Metropolis




São Paulo






Por Catarina Moura

Não nos podemos deixar enganar pelo mar de betão que avistamos do avião e nos faz acreditar estarmos prestes a mergulhar numa dura, fria e amorfa cidade de negócios e trabalho. O segredo é suster a respiração, submergir completamente e, uma vez lá dentro, deixarmo-nos tocar e contagiar pela vitalidade que São Paulo injecta sem esforço em todos os que acolhe no seu espaço. Sob a cinzenta capa de fumo e seriedade esconde-se uma cidade de infinitas cores e idiomas. A vitalidade que a sustém na liderança do poder económico da América Latina é a mesma que pulsa em cada recanto desta imensa metrópole que não nos cansa descobrir. Principal destino dos milhares de emigrantes que, em finais do século XIX e princípios do XX, acorreram ao Brasil vindos de todas as partes do mundo, São Paulo alimentou-se dessa massa humana, redesenhando-se em sua função. Esses rostos multiculturais permanecem aí. Criaram raízes e recriaram a cidade, que é agora um universo de múltiplos mundos, os bairros típicos que pincelam de cor a cinzentona urbe. São Paulo é judia e coreana no Bom Retiro, italiana no Brás, no Bixiga (actual Bela Vista) e na Barra Funda, japonesa na Liberdade, a maior comunidade nipónica fora do Japão. Nestes bairros, as tradições ainda são o que eram. Fala-se com sotaque, sentem-se outros cheiros, escutam-se outros nomes, lêem-se outros caracteres, saboreiam-se outras comidas. Imperdíveis: as cantinas do Bixiga e a inusitada decoração da Liberdade, que culmina com o impressionante templo budista da Rua São Joaquim.
Este lado mais típico (na realidade, tão atípico), convive não diria harmoniosamente (porque o encanto de São Paulo vem, paradoxalmente, da sua confusão e desarmonia) mas, sem dúvida, de um modo interessante e peculiar com o caos urbano que é esta cidade. Um caos feito de quebras, de assimetrias, de contrastes, sulcos profundos, antagonismos, opostos absolutos. São Paulo também é o Brasil dos muito pobres e dos muito ricos, da violência urbana, dos sem tecto, dos meninos de rua… Da janela do luxuoso 15º andar do condomínio privado avistam-se as casas pequenas, sujas e arruinadas da rua ao lado. Não faz sentido mas é assim.
Estamos na Avenida Paulista, artéria principal da cidade, povoada de riqueza, cosmopolitismo, charme, e nos vãos dos poderosos edifícios há gente suja e esfaimada, que não combina com os executivos que entram em saem. Descemos pela Rua Augusta até à Óscar Freire, uma das ruas mais caras do mundo, e a impraticabilidade daqueles preços, mesmo para os europeus, que os vêem reduzidos a um terço pela desvalorização monetária, não combina com o cenário da rua ao lado, feito de “botequins” imundos e lixo no chão. Mas São Paulo é também esta contradição.
Ao contrário das grandes urbes europeias, esta não tem um centro. Não é ao centro que se vai passear. Em São Paulo, o perigo está no centro e não na periferia. Há zonas definitivamente “sim” e zonas absolutamente “não”. O metro, um dos melhores do mundo, é uma maneira muito segura de chegar às zonas sim, embora não seja cem por cento abrangente. Ir de táxi é outra boa opção, embora o taxista-chico-esperto-que-se-aproveita-do-pobre-turista, como espécime universal que é, seja uma possibilidade impossível de descartar.

Cidade de oferta infinita, exige tempo e disponibilidade, mas o esforço de a descobrir (nunca por inteiro, impossível, haverá sempre algo mais…) é totalmente recompensado. Durante o dia as ruas e os museus (MASP, MAM, Pinacoteca, MAC, …), o imenso e deliciosamente verde e regenerante Parque do Ibirapuera, 1,6 milhões de metros quadrados de descanso e lazer. À noite a fabulosa, rica e variada gastronomia, os cinemas, os teatros, as óperas, os bares para todos os gostos, idades e feitios. Massiva, impactante, fervilhante, a cidade não dorme nem deixa dormir. Não é bonita? Talvez não. Mas tem aquele tal “factor X” que a torna inesquecível e faz com que apeteça sempre regressar.