Adriana Braga*

A órbita intelectual da UBI


Vindo de Lisboa, depois de um longo caminho em verdes de oliveira e couve, avistam-se as pedras. Pedras altas e sumptuosas que anunciam a mudança do clima, do modo de vida, da paisagem. Ao pé da serra, encosta-se a cidade e abriga uma universidade, uma universidade da beira, uma universidade do interior. As universidades geralmente estão associadas aos grandes centros urbanos, local da diversidade, das trocas, da efervescência cultural. Não obstante o ambiente bucólico da Covilhã, aqui a actividade é intensa. Desde que cheguei, acompanho uma agenda cultural gerada através da UBI, que é surpreendente para uma cidade deste porte. Onde esperava encontrar um professor que desenvolvesse uma actividade de investigação científica de alto nível no meio das pedras por pura excentricidade ou pelo deleite da vida pacata de uma cidadezinha, encontro um centro de excelência em diferentes aspectos. Numa cartografia académica, Lisboa, Coimbra ou Salamanca têm lugar garantido, quase óbvio, mas a conquista de registo para a Covilhã não me parece tarefa fácil. E a UBI tem feito isso pela cidade, pela Beira Interior, por Portugal: mais um ponto de destaque no mapa. Um exemplo da actividade que se realiza por aqui pode ser dado pelas “Jornadas Científicas”, seminários realizados pelo Departamento de Comunicação e Artes, que colocam em debate questões actuais em perspectivas diversas na área de interesse. Dispondo de verbas substantivas, cada edição do evento conta com, no mínimo, dois/duas investigadores/as estrangeiros/as que, juntamente com outros/as de vários pontos do País, constituem mesas temáticas. Durante dois dias, o que há de mais avançado nos estudos académicos no tema proposto pelo evento passa pelo ambiente da Sala dos Conselhos. Sem burocracia de inscrições, sem investimento em dinheiro, sem planeamento prévio, estudantes e investigadores/as estão convidados/as a entrar e reciclar os seus conhecimentos, tirar dúvidas, participar do debate em questão.
Entretanto, a organização de umas jornadas encontra dificuldades de várias ordens. Para começar, a reunião de nomes de expressão na cena científica que componham um programa coerente e confluente com os interesses da comunidade académica local. Em seguida, o contacto e a aceitação dos/as intelectuais inicialmente pretendidos nem sempre chega a concretizar-se na configuração final do programa das jornadas. Se por um lado a Internet facilita o acesso a um banco de dados das pessoas reunidas na mesma área de interesse em todo o mundo, por outro, contactos e relações pessoais são fundamentais para inspirar a confiança do/a convidado/a resultando na aceitação do convite. As agendas sempre cheias dos/as profissionais universitários representam outra barreira a ser ultrapassada pela organização, além de toda a logística necessária envolvida.
Mesmo com todas estas e outras dificuldades a obstar um evento bem sucedido, desde Março de 2002 as jornadas têm trazido investigadores/as de vários pontos do mundo viabilizando intercâmbios e parcerias que tornam a UBI visível num cenário académico mais amplo.
Este mês, durante os dias 4 e 5, a ontologia do cinema foi o tema do debate, a partir de comunicações de investigadores estrangeiros comentadas por professores/as e estudantes da casa. Em Abril, nos dias 15 e 16, a comunicação mediada por computador (CMC) e as identidades contemporâneas serão a pauta em destaque. Entre os/as convidados/as, investigadores/as de Inglaterra, Estados Unidos e de várias universidades portuguesas confrontam teorias e métodos diversos para a compreensão dos fenómenos comunicacionais actuais.
No que concerne à construção do saber no contexto de uma universidade, muitas vezes a tradição e o peso dos séculos soam como garantias de solidez e estabilidade. Entretanto, os séculos também trazem seu ónus: estruturas administrativas arcaicas, conflitos ancestrais, resultando por vezes não em solidez, mas em imobilidade. E a diferença deste modelo seria um ponto distintivo na possibilidade da existência dessas jornadas de elevado nível na Beira Interior: a relativa juventude da UBI dá-lhe a agilidade necessária, em termos administrativos, para que novas ideias e temas entrem na pauta e se tornem debates, discussões – em suma: ar fresco para o intelecto.
De volta, levo na mala de viagem a surpresa do encontro de uma gema preciosa encravada numa Serra da Estrela e a experiência do convívio de uma escola estimulante e enriquecedora para o desenvolvimento de minha investigação, uma cidade que pouco a pouco se inscreve com vigor no mapa académico nacional.

*Doutoranda brasileira em estágio no Labcom da UBI.