Anabela Gradim

Médicos, polícias, jornalistas e filósofos

Polícias e jornalistas, médicos e filósofos, juntos na UBI para debaterem questões comuns aos seus ofícios. Comuns? Verdade. Onde o território de cada um se cruza, há questões comuns a debater, embora estas, por vezes, não sejam óbvias. É este o sentido da interdisciplinaridade, estabelecer relações entre duas ou mais disciplinas ou áreas do conhecimento, em ordem à descoberta de métodos, abordagens ou conteúdos novos.

Desde sempre, mas especialmente de finais da década de 80 para cá, quando começaram a aparecer as primeiras investigações de crimes white collar, que a vida de polícias e jornalistas se cruza. Antes de 74, digamo-lo, nem sempre pelas melhores razões. Hoje porque desde o «caso de polícia», coisas de pilha-galinhas, à mais elaborada investigação sobre corrupção ou crime organizado, as polícias se constituem como insubstituíveis fontes e produtores de notícias. E já aprenderam a viver com isso. Hoje, pelo menos em Lisboa e Porto, todas as forças policiais (PSP, PJ, GNR) contam com gabinetes de relações públicas onde oficiais intermédios daquelas forças se especializaram em transmitir notícias à imprensa.

Paralelamente a este trabalho junto dos canais oficiais, decorre todo um animado jogo que consiste, grosso modo, em tentar descobrir o que não é veiculado por esses gabinetes, o que nenhum outro jornal sabe, e, simultaneamente, tentar não prejudicar investigações em curso. Já as polícias também se orgulham de ver o seu trabalho conhecido e divulgado (daí as mostras que preparam quando fazem grandes apreensões), e se tais práticas dificilmente terão efeito dissuasor sobre potenciais criminosos, na população em geral criam familiaridade e segurança. E por fim, por vezes, são os próprios polícias que são notícia, e recordam que «sem media não teria havido Sindicato de Profissionais de Polícia». Porque a moldaram indelevelmente, sem uns, nem outros, polícias ou jornalistas, as nossas sociedades abertas, livres e democráticas não teriam a configuração que agora possuem.

O encontro entre «médicos» e «filósofos» recorda-nos como a medicina nasceu ligada à filosofia, à semiótica (Galeno, séc. II, intitulava-a um dos três ramos da sua arte), e que embora hoje se tenha abundantemente «tecnologizado», nos sofisticados meios de diagnóstico, nas cada vez mais apuradas medicações, nas cirurgias e transplantes (estão para breve os primeiros cyborgs), no tratamento da dor, nos processos de gerar vida (da fertilização in vitro à clonagem) como de a fazer cessar. Pois todos esses progressos assumem vertentes de sofisticação tecnológica que os tornam quase herméticos, requerendo o seu domínio profunda especialização. Mas por trás de todo esse aparato, só duas questões permanecem, fazendo a ponte entre uma e outra disciplina: que é um homem? Quando começa e cessa a vida, disso que é um homem? E nem médicos, nem filósofos, encontraram ainda resposta unívoca para este par de simples questões. E este é que é o sentido da interdisciplinaridade, e a importância da sua promoção: acreditar que a sua melhor hipótese de a acharem será em conjunto.