António Fidalgo

De Europeias de 2004

O desinteresse pelas eleições europeias do último fim de semana contrastam gritantemente com o fervor dos adeptos pelo campeonato europeu de futebol. De um lado abstenção ao mais alto nível, do outro lado paixão ao rubro e preços de entrada nos estádios a atingir dez mais o valor inicial. Que se passa? Paixão pelo futebol? Descrédito da política? Alienação pura?
Em Portugal houve claramente uma vitória dos partidos da esquerda, como houve em Itália ou na França. Mas na Alemanha e na Inglaterra houve também uma clara vitória dos partidos da direita. Comum nos dois casos, é que foram os partidos que não governam quem ganhou com grande margem as eleições. Os que governam foram castigados com um de cartão amarelo carregado. Os europeus, à excepção de gregos e espanhóis que mudaram há pouco tempo de governo, votaram sobretudo contra quem os governa. Fossem os actuais partidos da oposição a governarem os respectivos países e seriam eles certamente os castigados. Estas eleições europeias fazem lembrar a frase revolucionária de que "Se hay govierno, soy contra".
Não está fácil a vida para os governantes dos diferentes países europeus. E não está fácil porque não é fácil governar países envelhecidos e anafados por dezenas de anos de bem estar. É mesmo típico de povos bem instalados o que se passa na política europeia: nas eleições em que está em causa o poder real dos respectivos parlamentos votam em quem lhes oferece a maior garantia de bem estar e de menor sobressalto, mas logo que podem dar uma ferroada sem consequências nos seus governantes, fazem-no sem delongas. É a coragem dos refastelados da vida. Se não querem as reformas que os governos nacionais são obrigados a tomar, porque não votam nas verdadeiras oposições quando chega a altura de efectivamente o fazerem? Ah, mas isso não. Querem estabilidade, e é a coberto da estabilidade que depois votam, quase como meninos traquina, sem grandes sobressaltos nos partidos do contra.
Não há participação política, mas vive-se o futebol. Como não pensar nestes momentos na decadência do povo da Roma imperial, que apenas queria bem estar e divertimento? À volta da Europa rica e velha há centenas de milhões de seres humanos a querer entrar a todo o custo. A grande maioria são jovens dispostos a tudo para entrar neste mundo de abundância e de facilidade. Entrar na Europa significa fugir à pior miséria dos seus países em guerra e de corrupção desenfreada.
Tivessem os cidadãos europeus consciência plena do mundo em que vivem e em que também vive a grande maioria dos que vivem em grande pobreza então não ficariam tão indiferentes á sorte da União Europeia. O destino colectivo dos europeus não pode e não deve ser ditado por uma insatisfação contra os governos nacionais. A Europa merece muito mais.