António Fidalgo

Decisão e impostos


Tem tudo a ver, decisão e impostos. Grita a oposição que José Sócrates ganhou as eleições com a promessa de não aumentar os impostos. E é verdade que prometeu, mas também não foi por essa promessa que ele ganhou, mas sim pelo desnorte do PSD de Santana Lopes. Ora a quebra, aliás assumida, da promessa revela várias coisas: lucidez e capacidade de decisão do primeiro-ministro, e sobretudo que a realidade comanda a vida, ou dito de forma expedita, que o que tem de ser tem muita força.

Todos estão de acordo que o Estado está gordo e que dar-lhe mais dinheiro não é propriamente a medida mais saudável para a economia nacional. Melhor seria cortar nas despesas. Mas o problema é o défice actual de 6,8% cuja acuidade não se coaduna com a demora das medidas destinadas a limitar as despesas. Não se despedem pessoas de um momento para o outro, e mesmo que se despedissem, os custos com os subsídios de desemprego manteriam as despesas do Estado. Quer que se queira quer não, perante o défice orçamental, não restavam outras alternativas se não aumentar os impostos de efeito imediato. Foi por compreender esta inevitabilidade que temos de falar da lucidez de José Sócrates.

Mas ao mexer nas regalias sociais dos funcionários de Estado, e logo nas dos políticos, mostra que tem capacidade de decisão. Porque é que funcionários públicos hão-de reformar-se mais cedo que os outros trabalhadores portugueses ou beneficiar de regalias que os outros não têm? Há muito que se sabia que era preciso actuar neste campo, e cabe a este Governo o mérito de ter actuado. Os muitos protestos que vêm daqui e dali provam a eficácia das medidas e mostram que de facto bolem com interesses instalados.

Realidade, realidade, é que as pessoas vivem mais tempo, que a taxa de natalidade desceu, que há cada vez mais reformados para um número menor de trabalhadores no activo, que se vive num mundo globalizado, com a concorrência de países populosos e jovens, como a Índia e a China, e que os produtos deles chegam aqui muito mais baratos. É óbvio que não se pode agir como se nada se passasse. Faz pois todo o sentido subir a idade de reforma.

A racionalização do Estado tem de continuar. É preciso acabar com os horários zero de professores no ensino secundário, fechar mesmo as escolas primárias com dois, três ou quatro alunos, e no ensino superior pôr freio â proliferação de cursos e fechar cursos com poucos alunos. Na saúde não se pode abrir um hospital em cada cidade ou um centro de saúde em cada aldeia. E sobretudo há que acabar com Direcções Gerais e Serviços supérfluos que alimentam o peso e a burocracia do Estado.

A subida do IVA para 21% é uma medida bem mais questionável. E isto porque sobrecarrega a economia real, as empresas, e fundamentalmente porque em Espanha, espaço onde já nos situamos economicamente, a taxa de IVA é apenas de 16%. As nossas empresas têm face às espanholas uma desvantagem à partida de 5%. Pode na Dinamarca, país muito rico, cobrar-se 25% de IVA, mas quem são os nossos vizinhos são os espanhóis e não os dinamarqueses. É a realidade mais uma vez, desta vez a proximidade geográfica, a ditar as suas regras.

Quanto à subida dos combustíveis dir-se-á que é a maneira habitual e a mais fácil de arranjar dinheiro para os cofres do Estado. Mas é mais racional aumentar os combustíveis que introduzir portagens nas SCUTS. Para introduzir portagens nas SCUTS é necessário gastar muito em praças de portagens em auto-estradas que não foram concebidas para tal. O aumento dos combustíveis não acarreta mais custos na colecta. Por outro lado, as auto-estradas são muito mais seguras que as estradas normais e convém que o tráfego se faça nas vias mais seguras. Cada acidente viário não é apenas um drama pessoal, mas é também um factor tremendo de custos para o país, para o sistema de saúde que tem de tratar dos feridos, para a segurança social que perde contribuintes por morte ou por acidente.

Repetindo, o que tem de ser tem muita força, e há a consciência no país de que era preciso fazer reformas, de que as coisas não podiam continuar assim. É difícil imaginar que haja uma grande contestação social a estas medidas. A não ser que se comece também a contestar o tempo. Pode haver descontentamento, mas não haverá certamente violentas contestações de rua.

Estas medidas de racionalização do Estado levarão inevitavelmente a uma subida significativa do desemprego. É o mal necessário, que oxalá sirva para uma alteração de mentalidade quanto à necessidade de formação profissional e sobretudo de mais educação superior. Os portugueses têm de se convencer que só mais formação científica e tecnológica, mais espírito de iniciativa e de empreendorismo, os pode ajudar a médio e longo prazo. O tempo de um empregozinho no Estado, como seguro de vida, tinha de chegar ao fim e felizmente que está a chegar.