Anabela Gradim

Muito obrigada


Os bombeiros portugueses estão exaustos. Duas semanas de combate sem tréguas às chamas que têm devorado floresta, casas e vidas pelo País fora, lutando contra a escassez de meios, falta de sono, pesada actividade física, o risco constante e, no meio da vaga de calor que assola Portugal e nos torna a todos mais brandos e menos produtivos, o imenso, imenso calor libertado nas frentes de fogo - tudo isso, e muito mais, as preocupações particulares de cada um, são de molde a produzir o desgaste que muitos já começam a notar.
Mas os voluntários portugueses estão de parabéns. Porque aceitaram combater numa luta desigual sem nunca baixar os braços; porque se não fosse o seu trabalho - voluntário, nunca é demais sublinhá-lo - porventura mais vidas, mais floresta, mais casas e muito mais bens se teriam perdido; e porque certamente a tragédia teria números ainda mais redondos e negros.
Por isso, se é possível encontrar alguma compreensão para as populações que, em desespero e na iminência de perderem os seus haveres, ou logo depois disso ter sucedido, criticam os bombeiros por supostamente chegarem demasiado tarde e pouco poderem fazer para deter as chamas; tudo isso já é indesculpável quando parte apenas da tradicional maledicência, alimentada por um pequeno ego que acha sempre que, nas mesmas circunstâncias, certamente faria melhor. É claro que no remanso do sofá, ao telefone, ou debaixo de um bom ar condicionado, qualquer um faria muito melhor, atacaria cientificamente o fogo, deteria a hecatombe, salvaria imensas vidas, e isso sem desalinhar uma madeixa ou partir uma unha.
Tudo isto, ou um pouco disto, tem vindo a lume no que os media têm para nos oferecer. E se a asneira é livre e essa liberdade deve ser defendida, ela também é, neste caso, imperdoável. Em primeiro lugar porque as baixas nesta calamidade já vão em 15, o que é muitíssimo, um morto por dia, e isso significa que os homens que acorrem aos fogos estão, deliberada e voluntariamente a expor-se a riscos muito elevados, risco de vida. Depois porque para além do sacrifício que uma actividade tão intensa em tão curto espaço de tempo possa representar em termos pessoais e familiares, já há bombeiros que arriscam os seus postos de trabalho por via das faltas consecutivas, que podem muito bem não agradar a um patrão ou empresa. E não adianta o ministro vir dizer que nem um só homem será penalizado por causa disso. Que sabe ele da vida nas pequenas e grandes empresas? E, já agora, como pretende impedir essa subtil forma de assédio que é a pressão sem nome, sem rosto e sem provas sobre um trabalhador? Deve ser um ministro mesmo muito competente. Eu não seria capaz.
Quando nos sucedem calamidades, como a dos fogos florestais deste Verão, que levam alguns a mostrar o que há de melhor em si, e outros, o que têm de pior - ou unicamente aquilo que têm - não há muito a dizer. Excepto saber reconhecer o valor do risco, da entrega e do esforço dos outros, e não o macular com a projecção do demérito que, eventualmente, reconheçamos em nós. Em suma: é preciso ficar grato. E mais nada.
Uma bonita forma de o fazer foi, por exemplo, a campanha de recolha de alimentos da AAUBI. Porque mesmo improvisada e não muito trabalhada, foi uma forma de dar expressão a essa gratidão de forma útil, ajudando. Todos os que fazem aquilo que não temos capacidade, coragem, desprendimento, generosidade, ou inteligência suficientes para fazer merecem incondicionalmente, pelo menos isto. O nosso muito obrigada.