José Geraldes

Peregrinação Interior


“Peregrinação Interior” é o título de um livro do escritor covilhanense António Alçada Baptista onde se descreve, de forma muito concreta e crítica, uma certa forma de cristianismo praticado nos meados do século XX na Covilhã.
Hoje esses tempos já passaram. O Concílio Vaticano II procedeu a uma purificação necessária e apontou caminhos de renovação e de regresso às origens que estão a ser percorridos com empenho e determinação. O Papa Bento XVI tem acentuado o valor e a actualidade dos documentos conciliares que importa aprofundar cada vez mais.
Na mensagem para a Quaresma 2006, o Papa fala da “peregrinação interior” que, nesta quadra, os cristãos devem fazer para darem todo o sentido a este tempo de preparação para a Páscoa.
Esta “peregrinação interior” leva a uma reflexão onde não falta o olhar para dentro de nós próprios para ver como estamos e igualmente outro olhar para o mundo contemporâneo em que “as trevas do horror não prevaleçam”, apesar da “desolação da miséria, da solidão, da violência e da fome que atinge indistintamente idosos, adultos e crianças”.
Bento XVI fixa a nossa atenção na problemática do desenvolvimento. E o ponto de partida não deixa margens para dúvidas: “Não é possível de modo algum separar a resposta às necessidades materiais e sociais dos homens da satisfação das necessidades profundas do seu coração”. E a primeira condição passa pela consideração da dignidade da pessoa. E na promoção da “formação de uma cultura que corresponda verdadeiramente a todas as exigências do homem”.
Vem a seguir a referência à encíclica de Paulo VI “Progresso dos Povos” e ao “humanismo total” que é “o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens”.
A globalização não podia faltar mas a caridade no seu sentido pleno está muito para além de qualquer projecto económico, social ou político. A prová-lo aí temos hospitais, universidades, escolas de formação profissional, pequenas e médias empresas. Iniciativas que, na expressão de Bento XVI, apareceram muito antes “de outras fórmulas da sociedade civil”.
O reconhecimento dos valores religiosos como resposta às questões mais profundas do ser humano e o papel central que desempenham na vida do homem, tem uma ligação fundamental ao desenvolvimento integral de que toda a sociedade precisa.
Mas não se pode reduzir, como se poderia pensar, o cristianismo a um moralismo ou seja substituir o crer pelo fazer nem a um simples humanismo, ou seja, a uma ciência do bom viver com princípios de sabedoria no quotidiano da vida.
O Evangelho propõe sempre o amor mesmo que o ódio tente prevalecer. E é este amor por quem se apaixonou Agostinho de Hipona, Edith Stein, Teresa de Calcutá.
O peregrino tem objectivos na sua caminhada. A purificação faz parte desses objectivos. Ser peregrino não significa uma fuga às realidades da vida. A peregrinação interior conduz-nos ao encontro de nós próprios. De quem somos. Donde vimos e para onde vamos.