Fernando Palouro falou das diferenças do jornalismo pré-25 de Abril
Comemorações do 25 de Abril
Mensagens codificadas

Verdadeiros escritores policiais, os jornalistas "antes da revolução" passavam as informações "pelas entrelinhas". Modelos com os quais nem todos os leitores conseguiam chegar ao que era apresentado.


Por Eduardo Alves


Uma das profissões mais arrasadas pelo regime fascista. Assim define Fernando Paulouro, director do Jornal do Fundão, o jornalismo. Numa iniciativa levada a cabo pela Associação Académica da Universidade da Beira Interior (AAUBI), intitulada "Os 30 do 25", Paulouro sentou-se na cadeira de docente durante duas horas e explicou aos alunos do curso de Filosofia, os principais entraves colocados pelo Estado Novo ao jornalismo.
“Os princípios do “News Speak” - Propaganda ou Informação no Estado de Direito?” foi o mote da palestra que abordou várias temáticas. De entre todos os assuntos descritos pelo jornalista, aquele que mais atenção despertou nos presentes foi o papel que os órgãos de comunicação social "tinham e têm na formação das consciências pessoal e cívica", sublinha Paulouro. O jornalismo feito sob a batuta da ditadura fascista "era como um enredo de histórias codificadas nas crónicas, nos artigos, nas fotos e nos cartoons". O lápis azul da censura "era difícil de enganar". Segundo do director do Jornal do Fundão, a única forma de o conseguir era através de textos onde a mensagem principal "estava escrita nas entrelinhas".

"Uma resistência disfarçada"

Verdadeiros detectives, os leitores foram ganhando uma capacidade "de decifrar aquilo que estava escrito nas páginas dos jornais". Paulouro recorda mesmo uma crónica, "género jornalístico que conheceu o seu auge no tempo da ditadura", que falava sobre um jogo de futebol entre o Sporting e o Porto, mas "fazia referência ao golpe falhado do 16 de Março".
Estas e outras peripécias, eram "extremamente redutoras", num País onde faltava quase tudo para o homem crescer "culturalmente". Uma das preocupações de qualquer regime e uma das formas da sua manutenção "é o silenciar a comunicação social". Outrora como hoje, "o que não é noticiado não existe", e muita coisa nunca foi dita, refere Paulouro.

Um novo jornalismo

Uma das grandes conquistas alcançadas por Abril foi a liberdade de expressão, "nas suas vertentes de informar e ser informado", avança o jornalista. Nos dias que correm, toda a comunicação social assume um papel "relevante, na criação de uma sociedade mais justa". A transposição das barreiras geográficas e o acesso mais fácil à imprensa "garantem uma maior estabilidade aos cidadãos".
Questionado sobre o excesso de liberdade nos órgãos de comunicação social, Paulouro responde que "têm de ser os próprios jornalistas, enquanto gestores da informação, a escolher o que deve ou não ser notícia e como deve ser abordada". Um dos grandes atractivos, "deste contra-poder, é exactamente a sua capacidade de pressão sobre todos os outros grupos sociais". A possibilidade dos media arrastarem um grande número de pessoas para uma determinada opinião, "tem sido utilizada por muitos gestores, políticos e afins".
Um dos grandes problemas que se colocam ao jornalismo na actualidade "é a concentração de poderes nas mãos de um grupo restrito de pessoas". Na perspectiva de Fernando Paulouro, "a censura disfarçada ainda não se verifica em toda a comunicação", mas esse "contratempo" pode vir a ser instaurado "sem que o público em geral" tome noção desse facto.
Participar mais activamente na escolha e na selecção da informação fornecida, "é uma das formas de manter o jornalismo puro", defende Paulouro. Os cidadãos que gozam de liberdade de expressão, devem "exigir informações verdadeiras" e não casos deturpados, como acontecia antes de Abril.