Catarina Moura

"Ter de"


A obrigatoriedade, o “ter de”, é um grande balde de água fria. Basta recordar as leituras obrigatórias do Secundário – que enfadonhos, intragáveis até, eram todos aqueles livros só porque “tínhamos de” os ler. E quantas vezes não viríamos a desfrutar da sua leitura ao pegar-lhes meses, anos mais tarde, quando lê-los era já um acto de vontade e não de submissão?! O que não escolhemos fazer, o que nos é imposto, provoca-nos, por norma, nem que seja numa primeira reacção, uma negação quase física, visceral. É sempre um ataque - à nossa liberdade, àquilo que somos.
Daí que não me surpreenda o já muito comentado e criticado “desinteresse” dos alunos de Ciências de Comunicação pelo Urbi. Lembramos os tempos em que não havia Urbi (na verdade não tão recuados), os tempos em que adoraríamos ter um espaço para escrever e aprender – fazendo - o que é realmente isso de ser jornalista. (Oooh, como éramos diferentes! Ooooh, o que não teríamos nós feito se tivéssemos tido acesso aos mesmos meios…) Mas teria mesmo sido assim tão diferente? Se “tivéssemos de” escrever todas as semanas, fosse para avaliação, fosse porque nos diziam que “tínhamos de”, tê-lo-íamos feito com genuíno entusiasmo?
Estarão os alunos de hoje particularmente desinteressados e desmotivados ou estaremos nós apenas mais velhos e, consequentemente, mais “sérios”? Não acredito que a pouca apetência destes alunos pela participação no Urbi se venha a traduzir numa fornada de maus profissionais do jornalismo. Muitos de nós são exemplo de que a motivação, a seriedade, o interesse, o entusiasmo, não são algo que tenhamos sentido enquanto estudantes, pelo menos não da mesma maneira, mas sim características e sentimentos que surgiram depois, quando começámos a trabalhar, quando nos começámos a comprometer e a responsabilizar. O que, a meu ver, não é negativo nem significa que, enquanto estudantes, sejamos um bando de vegetais inúteis e despreocupados. Nada disso. É um tempo reservado a outras vivências, a outras aprendizagens, também importantes. Além disso, a recusa instintiva do que é obrigatório, do que “temos de” fazer, não é exclusiva dos estudantes, é algo que nos afecta a todos, provavelmente a uns mais que a outros, mas que todos sentimos uma ou outra vez. O caso do Urbi choca-nos mais pela ligação que temos com ele, porque há um projecto que nos diz muito a ser afectado por essa falta de compromisso dos alunos. Mas, analisada a situação fria e imparcialmente, talvez nem fosse impossível revermo-nos nessa atitude.
O Urbi passou um semestre complicado, mas não foi o único nem vai ser o último. Há sempre alunos mais interessados e alunos menos interessados, tal como em geral há pessoas mais interessadas e pessoas menos interessadas, e ainda pessoas que escrevem melhor e pessoas que escrevem pior, e pessoas com mais ideias e outras com menos ideias. Talvez este ano haja mais pessoas menos interessadas e a escrever pior e com menos ideias a “ter de” escrever para o Urbi. Mas, independentemente da dosagem de interesse, qualidade e ideias, esta é apenas mais uma das dificuldades que um jornal com as características do Urbi vai ter sempre de enfrentar e contornar. Mas isso não desmerece nem os alunos nem o jornal.
Uma possível solução passaria, a meu ver, pela promoção do projecto, por saber “vender” o Urbi aos alunos, não só finalistas mas de todos os anos da licenciatura. As vantagens em participar neste jornal são muitas, só falta saber contagiá-los com a paixão que compartimos por ele. Será assim tão difícil transformar a obrigatoriedade de escrever para o Urbi numa escolha? Talvez, mas vale a pena tentar.