Num acto simbólico, José Pinto entregou as primeiras habitações recuperadas
Bairro de São Vicente de Paulo
Dar vida nova a casas velhas

Os primeiros fogos melhorados pelo projecto "Grão a Grão" foram entregues aos seus proprietários. Melhorar as condições de vida sem necessidade de realojamentos e deslocação de pessoas é uma vantagem desta iniciativa pioneira.


Por Eduardo Alves


Começa ali a rua da Junta de Freguesia. Toponímia atribuída a um dos organismos envolvidos no projecto de reabilitação de habitações no Bairro de São Vicente de Paulo, em Cantar Galo, na Covilhã.
Maria Júlia Ascenção é a moradora da casa branca, agora "como nova", que marca o início do aglomerado. Segundo esta septuagenária, "a junta e todos os que fizeram isto deviam receber um louvor". Habita um edifício térreo, ali construído vai para 80 anos. "Vou fazer 74 e sempre aqui vivi", avança em forma de prova. Maria da Ascenção esquece as dores de costas que lhe perturbam os dias de reformada e deixa o pequeno banco do terraço, onde apanha algum sol, para vir mostrar as melhorias operadas na sua habitação.
Uma intervenção global "desde o chão até ao telhado", sublinha. Uma porta vermelha de alumínio ocupa agora o lugar da velha tábua verde, "podre e com buracos". O mesmo acontece com as duas janelas da fachada. As paredes de alvenaria e cobertura de madeira foram trocadas por tijolo e cimento, substituindo à paisagem um casebre esburacado por uma habitação de paredes direitas e brancas. As dimensões da casa mantiveram-se, assim como as suas três divisões. Este foi um dos pontos fundamentais de todo o projecto cuja duração vai fazer um ano. A sala de jantar serve para receber as visitas e dar passagem para o quarto do casal. No meio, as escadas em madeira, onde foi colocado um corrimão, levam ao pequeno sótão. Maria da Ascenção tem aí "mais uns arrumos". A cozinha, no lado oposto da casa, é uma das partes mais revistas. Com as saídas de fumos e gases a serem construídas e as canalizações da água a serem renovadas. Um conjunto grande de benesses que levou mais de meio ano a instalar. Morar nesta casa "é muito melhor", acrescenta Maria Júlia.
"Não abandonava isto aqui por nada", diz Albino Vicente. Ao lado de sua esposa, Conceição Farias, com quem leva já 34 anos de casamento. O laço matrimonial conduziu-os a uma breve passagem pela Pousadinha, "o bairro logo em frente", explica Albino. Depois "viemos para aqui", para a sombra da latada que têm em frente da porta sem número de polícia.
É uma casa pequena e estreita, "onde criámos os dois filhos". Sofreu obras de remodelação e "ficou muito melhor". O Grupo Recreativo de São Vicente de Paulo fica lá bem no cimo da encosta. Colectividade de bairro vai perdurando enquanto os residentes a frequentarem. Um dos salões foi utilizado pelos técnicos da Beira Serra para informar a população sobre a iniciativa projectada para o local. Albino e Conceição também marcaram presença no encontro e acharam a ideia bastante positiva. Com a aprovação do proprietário da casa onde moram, as obras "começaram a 27 de Março e duraram até princípios de Maio". Melhorias que à primeira vista passam despercebidas representam muito para Conceição e Albino. O barro das paredes já não cai aos bocados e os móveis estão assentes num chão liso. A pequena divisão que servia para cuidar da higiene pode chamar-se agora "casa de banho". Albino e Conceição Vicente esboçam um sorriso e dizem que "aqui é que a gente se sente bem".



Contrariar a insensibilidade

No Bairro de São Vicente de Paulo vão ser melhoradas 40 casas

Virado de costas para a cidade dos têxteis, este local foi morada de muitos operários de fábricas. Os terrenos agrícolas deram lugar a uma centena de habitações precárias.
João Paulo Castro Gomes, engenheiro e docente na Universidade da Beira Interior faz parte do Grupo de Construção do Departamento de Engenharia Civil da UBI. Este equipa de trabalho funciona em parceria com a Associação de Desenvolvimento Local - Beira Serra, promotora da iniciativa, com a Câmara Municipal da Covilhã e Junta de Freguesia de Cantar Galo. Castro Gomes explica que "este é um antigo bairro operário".
Das funções da UBI constam "a inspecção, a definição do caderno de encargos, o acompanhamento e a fiscalização das obras", avança o docente. Nas 40 habitações estudadas, todas apresentam "problemas de segurança de utilização", sublinha. Várias infiltrações, falta de drenagem de esgotos e de instalações sanitárias são alguns dos problemas mais encontrados, a que se junta "a sobre ocupação das casas", explica o engenheiro.
Na intervenção operada por todo o bairro, "enveredou-se pela recuperação das habitações, como forma de eliminar focos de insalubridade e marginalidade". Das preocupações arquitectónicas tidas neste projecto, ressalva-se o facto de "terem sido mantidos e reforçados os usos habitacionais das famílias residentes", acrescentam os responsáveis. Para João Gomes, "a reabilitação do bairro de São Vicente de Paulo é um exemplo de intervenção social sem recorrer ao realojamento em novos bairros sociais". Concluí também que "estas soluções construtivas, além de económicas, resultam em melhorias significativas para este tipo de habitações".
José Pinto, presidente da Beira Serra é um conhecedor desta realidade. "Sei quanto as pessoas sofrem ao serem deslocadas dos seus bairros", diz o responsável pela associação. Este trabalho pioneiro em Portugal surgiu após um estudo da Beira Serra na localidade. Os técnicos deste organismo referem que os moradores tinham necessidade de uma nova habitação, mas não queriam abandonar aquela localidade. Pinto diz ser necessário "contrariar a habitual insensibilidade e desconhecimento das vantagens sócio-económicas da reabilitação urbana".
Com este projecto "extremamente valioso", frisa o presidente da Beira Serra, "as metas são alcançadas". De tal forma que "a coordenadora nacional do projecto contra a pobreza pediu para apresentarmos esta acção num encontro nacional", conclui José Pinto.
Nos próximos tempos, continuam as intervenções em 17 casas e a elaboração de "um pequeno livro de apoio que tem informações de como as pessoas devem utilizar e rentabilizar as suas habitações", refere João Gomes. No total, vão ser gastos 300 mil euros na requalificação das casas e aproximadamente, 600 mil em toda a freguesia.