José Rosa*

O prestígio da Universidade


O que é o prestígio de uma Universidade? Talvez fosse mais fácil falar do desprestígio da Universidade e desenharíamos assim, em negativo, o pretenso prestígio. Seria fácil, em parte verdadeiro, mas ainda assim ilusório, elencar a «licealização» galopante, a inflação dos diplomas e as fugas em frente, as dificuldades de recrutamento de pessoal, a mediocridade dos docentes, os constrangimentos financeiros e a autêntica «caça ao aluno», as contínuas alterações e reformas do quadro legal, a burocracia que ameaça acabar com as nossas florestas (como a «máquina» devora papel!), as políticas ao sabor de cada novo arrivista que se senta na cadeira do poder, a demagogia, a sobrecarga de trabalhos, enfim, fazer o rol de todos os males que nos deixam os dias em carne viva.
Mas com tudo isto, ainda não teríamos captado, em negativo, o suposto prestígio da Universidade, nem teríamos tocado o cerne do problema. Responder à pergunta «O que constitui o prestígio da Universidade?», se não se quiser cair nos esquemas de «prestidigitação», exige pôr a interrogação no quadro mais amplo das finalidades da instituição universitária numa sociedade. Tenho para mim que o prestígio real, verdadeiro, da Universidade reside no saber e na ciência que cria. Digo bem: cria, e não apenas reproduz. O que numa Universidade não está em ordem à excelência do saber e à ciência está a mais e devia ser extirpado como um cancro. As lógicas tautológicas que apenas mantêm a composição em andamento, gerindo a inércia, apanhando alunos numa estação, largando-os noutra (ou deixando-os pelo caminho, se não forem eles próprios a saltar em andamento), que não sabem nem querem saber para onde vão, sem jamais se questionarem sobre os fins da instituição universitária são lógicas mesquinhas — mon bureau... —, suicidárias, que se despistam na primeira curva da estrada (e algumas em Portugal já começaram a «estampar-se»...). Novas instituições de ensino superior vão surgir: oxalá não nasçam póstumas. O prestígio que vem do reconhecimento das pares, quais coniventes piscadelas de olho, é inútil. O saber, o saber, o saber, três vezes o saber: eis o prestígio de uma Universidade. As revistas — as que existem e as que têm de criadas —, os graus académicos, os artigos e livros dos docentes, as conferências em nome da Universidade, a competência, as carreiras profissionais, os cargos, os secretariados, etc., etc., tudo está em função do saber. Este não é uma mercadoria, «pacotes de bytes» intermutáveis, que qualquer um fornecer: é uma atitude, é um estado de espírito.
É para mim indiscutível que as Universidades são também locais de transmissão de conhecimentos adquiridos, sobretudo os de feição profissionalizante. E é igualmente inequívoco que o saber gerado por uma sociedade tem de reverter para essa sociedade. Mas, exactamente por isso mesmo, o saber universitário não pode viver a reboque das pressões conjunturais, variáveis como cata-ventos. Nem sempre o retorno pode ou deve vir sob a forma de micro-ondas. Pede-se à Universidade um outro olhar, uma avaliação crítica de ciclo mais longo, um respiro de profundidade que vá além dos indicadores sociais muitas vezes objecto de cosméticas, de fitas e de atavios. Caso contrário, não só trai a sua vocação mais íntima — criar consciências capazes de lidar inteligentemente com o novo; ensinar a ler e a criar a realidade —, mas ilude também a reflexão sobre o bem comum e as finalidades últimas de uma sociedade, que não podem ficar exclusivamente entregues à efemeridade das políticas do curto prazo. A racionalidade não se exprime apenas na capacidade de ordenar meios para fins, mas fundamentalmente na eleição de fins. Porque a questão que a breve trecho se colocará inevitavelmente à Universidade será esta: como é que um determinado modelo de desenvolvimento económico, político e social se articula com a cultura? Não há sociedade sem cultura; sem cultura uma sociedade estiola e morre. Um modelo de desenvolvimento que oblitera a cultura, liquidou na raiz o ímpeto criador de uma sociedade. Esta é justamente a tarefa cometida à Universidade como sua missão mais própria e decisiva e à qual ela não pode renunciar. Uma Universidade, por conseguinte, não tem como finalidades últimas o lucro, o poder e o prestígio. Não basta nem é sério prestidigitar. As Universidades não são meros locais de conhecimentos, são centros irradiadores de cultura, são laboratórios de humanidade. Por isso, o que se tem de perguntar é isto: O que é que uma Universidade quer fazer com o seu prestígio? Oxalá as Universidades saibam responder a esta pergunta.

* Docente do Departamento de Comunicação e Artes da UBI