|   Urbi et Orbi 
                        – Conhecemo-la das telenovelas, no entanto, já 
                        fez muito teatro e algum cinema. Qual destes palcos prefere? 
                        Regina Duarte – Gosto dos três. Acho 
                        que não dá para fazer uma coisa só. 
                        É importante para o actor diversificar, fazer um 
                        pouco de cada um, porque a televisão pode ser considerada 
                        uma boa vitrine para mostrar o que já se aprofundou 
                        no teatro. O cinema tem uma proposta interessante para 
                        o actor, porque ele fica intermediário entre a 
                        urgência da televisão e a tranquilidade com 
                        que as coisas são feitas no teatro. No meu espectáculo 
                        “Coração Bazar”, nós 
                        pesquisámos mais de quatro meses. O cinema já 
                        não é tão lento, mas também 
                        não tem a pressa e a urgência da televisão. 
                        Eu gosto dos três e dou-me bem nos três. 
                      U@O – Sabemos, no entanto, que começou 
                        no teatro. 
                        R.D. – Comecei no teatro amador e depois 
                        é que fui chamada para a televisão, sou 
                        então basicamente uma actriz de teatro, embora 
                        ao longo destes 40 anos tenha feito mais televisão 
                        do que teatro, que é onde eu me reabasteço. 
                      U@O – Os seus pais influenciaram-na na 
                        decisão de ser actriz? 
                        R.D. – Não considero que me tenham 
                        influenciado, foi uma escolha minha. A influência 
                        deles realizou-se no valor que atribuíam às 
                        artes e no facto de me estarem sempre a apresentar as 
                        coisas boas das artes. O meu pai era um homem que gostava 
                        muito de ler e escrever. Eu acho, que o facto dos meus 
                        pais gostarem de arte teve um papel decisivo na minha 
                        vida. 
                      U@O – Mas apoiaram-na? 
                        R.D. – Apoiaram-me totalmente! Acharam 
                        o máximo, porque provavelmente era aquilo que eles 
                        gostariam de ter feito na vida e não tiveram condições. 
                      U@O – Como vê o facto da sua filha 
                        seguir as suas pisadas? 
                        R.D. – Foi óptimo, porque nos une 
                        muito termos a mesma profissão. É uma coisa 
                        que não foi planeada, não foi esperada. 
                        Ela foi-se revelando actriz desde muito nova. 
                      U@O – Na sua vasta carreira qual foi a 
                        personagem que mais gostou de fazer? 
                        R.D. – Gostei de todas. Considero que todas 
                        foram importantes, com todas elas aprendi muito, todas 
                        me acrescentaram novos conhecimentos. É difícil 
                        escolher alguma em especial. 
                      U@O – Porque foi considerada a “namoradinha 
                        do Brasil”? 
                        R.D. – Acho que pelos papeis de boa moça, 
                        submissa, sofredora, altruísta... 
                      
                         
                           
                             
                               “ Nós nunca 
                              somos uma coisa só” 
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                              “Coração aberto a todas as tendências” 
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                      U@O – Fala em submissa, hoje sente-se mais 
                        livre? 
                        R.D. – A gente procura sempre ser livre, 
                        mas logo cedo se aprende que também a liberdade 
                        implica responsabilidade. A liberdade é relativa, 
                        o importante é sermos responsáveis por nós 
                        mesmos e fazermos as nossas opções. Todos 
                        o gestos têm consequências. A liberdade é 
                        quase um mito. 
                      U@O – Faz em 2005, 40 anos de carreira. 
                        “Coração Bazar” é uma 
                        espécie de comemoração? 
                        R.D. – Com certeza! Não é 
                        nada propositado, eu mesma só me dei conta disso 
                        este ano. O ano passado quando eu passei os meses entre 
                        Julho e Novembro a estudar, pesquisar e a preparar o espectáculo, 
                        nem me ocorreu que em 2005 completava 40 anos de carreira 
                        profissional. Mas, hoje olho e vejo que o espectáculo 
                        é a tentativa de fazer uma síntese de tudo 
                        o que eu aprendi neste tempo todo de profissão. 
                      U@O – Porquê só agora um monólogo, 
                        depois de tantos anos de carreira? 
                        R.D. – Acho que ainda não estava 
                        madura, preparada para isso. Para passar uma hora e tal 
                        sozinha em palco diante do público e porque sempre 
                        me preocupou o conteúdo desse encontro. Acho que, 
                        até agora, nada me deu segurança a ponto 
                        de enfrentar este desafio e com “Coração 
                        Bazar” acho que consegui. Juntamente com o director 
                        – José Possi Neto – cheguei a um espectáculo 
                        que não é um recital, mas que é um 
                        espectáculo de teatro com conflito, com drama, 
                        com muitas emoções, muito humor, com uma 
                        série de ingredientes próprios do teatro 
                        que eu considero que é um espectáculo que 
                        desperta o tempo todo o interesse da plateia. E além 
                        disso, penso que hoje tenho consciência de mais 
                        coisas do que a algum tempo atrás e também 
                        gostaria de partilhar essas aprendizagens com a plateia 
                        que acompanha o meu trabalho. 
                      U@O – Mas tinha há muito tempo vontade 
                        de o fazer? 
                        R.D. – Tinha vontade de ter um encontro 
                        mais cara a cara com o público; eu e ele. 
                      U@O – Não se sente sozinha em palco? 
                        R.D. – Não, porque tenho uma equipa 
                        enorme comigo. Eu contraceno com o operador de luz, com 
                        o operador de som, dependo do Beto que me ajuda a trocar 
                        de roupa rapidamente nos bastidores e do Márcio 
                        que cuida de todos os efeitos especiais do espectáculo. 
                        É uma equipa grande que está ali comigo, 
                        actuando comigo o tempo todo. 
                      U@O – Porquê “Coração 
                        Bazar”? 
                        R.D. – Porque é o que melhor define 
                        a ideia que a gente tem de coração do artista, 
                        coração que tem de estar aberto a todas 
                        as tendências, para ser assim o espelho da humanidade 
                        na sua complexidade, na sua multiplicidade. Então, 
                        há uma expressão de Fernando Pessoa que 
                        usamos para nomear o espectáculo e que conseguimos 
                        para melhor definir o coração do artista, 
                        o coração democrático. 
                      U@O – Porquê estas seis mulheres 
                        que aparecem na peça? 
                        R.D. – Não havia a intenção 
                        de criar seis mulheres, foram surgindo dentro dos textos 
                        que foram sendo eleitos por mim. Conforme eu fui escolhendo 
                        os textos, o director foi notando que cada um daqueles 
                        textos tinha a voz de uma mulher diferente. Então 
                        no final, quando o texto ficou pronto começou a 
                        apontar para mim, o que foi uma surpresa, “essa 
                        é uma mulher, essa é outra, veja como essa 
                        é revoltada, a outra é carente, olha como 
                        essa é segura, a outra é sensual, essa é 
                        agressiva”. Foi assim que nós começámos 
                        a prestar atenção a essas diferenças 
                        e a acentuar a criação das personagens. 
                      
                         
                           
                             
                                
                              
                               
                              “Fernando Pessoa é o maior poeta de 
                              todos os tempos” 
                           | 
                           
                               
                              “A liberdade implica responsabilidade” 
                           | 
                         
                       
                      U@O - Identifica-se com alguma? 
                        R.D. – Acho que sou todas elas, se não 
                        sou ao mesmo tempo já fui. E penso que nós 
                        nunca somos uma coisa só. Acho que temos várias 
                        facetas, vários lados, nós temos um centro, 
                        mas tem muitas mulheres na periferia, em cada um do nosso 
                        “eu”. Então, julgo que são essas 
                        mulheres que aparecem em “Coração 
                        Bazar”. 
                      U@O – Porque é que seleccionou e 
                        escolheu textos de poetas portugueses e porquê esses? 
                        R.D. – Primeiro porque sou apaixonada por 
                        eles e porque eles falam comigo, falam de mim. Porque 
                        eu gostaria de falar nesse momento com a plateia, acho 
                        que a Florbela Espanca vem falar sobre o amor que é 
                        o tema básico do espectáculo. E o Fernando 
                        Pessoa faz reflexões profundas sobre a vida, o 
                        coração dos artistas, as seguranças, 
                        as inseguranças, uma série de assuntos com 
                        os quais eu me identifico profundamente. A visão 
                        que ele tem desses temas de vida, morte, alegria, insegurança, 
                        enfim, eu identifico-me muito com isso. Ele para mim é 
                        o maior poeta de todos os tempos. Acho que influenciou 
                        poetas no mundo inteiro, ele é uma influência 
                        literária impressionante e eu tenho, muito orgulho 
                        em falar a mesma língua que ele e não precisar 
                        de ler Fernando Pessoa traduzido. Eu gosto muito dele, 
                        a ponto de evitar logo no início da pesquisa chegar 
                        a Fernando Pessoa porque sabia que quando chegássemos 
                        nós estaríamos completamente rendidos.  
                      U@O – Como é que o público 
                        português tem reagido à peça? 
                        R.D. – Bem, muito bem. Com emoções, 
                        divertindo-se, aplaudindo, revendo muitas vezes, porque 
                        as pessoas vêem e querem ver de novo, assistem duas, 
                        três vezes, trazem a família no dia seguinte. 
                        As pessoas querem levar o texto para casa porque acham 
                        que uma só vez é pouco, gostam muito do 
                        que estão ali a ouvir. Estou muito satisfeita, 
                        porque temos estado com casas lotadas, bilhetes esgotados 
                        e com uma recepção extremamente boa. 
                      U@O – Gostou de pisar o palco do Teatro-Cine? 
                        R.D. – Gostei muitos. Estava um pouco preocupada 
                        porque terça-feira foi feriado e achava que ia 
                        ter pouca gente, mas realmente foi uma surpresa ver a 
                        casa lotada, fiquei muito feliz. 
                      U@O – É a primeira vez que está 
                        na Covilhã? 
                        R.D. – Sim, nesta região é! 
                        Em Portugal não! 
                      U@O – Tem vontade de regressar? 
                        R.D. – Ah sim, com certeza! Tenho vontade 
                        de vir no Inverno. É uma cidade muito linda, organizada, 
                        limpa, saudável e dá uma ideia de tranquilidade 
                        e uma boa sensação... 
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