António Fidalgo

Miopias e distorções no ensino


Está na moda ver tudo sob o prisma comercial e económico e aplicar a mesma meia dúzia de conceitos (produto, clientes, oferta, procura, adequação ao mercado, input, output) aos mais diversos e diferentes campos da vida humana. É uma visão redutora e míope da realidade que induz a distorções graves de compreensão e de actuação. Chamar aos alunos “clientes” das escolas ou designar por “produto” de uma escola os alunos nela formados é abstruso, revelador de uma erradíssima concepção do que é a educação e o ensino escolares. As escolas não vendem saber, ou competências, como agora se diz, tal como os tribunais não vendem justiça a quem os procura, nem as igrejas vendem santidade ou felicidade aos seus fiéis. Entender todas as relações humanas sob o signo do mercado não é apenas misturar alhos com bugalhos, mas uma confusão extremamente perniciosa.

Julgar que um aluno é cliente de uma escola é entender que a sua relação com escola é de natureza comercial, que esta escola lhe presta um melhor ou pior serviço que aquela, serviço que ele aluno paga, ou se não paga ele paga o Estado. Pode esta comparação ser sedutora porque traduzida em termos mercantis, tão ao gosto da mentalidade do nosso tempo, mas a verdade é que é totalmente coxa. A relação de um cliente com quem lhe vende um produto ou presta um serviço é impessoal, esgota-se na mercadoria, seja esta um bem tangível ou um serviço. Ora a relação de um professor – a não ser que este seja um mercenário! – e de um aluno não é a venda de saber, nem da prestação de um serviço, mas uma relação pessoal, amorosa mesmo, em que ambas as partes se envolvem e se desenvolvem.

É esta visão mercantil de escola que leva a afirmações tão espantosas como a de que não há maus alunos, mas apenas deficientes enquadramentos de formação do aluno. Com efeito, se o aluno é cliente e o cliente tem sempre razão, então o insucesso escolar nunca será da culpa do aluno, mas sempre da escola que não lhe fornece o produto indicado às suas pretensões ou necessidades. O aluno é desresponsabilizado de qualquer fracasso. O que importa são os interesses, as inclinações, os desejos dos alunos, à semelhança de qualquer cliente de um supermercado ou de uma barbearia. Esta visão mercantil ignora que a relação de formação escolar é muito mais de natureza familiar, porque intensamente pessoal, do que comercial. Parte-se aqui do princípio de que não se aplica a relação de clientes aos diferentes membros de uma família, o homem como cliente da mulher ou os filhos como clientes dos pais!

A escola é uma comunidade de formação, de ensino e de aprendizagem, e, como comunidade não admite a noção de cliente, mas de membro. O professor não é um vendedor, é sim um professor, e um aluno não é um cliente, mas sim um aluno. Para quê reduzir a realidade diversa e plural da vida humana à dimensão estreita do mercado? Simplificar demasiado é idiotia.