.
Quanto às diferenças entre as cantinas da Boavista (com exploração privada) e de Santo António, justifica-as pelo "modo próprio" como cada cozinheira confecciona e termina o apuramento dos alimentos, uma vez que em termos de géneros alimentícios "a qualidade é a mesma".
As queixas também focam a questão da diversificação das ementas. Como resposta a esta reivindicação, está em estudo a possibilidade de introduzir um prato macrobiótico, que aliás já existe noutros estabelecimentos universitários nacionais. Neste sentido deverá ser feita uma "abordagem directa" aos clientes, para saber qual o nível de aceitação deste prato.



Os produtos mais consumidos são batata, arroz, feijão e grão



"Esta cozinha serve de exemplo"


Entre refeitórios e snack-bares são servidos por dia cerca de 16 pratos. Todas as semanas, realiza-se uma reunião com todos os cozinheiros para definir as ementas, em termos de valores nutricionais e a estimativa média de pessoas esperadas nos próximos cinco dias. Há alguns valores que servem como medida padrão. Por exemplo, num mês são gastos cerca de 2 mil quilos de batatas e a cada pessoa são atribuídas por refeição perto de 320 gramas deste produto. Um quilo de arroz é suficiente para alimentar 10 estômagos num único repasto. Entre os produtos mais consumidos, destacam-se a batata, arroz, feijão e grão. O número total de refeições servidas na cantina de Santo António no ano passado atingiu as 102 745. Por hábito a grande maioria dos estudantes chega depois das 13 horas. Na prática, até à uma da tarde são servidas perto de 100 refeições e na última hora mais de 200. Questionado sobre um eventual alargamento de horário do serviço, Luís Riscado argumenta que "tal não se justifica porque não existe procura". De acordo com este responsável, é também "injustificada" a abertura no mês de Agosto, porque apenas se servem "cinco ou seis por dia, no máximo".
Luís Riscado, não considera "gratificante a hotelaria em termos de restauração escolar, isto porque quase nada se altera de ano para ano". No entanto, não deixa de tecer elogios à cantina de Santo António, onde considera existir "um bom fluxo de serviço". Acrescenta igualmente que esta cozinha serve de exemplo e "a qualidade é tão boa como em qualquer outro estabelecimento", porque o trabalho assenta na forma tradicional de confecção. Actualmente, existem ao dispor dos alunos da Universidade da Beira Interior, duas cantinas três snacks e seis bares.