José Geraldes

Carnaval e quaresma


O jejum é uma prática de todas as religiões. Mas o sentido do jejum no cristianismo não reside para tornar o corpo mais elegante.

A palavra quaresma pouco diz a muita gente e, mormente, às novas gerações. Já a palavra carnaval tem resposta certa na ponta da língua dos jovens e a adultos. É um facto que o vocabulário cristão passa por uma crise profunda.
A ignorância religiosa ganhou terreno em quase todos os países da União Europeia. Alguns começam a preocupar-se com esta realidade, inclusive os mais marcados pelo laicismo como a França.
O carnaval e a quaresma estão historicamente ligados. No mundo cristão medieval, realizavam-se festas profanas a que, depois, se chamou Entrudo. As pessoas mascaravam-se e organizavam-se as mais variadas diversões. Ainda hoje são célebres os carnavais da Alemanha e, fora da Europa, o do Rio de Janeiro, no Brasil.
A própria palavra carnaval vem da expressão latina carne vale que significa adeus carne em contraponto com o domingo gordo, domingo anterior à terça-feira de carnaval. Tratava-se de uma alusão à abstinência de comer carne durante os 40 dias seguintes ou seja até à Páscoa.
A quaresma começou no séc.III. Por uma razão muito simples. Como a Páscoa é o ponto alto da celebração do cristianismo, os três dias anteriores serviam de preparação intensíssima para a celebração desta data. No séc. IV, os cristãos consideraram que três dias era pouco e aumentaram a preparação para 40 dias. Assim se celebra a actual quaresma.
O início realiza-se sempre na quarta-feira de cinzas ou seja depois da terça-feira de carnaval. A imposição das cinzas nesse dia significa que a vida neste mundo é efémera e que “somos pó” para indicar que a nossa existência só em Deus tem sentido.
A quaresma representa uma caminhada do cristão para a celebração da Ressurreição de Cristo. Daí o ser marcada por determinados actos que marcam este tempo preparatório.
O objectivo centra-se na renovação da vida. Renovação que passa pela mudança de mentalidade e comportamentos que levem à imitação corajosa dos gestos e atitudes de Cristo.
Por isso, desde os tempos mais antigos, a Igreja Católica oferece propostas aos cristãos para, de acordo com a sua fé, viverem e darem testemunho deste tempo.
As propostas assentam em três pontos : a oração, a esmola e o jejum. Não se pode compreender um cristão que não reze. E na espiritualidade diz-se que a oração é a respiração do cristão. Na quaresma, o cristão organizará a sua vida para dispor de mais tempo para dialogar com Deus. Para Lhe falar mais pessoalmente e na participação nas celebrações em comunidade. Para lutar contra o mal e as paixões. Para se reconciliar, isto é, se converter mediante a prática da confissão a que o povo ainda chama “desobriga”.
A esmola tem hoje o nome de solidariedade. Não se trata de ter pena dos “coitadinhos” mas de praticar uma partilha activa com os que precisam. Aliás, a origem grega da palavra quer dizer “intervir a favor de quem se encontra em necessidade”. E envolver- se no seu problema. Modernamente tanto pode passar por ajudar um toxicodependente como encontrar um emprego para um desempregado ou pela contribuição monetária adequada às posses de cada um para fins solidários. Exemplo : a renúncia quaresmal que as dioceses propõem e se destinam a colmatar necessidades prementes no País ou no mundo.
O jejum é uma prática de todas as religiões. Mas o sentido do jejum no cristianismo não reside para tornar o corpo mais elegante. Visa uma opção pessoal para agradar a Deus e aliviar a fome de um irmão. O livro Pastor Hermas muito lido pelos primeiros cristãos explica : “No dia de jejum, comerás só pão e água. Depois calcularás quanto gastarias para o teu alimento nesse dia e oferecerás este dinheiro a uma viúva, a um órfão e a um pobre”. Ou seja, em linguagem de hoje, a quem precisa.
Eis a verdadeira caminhada da quaresma para a libertação da Páscoa em que pela ressurreição nasce o homem novo.