José Geraldes

Porta da sabedoria

O dia dos defuntos obriga-nos a olhar para o que somos. Questiona-nos sobre a brevidade dos dias que vivemos.

Todos os anos, nos dias 1 e 2 de Novembro, multidões visitam as campas dos seus mortos nos cemitérios. A data não é escolhida ao acaso. A Igreja Católica celebra no dia 1 a festa de Todos os Santos e no dia 2 a comemoração dos Fiéis Defuntos.
Crentes e não-crentes lembram, nesses dias, os seus familiares que já partiram para o Além em gestos traduzidos por um ramo de flores ou por uma oração ou mesmo pelo silêncio frente à sepultura. Gestos que marcam a profunda saudade dos que já não pertencem ao número dos vivos.
A visita ao cemitério não tem nada de mórbido. Antes, revela a sensibilidade humana perante o mistério da morte. E é uma homenagem à memória dos entes queridos.
A comemoração dos defuntos está na linha lógica da solenidade de Todos os Santos. Nesta festa, põe-se em relevo o exemplo de um sem-número de cristãos cujo nome não conhecemos mas que procuraram, na existência terrena, a santidade de Deus. Gente de carne e osso que levou uma vida normal, no meio de angústias, desilusões, traições, alegrias e sofrimentos. E, para quem a morte era, apenas, a passagem para uma outra vida sem fim.
O dia dos defuntos obriga-nos a olhar para o que somos. Questiona-nos sobre a brevidade dos dias que vivemos. E a considerar que se torna urgente dar um verdadeiro sentido à vida. Não por medo mas por uma fidelidade às convicções de consciência.
É impossível fugir á pergunta da morte. Os índios americanos comparam-na a um pássaro que está pousado sobre o ombro esquerdo. Não o vemos mas sentimos a sua presença.
Marie de Hennezel escreve que “a morte é como um espelho que reflecte a vida.(...) A vida é preciosa. É importante não a desperdiçar.”
Já na Antiguidade, um sábio, de avançada idade, concluía ser o homem “ como erva que brota e é cortada pela manhã e que à tarde está murcha e seca”.
Contra a opção de “gozar os bens presentes” e de tomar parte em orgias, escolhe “ ordenar os dias correctamente, para poder entrar pela porta da sabedoria”. Ou seja, fazer com que a vida não se perca em futilidades inúteis. Nem em consumismos dispensáveis. Nem em hedonismos que pervertem o coração humano. E alcance o seu maior valor guiada por um ideal nobre.
A visita ao cemitério nem que seja, apenas, para deixar um crisântemo, leva-nos a pensar que estamos de passagem. E que a esperança se ergue como um farol a iluminar os caminhos do mundo. Esperança que se apoia, para os cristãos, na Fé.
Tertuliano escreveu-o no princípio da nossa era : “ A esperança cristã é a resssurreição dos mortos. Tudo aquilo que somos, somo-lo na medida em que acreditamos na ressurreição”.
O dia dos defuntos é o dia da vida.