Cartas lançam a suspeita
Misericórdia de Belmonte sob investigação

Duas cartas enviadas à Inspecção-Geral da Segurança Social motivaram um processo de averiguações ao Lar de Belmonte. Funcionária denuncia situações de alegados maus tratos. Provedor nega acusações .

Alexandre S. Silva
NC / Urbi et Orbi


O Lar da Santa Casa da Misericórdia de Belmonte está sob investigação do Ministério da Segurança Social e do Trabalho. Há cerca de um mês, o próprio director do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Castelo Branco, José da Cruz Penedo, confirmou ao NC a instauração de um processo de averiguações na sequência de uma denúncia feita por uma funcionária da instituição, Ema Komforti. E agora o caso já chegou à Inspecção-Geral do Ministério.
O NC teve acesso à carta que a trabalhadora enviou a várias entidades, em que são contestados algumas práticas do funcionamento do Lar, bem como métodos de trabalho da sua directora. A responsável da instituição, há 10 anos no cargo, é mesmo a mais visada. E as acusações vão desde alegados maus tratos a utentes a “perseguições” a funcionários. Ema Komforti, de nacionalidade búlgara, a trabalhar em Portugal há cerca de 14 anos, doze dos quais na instituição como terapeuta, queixa-se de ter sido “humilhada e marginalizada” pela directora, que alegadamente lhe terá também “vedado o contacto com os familiares dos utentes” e “ajuda especializada para cuidar dos idosos”.
Konforti acusa a responsável do Lar de “tornar desagradável o ambiente na Santa Casa” e de entrar “em discussão com os idosos e os funcionários por coisas sem a mínima importância”. De uma vez, conta, “desapareceu dinheiro a uma utente e como não aparecia convocou três funcionárias que tinham acesso ao quarto. Como estas nada sabiam, obrigou-as a despirem-se para confirmar se não estariam na posse da quantia. Uma delas recusou e a directora tratou do seu despedimento. Mais tarde o dinheiro apareceu. Esteve sempre na posse da idosa”.
Mas as queixas da funcionária não se ficam por aqui. Ema Konforti afirma que homens e mulheres tomam banho no mesmo horário, sem haver diferenciação. Bem como o facto de o Lar ter deixado de ter visitas regulares de um médico assistente, o que obriga a que “os doentes crónicos e agudos sejam transportados em ambulância para o Centro de Saúde de Belmonte, e a pagar por esse serviço quando não deviam fazê-lo”.
Aquando das visitas, conclui a funcionária, “os familiares encontram sempre um lar bonito, limpo, espaçoso e acolhedor, mas a verdade”, diz, é que “há falta de espaço e higiene, um ambiente desumano e conflituoso, idosos amarrados a camas sem qualquer cuidado, mas ninguém diz nada porque reina um clima de terror”.

Idosos dizem ser maltratados

Mas a carta de Ema Komforti não foi a única a solicitar uma investigação ao Lar de Belmonte. Joaquim Carrola Nave endereçou, também, à Inspecção-Geral da Segurança Social um pedido de averiguações no sentido de apurar a qualidade dos serviços prestados aos idosos, na sequência do falecimento de sua mãe, utente da instituição, no Hospital da Covilhã a 10 de Agosto último ao fim de três dias de internamento. Segundo Joaquim Nave, os motivos que levaram ao internamento da mãe “ainda estão por determinar”. No entanto, salienta, “na semana anterior ao internamento, numa visita de familiares, a minha mãe terá referido que tinham de a tirar de lá, pois tinha medo da directora, porque esta não a tratava bem”.
O NC foi ouvir alguns utentes da instituição, e as críticas ao comportamento da directora e ao funcionamento do Lar mantém-se. Os idosos, que se identificaram ao nosso jornal mas preferem manter o anonimato, alegam já terem sido “insultados”, “maltratados” e “agredidos” pela directora, que acusam de “provocar discussões por tudo e por nada”.

Provedor nega situações de maus tratos

Confrontado com estas queixas, João Gaspar, Provedor da Santa Casa de Belmonte, nega que tal situação se passe. “Não tenho tenho conhecimento nem vi nada que corresponda a essas acusações, embora não possa ver tudo”, responde. O responsável máximo pelo Lar afirma que as afirmações de Ema Komforti “não correspondem à verdade”, e acredita que “esta situação só se explica pelo despeito de uma funcionária que perdeu um lugar de liderança” para a actual directora.
No que toca às críticas dos utentes, o Provedor, sublinha que “os idosos queixam-se sempre de cada vez que lhes é imposta uma situação ou regra. Mas fora isso não há mais nada”. João Gaspar lembra ainda que o Lar tem 132 utentes e que, ao contrário do que diz a carta da funcionária, “há um médico assistente para o Lar, embora a instituição até nem seja obrigada a tê-lo”.
De resto, o Provedor mostra-se tranquilo em relação a uma eventual investigação e, reitera, “não há nada a esconder. Qualquer pessoa pode entrar no Lar e comprovar pelos seus olhos as condições e o que se passa”.