Por Filipa Minhós



"A Dielmar teve sempre uma forte apetência para trabalhar a nível da qualidade"

Urbi @ Orbi – Como surgiu a fábrica Dielmar?
Alcino Rafael –
A Dielmar foi uma empresa que se fundou em Maio de 1965, com a associação de quatro alfaiates de Alcains, que resolveram, na altura, por uma questão de estratégia, criar um espaço de confecção para a posterior venda de pronto-a-vestir. Deixaram as suas vidas de alfaiate e uniram esforços, no sentido de fabricarem e comercializarem os fatos a nível do mercado português, mantendo até hoje uma política assente na tradição do artesão de alfaiataria. O nome Dielmar vem das iniciais dos quatro sócios fundadores, Dias, Hélder, Mateus e Ramiro. Actualmente, a Dielmar tem cerca de 414 trabalhadores, incluindo as pessoas que trabalham na fábrica e nas lojas Dielmar.

U@O - É filho de um dos donos. Qual é o cargo que desempenha aqui na fábrica e como conseguiu ocupá-lo?
A. R. -
Eu sou filho do sócio fundador Ramiro e actualmente desempenho o cargo de presidente do Conselho de Administração da empresa. A Dielmar é uma sociedade anónima, sendo que de três em três anos há eleições para os corpos de administração. Fui eleito há três anos como presidente do Conselho de Administração por todos os accionistas da empresa.

U@O - A Dielmar é uma fábrica de sucesso a nível nacional e internacional. Qual é o segredo de tal sucesso?
A. R. -
Desde o início, a Dielmar teve sempre uma forte apetência para trabalhar a nível da qualidade e empregar todo o espírito do artesão aos seus produtos dentro da indústria. Desenvolveu sempre peças próprias, apostando no design e na moda. Certamente esta foi a principal razão que contribuiu para o grande crescimento da fábrica, facto que conduziu à rápida liderança da Dielmar no ramo da confecção em Portugal. Esta empresa tentou sempre manter uma aposta na qualidade e também no serviço ao cliente, nunca descurando a formação sólida dos seus trabalhadores. Ao mesmo tempo, os trabalhadores possuem algumas regalias na empresa, o que permite o equilíbrio de toda uma estrutura, de forma a funcionar sem problemas alguns.




"Gostávamos de ser mais consultados pelas universidades ou mesmo pelos próprios alunos"


U@O - A fábrica aposta então na qualidade. Onde é que essa qualidade é mais visível?
A. R. -
A qualidade é visível a nível dos tecidos e dos aviamentos que utiliza, isto é, todas as matérias-primas são sujeitas a uma selecção muito criteriosa na sua escolha, para que possam ser oferecidas aos clientes. Além disso, também se apostou forte na qualidade da confecção do produto, ou seja, na forma como a peça é feita e no tempo que demora a elaborar a peça ao longo da linha de produto. Ao nível de trabalho da linha há ainda vários postos de revisão para que o produto saia para o mercado com condições mínimas de qualidade. Foi uma cadeia que se gerou e que tem dado resultados. Hoje em dia já temos o certificado de qualidade ISO 9000, está tudo registado, é tudo lido e medido, o que faz com que as situações sejam previstas a tempo e a horas.

U@O - A Dielmar irá sofrer com a liberalização dos têxteis chineses?
A. R. -
É lógico que irá sofrer um pouco. Hoje, a nível do mercado, há uma enorme concorrência, e a liberalização dos têxteis chineses vem agravá-la ainda mais. A liberalização dos têxteis chineses é ainda uma incógnita. Não se sabem muito bem quais vão ser as consequências para as empresas têxteis do País. O grande problema é toda a conjuntura económica que vivemos na Europa. Portugal, como país pequeno que é e não estando no centro da Europa, não participa dos poderes de decisão. Toda a economia portuguesa suporta estes problemas, o que faz com que todas as empresas sintam que não há um crescimento de mercado. A Dielmar, no último ano, em termos de facturação, cresceu significativamente, mas sentimos que começa a existir uma grande pressão sobre o preço. Sentimos que podemos começar a ter problemas com as margens de lucros. Mas, creio que se forem adoptadas certas medidas a nível da Comunidade Europeia, para que haja alguma defesa dos interesses das fábricas e dos produtores, não se irá sentir uma grande crise.

U@O - Já têm algumas respostas caso a crise se faça mesmo sentir?
A. R. -
Até agora ainda não sentimos a crise. O que sempre procurámos, ao longo dos anos, foi prepararmo-nos para situações de concorrência. Nós sabemos que comprar têxteis chineses significa adquirir produtos em grandes quantidades, mas com uma qualidade reduzida, na maior parte das vezes. Hoje em dia, esses países até já começam a produzir com alguma qualidade, mas sempre com grandes espaços de tempo para as entregas. As suas encomendas demoram cerca de 4 meses a chegar a Portugal. E nós sabemos que, na actualidade, a clientela cada vez quer comprar mais tarde e receber mais cedo, o que nos obrigou a encurtar os períodos de entrega. Esta é, portanto, a resposta que sempre demos e procuraremos dar. Para isso, apetrechámo-nos e tivemos que nos organizar, para que as nossas encomendas sejam produzidas cada vez mais rapidamente. Além disso, o serviço ao cliente chinês é totalmente diferente daquele que nós prestamos. As importações chinesas nunca poderão oferecer prestações rápidas e fatos por medida, por exemplo.


"O futuro objectivo da fábrica é dar cada vez mais e melhor serviço aos nossos clientes"

"Até agora ainda não sentimos a crise"

U@O - A Dielmar tem recentemente uma linha de roupa de senhora. Isso pode ser encarado como um possível sinal de crise ou é simplesmente a procura de novos mercados?
A. R. -
Vendo que há um certo crescimento do estilo de executivo na mulher, a nossa empresa lançou esta estação, Primavera-Verão, uma marca própria, que segue o mesmo princípio da filosofia da Dielmar – um produto de qualidade e com uma colecção própria. Esta nova linha de roupa foi a procura de um novo mercado e a tentativa de penetrar em novos clientes, sobretudo neste segmento de mercado, do qual a Dielmar ainda não fazia parte. A partir do momento em que já fazíamos há alguns anos confecção de senhora para dois clientes da Dielmar, sentimos capacidade para lançar uma marca própria. Portanto, a marca não é a marca Dielmar, antes tem um nome próprio – Anne Guildan. É uma marca que procurámos que tivesse um nome internacional, porque ela vai destinar-se não só ao mercado português, mas sobretudo ao mercado internacional. Espanha e França são os países para onde exportamos mais e onde temos grandes clientes.

U@O - O facto de terem dado um nome estrangeiro à nova marca da linha de mulher facilita a entrada do produto nos mercados, tanto português como europeu?
A. R. -
Penso que não. O nome escolhido está associado a uma determinada imagem, a um determinado estilo de vida e, consequentemente, a um determinado design de roupa. Acho que se tivesse um nome português, desde que esse fosse apelativo e que conseguisse definir o estilo, teria também uma boa aceitação. A nossa preocupação não foi tanto o facto de ser um nome estrangeiro ou português, mas antes que fosse um nome que entrasse facilmente no ouvido, sobretudo no do consumidor. E que, de uma forma geral, tivesse a apetência para o plano, no qual agora estamos mais centrados, que é o mercado europeu. Surgiu este nome, que poderá ser meio português, meio francês, meio inglês, meio alemão, e pelos testes que nós fizemos já podemos concluir que o nome teve boa aceitação na Alemanha, na França, em Espanha também. Em Portugal, as pessoas receberam-no naturalmente. Claro que tenho noção de que as marcas com um nome estrangeirado, sobretudo em Portugal, parecem, por vezes, ter mais sucesso. Mas tudo depende depois do desenvolvimento da imagem e do marketing aplicados na marca.

U@O - Quais são os futuros objectivos da fábrica Dielmar?
A. R. -
O futuro objectivo da fábrica é dar cada vez mais e melhor serviço aos nossos clientes. Tudo isto passa por tentar incrementar o crescimento das exportações e, mais importante ainda, a expansão a nível das lojas próprias, porque sentimos que estas têm um potencial de crescimento. Actualmente, temos já seis lojas, brevemente iremos passar para as oito, no mercado nacional. Está quase fechado o ciclo do nosso primeiro objectivo, que era atingir as primeiras oito lojas em Portugal. As lojas Dielmar pertencem à fábrica Dielmar e têm uma estrutura assente em estratégias que pertencem à política oficial da firma. Hoje em dia começamos a pensar se eventualmente valerá a pena avançarmos para outros mercados, uma vez que esta filosofia de lojas próprias de uma forma geral é sempre assente nos centros comerciais. Podemos tirar alguma experiência e preparamo-nos possivelmente para, no futuro, podermos avançar ou não para as lojas de rua. Mas em todo o caso, esse é o nosso grande objectivo e, se formos convenientemente apoiados, talvez haja internacionalização da marca a nível da distribuição, em Espanha.

U@O - Existe uma interacção com outras entidades, por exemplo universidades, no sentido de recrutar pessoal mais especializado e aproveitar os estudos feitos pelas universidades?
A. R. -
A Dielmar tem um protocolo com a Escola Superior de Tecnologia de Castelo Branco (EST), nomeadamente ao nível dos sistemas de informação, em que os alunos fazem bastantes trabalhos, que servem posteriormente para o seu projecto final. Damos também alguns estágios aqui na Dielmar, e alguns desses alunos estagiários acabam por cá ficar. Exemplo disso são os dois engenheiros informáticos que temos aqui na empresa. Por isso, penso que a ligação que a Dielmar tem com a EST se tem revelado um verdadeiro sucesso, porque a EST, ao nível dos sistemas informáticos, permitiu dar algum avanço tecnológico e uma preparação mais científica à empresa. Nos outros ramos infelizmente isso não tem acontecido, embora sempre que a Dielmar seja solicitada para dar estágios, a empresa se encontre sempre aberta nesse sentido. Há quase permanentemente pessoas que vêm fazer estágios nos mais diversos domínios, quer seja a nível de design, de produção ou de contabilidade. Mas não como nós gostaríamos. Gostávamos de ser mais consultados pelas universidades ou mesmo pelos próprios alunos. Eu penso que este é um dos grandes problemas que o nosso país enfrenta: não há uma cadeia, uma ligação natural entre as universidades e as empresas. Seria bom que essa relação se intensificasse, porque na realidade as empresas só poderão crescer dentro de alguns sectores se tiverem pessoas formadas. Queríamos ter mais contacto com outras escolas superiores e universidades, principalmente da zona interior. Isto, porque, sobretudo aqui nesta região, é muito difícil encontrarmos pessoas qualificadas que queiram trabalhar numa fábrica da Beira Baixa.





Perfil



Com 48 anos, Alcino José Baptista Rafael nasceu e sempre viveu em Alcains. Terminado o 12º ano em 1977, ainda pensou em ingressar num curso superior. Todavia, as constantes greves e a instabilidade política e académica da época fizeram-no desistir do sonho de frequentar a universidade. Filho de um dos donos da fábrica Dielmar, Alcino Rafael colocou posteriormente a hipótese de ir para o estrangeiro, nomeadamente para Itália, para fazer um curso de formação a nível da confecção. Acabou por ficar em Alcains e entrar na empresa do pai, que atravessava uma fase de grande crescimento. Na Dielmar, teve um percurso ascendente. Começou por ser um técnico com formação nos ramos da produção e da modelagem, ocupando mais tarde o lugar de chefe de produção. Posteriormente, o cargo de responsável pela elaboração das criações seria seu, até preencher hoje o lugar cimeiro de presidente do Conselho de Administração da empresa.
Alcino Rafael pretende continuar futuramente na fábrica, caso seja essa a vontade dos seis accionistas actuais da Dielmar, no sentido de assegurar o habitual sucesso da fábrica a nível nacional e internacional.