José Geraldes

Cidade de Deus, cidade dos homens


O Congresso Internacional da Nova Evangelização que termina este fim-de-semana em Lisboa, vai muito além do seu objectivo meramente religioso. Os vários aspectos da vida citadina receberão a sua influência que dará certamente novo rumo não só na dinamização das comunidades cristãs mas também no diálogo com os não crentes, a nível da cultura e de realizações sociais.
O Congresso nasceu da iniciativa dos Cardeais de Viena, Paris, Lisboa e Bruxelas em ordem a encontrar novas formas pastorais nas grandes cidades.
A primeira cidade a receber o Congresso foi Viena, seguindo-se Paris. Depois de Lisboa, é a vez de Bruxelas. O programa estabelecido localmente tem sempre o mesmo objectivo ou seja ir de encontro às novas formas da vida moderna.
Hoje a mobilidade faz parte da realidade social. Para usar uma expressão dos sociólogos, "as populações estão em trânsito". Daí o estarem sujeitas às transformações dos locais por onde passam.
A vida religiosa é também afectada por este facto. E as referências de origem acabam por ser apenas uma memória e não já o padrão - norma dos comportamentos.
O anonimato torna-se uma componente da vida. Mas as pessoas desejam estabelecer laços de amizade e obter um reconhecimento pessoal.
A Igreja com as suas organizações pode desempenhar um papel importante na identidade da pertença, já que as pessoas ficam a pertencer a um conjunto de lugares diversos, "lugar de residência, lugar de trabalho, lugar de lazer, lugar de consumo".
As urbanizações modernas na ânsia de lucros fáceis esqueceram a "visão humanista" dos lugares de habitação sem o enquadramento que se impunha para o convívio e relacionamento das pessoas. Esta denúncia feita para Lisboa por D. José Policarpo pode aplicar-se a tantas cidades do País e, claro, da Beira Interior.
No documento A Igreja na Cidade preparatório do Congresso, o Patriarca de Lisboa escreve que "as cidades deveriam ser espaços de encontro e de convergência, de solidariedade e de partilha de vida, numa palavra, espaços abertos à construção de comunidades". E acrescenta que "como os próprios cientistas reconhecem, a visão humanista da cidade está por desenvolver e tem sido esquecida no traçar das políticas e no gizar de soluções para a cidade".
Basta verificar as aberrações urbanísticas que por aí pululam, para se concluir que servem para fazer negócios chorudos mas não "espaços de comunidade".
As mudanças sociais levantam problemas à pastoral da Igreja. Mas a situação de muitos cristãos coloca igualmente novos desafios. Hoje uma grande maioria diz-se "católica não praticante". Quer dizer, mantêm o vínculo à Igreja pelo baptismo mas, na prática, não frequentam os sacramentos e só recorrem à Igreja por uma fé de tradição.
Preocupado com este facto, o Papa João Paulo II, de saudosa memória, criou a expressão "nova evangelização". Foi em 1983, num discurso à XIX Assembleia do GELAM (Conferências Episcopais dos países da América Latina) no Haiti em referência às questões prementes que se colocavam. Mais tarde, João Paulo II explica o conceito: "É necessária uma nova evangelização nos países da antiga cristandade, onde grupos inteiros de baptizados perderam o sentido vivo da fá ou inclusivamente não se reconhecem já como membros da Igreja, levando uma existência afastada de Cristo e do Evangelho".
E uma série de desafios surge identificada na Europa: as mudanças do modelo familiar, a baixa natalidade, a secularização, desigualdades entre o Norte e o Sul, a perda de vista da cidade de Deus.
O Congresso Internacional da Nova Evangelização procura responder a estes desafios no concreto das quatro capitais europeias.
O que está em jogo é a construção da cidade de Deus para que a cidade dos homens sejam mais justa e fraterna.