Luís Nogueira*

A Covilhã e o Cinema


A relação da Covilhã com o cinema ficará para sempre marcada pelo surgimento, há dois anos, da respectiva licenciatura na Universidade da Beira Interior. As consequências dessa aposta ao nível da academia e ao nível da região só a prazo, obviamente, poderão ser avaliadas. Mas as estratégias e as expectativas podem ser desde já definidas: o que se pretende que o curso seja e como consegui-lo.
Se de globalização se fala a toda a hora, e se nada nem ninguém desse fenómeno se pode alhear, premente se torna que o curso de Cinema tenha no cosmopolitismo um dos seus propósitos. Com cosmopolitismo quer significar-se uma abertura ao mundo, uma plena assunção do carácter universal das ideias e das práticas cinematográficas. Ainda assim – e de outro modo não poderia ser –, que de forma alguma se ignore a especificidade e o contexto em que o curso existe: numa instituição sedeada na Covilhã, num país chamado Portugal. Assim sendo, deve pensar-se na licenciatura em Cinema como uma janela de oportunidades para a cidade e para o País.
Para a cidade, na medida em que seja possível recolher e estimular dos alunos as suas ideias e sensibilidades e com eles enriquecer as práticas culturais da mesma – saiba a cidade responder com estruturas e iniciativas em que aqueles se revejam e se empenhem. Para o país, na medida em que seja possível assegurar um contributo decisivo para a renovação de uma cinematografia que, há demasiadas décadas, reconhece um preocupante divórcio entre as suas obras e o público.
Do ponto de vista do ensino, conseguir cumprir tais expectativas implica dotar a academia de indispensáveis recursos técnicos e humanos que assegure aos alunos, quer a consolidação de uma cultura cinematográfica quer a experimentação criativa quer o aprofundamento das faculdades críticas e teóricas – investimento que, para a comunidade, deve ter o devido retorno e repercussão através da prestação de serviços diversos à comunidade.
Mas, sabemo-lo bem e cada vez mais, o ensino formal é apenas uma das partes da formação pessoal dos alunos. Paralelamente à formação académica convencional, importa incrementar a exibição cinematográfica. Por estes dias, realiza-se o 2º Festival de Cinema da Covilhã, iniciativa meritória, indubitavelmente, à qual se pode apenas desejar a consolidação do evento e do conceito. A juntar a esta iniciativa há que referir o Imago e o Novidad, acontecimentos de modelo, envergadura e ambição diferentes, mas inegavelmente necessárias. Desnecessário se torna sublinhar a importância destas iniciativas. Mas, como tem sido fácil notar, torna-se indispensável o reavivar de uma exibição regular de qualidade que permita o contacto com as mais diversas cinematografias e, de algum modo, faça justiça à notável tradição cineclubística da cidade. Neste aspecto, uma palavra importante cabe às diversas instituições locais e ao apoio e investimento – consciencioso, mas imprescindível – que inevitavelmente devem assumir. Todos sabemos que uma oferta cultural estimulante é fulcral para exponenciar sensibilidades e ideias, no fundo para assegurar inventividade e inovação. É pela relevância e adesão às práticas culturais que melhor se pode avaliar o capital de conhecimento existente numa comunidade. Estrategicamente, nunca é demais reforçar a necessidade de políticas culturais devidamente reflectidas, planeadas e abrangentes – e nesse aspecto não é abusivo afirmar que a Covilhã se apresenta nitidamente deficitária.
Estimular a crítica e a inovação é a única estratégia conducente à formação de pessoas capazes de pensar e produzir obras de relevo e oferecer o contributo decisivo atrás enunciado para a renovação do cinema português. Se pensarmos especificamente na Universidade da Beira Interior, não é necessária uma perspicácia desmedida para identificarmos uma situação de privilégio. A saber: a existência de um conjunto de licenciaturas com forte propensão artística, das áreas do design e do audiovisual, atentos àquilo que são as mais relevantes e pertinentes tendências da comunicação artística e mediática contemporâneas, capazes de mutuamente se influenciar e enriquecer. Quer isto dizer que estão reunidas as condições para a existência de uma verdadeira cultura da inovação e da criatividade num sector – o de conteúdos – que cada vez mais tende a fundir dois conceitos nem sempre facilmente conciliáveis: o mercado e a cultura. E é essa atenção ao mercado que – ainda que resistindo cuidadosamente ao exagerado e pernicioso mercantilismo – deve ser também repensada. No fundo, trata-se de reconhecer que o saber deve estar consciente do seu território e das suas incumbências, mas também das suas consequências e implicações na sociedade que o promove e o reivindica.
Em jeito de conclusão importa então enlaçar as linhas sobre as quais eventualmente se deve pautar a relação futura entre o cinema e a Covilhã: consolidar as estruturas e os recursos indispensáveis a uma formação académica adequada e diversamente orientada; incrementar a exibição cinematográfica de modo a assegurar a densidade histórica da cultura cinematográfica e estimular a lucidez e profundidade crítica quer dos estudantes quer dos cidadãos em geral; criar condições para a concepção, planificação e produção de obras que projectem a nível regional, nacional e internacional competências reconhecidas.

* Docente no Departamento de Comunicação e Artes