Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves



"Somos dos países da Europa e do mundo onde há mais liberdade"

Urbi@Orbi – Como surgiu a oportunidade de dar esta formação na UBI?
Acácio de Almeida –
Começou já o ano passado com o professor Cardoso Marques que me tinha convidado para dar uma aula teórica. Ao mesmo tempo foi-me pedida ajuda para se criar um espaço maior para que o cinema pudesse ter a capacidade de desenvolver trabalhos práticos. Esse projecto ainda está em desenvolvimento e esperamos que durante o próximo ano lectivo possa entrar em funcionamento. Trata-se de um espaço grande que precisa de ser ainda registado e equipado para fazer face às necessidades que o curso de Cinema ainda tem. Esta nova estrutura vai surgir junto ao Cybercentro da Covilhã.

U@O – Em que consiste o curso?
A. A. –
Foi dada uma formação teórica durante um ou dois anos a estes alunos. Formação que eu não acompanhei e daí não estar bem ciente das necessidades que estes tinham no âmbito do trabalho prático. Daí que julguei ser mais sensato não implementar um sistema rígido de ensino, mas tentar escutar quais eram as grandes necessidades dos alunos e tentar dar-lhes resposta. Não foi um processo predeterminado, mas foi uma necessidade sentida junto dos alunos.

U@O – O que faz concretamente um director de fotografia?
A. A. -
É o braço direito do realizador e o responsável pela qualidade visual de um projecto que está no guião e que dará origem a um filme. No guião temos umas centenas de páginas com situações escritas e que assumem um aspecto visual quando passam para imagens através de uma câmara. Uma câmara olha esse guião e capta imagens sob a orientação do director de fotografia, é esse o seu papel.
As imagens não comportam só o trabalho do director de fotografia, mas o de toda uma equipa, sobretudo do realizador que assume o papel de condutor do projecto. Com as informações deste, de como vai ser filmada a cena e do comportamento das personagens, o director de fotografia monta a cena. Outras colaborações prendem-se com a decoração, a maquilhagem, o guarda-roupa e como é evidente, os actores, que são a peça mais importante e quem dá corpo ao filme.

U@O – Quando descobriu o gosto pela fotografia e pelo cinema?
A. A. –
Aconteceu, sem nenhum esforço colocado na procura. Aconteceu também porque eu gostava do desenho e da pintura, gostava sobretudo de imaginar as situações, são tudo formas ligadas à fotografia. Depois fui chamado para trabalhar em cinema e a minha escolha foi mesmo para aí.



"Temos um cinema de autor, muito próprio, muito particular"

U@O – Qual foi o seu primeiro trabalho?
A. A. –
O primeiro trabalho que fiz como director de fotografia chama-se “O Cerco” e foi realizado por António da Cunha Teles, no ano de 1970. E a partir daí as coisas sucederam-se de uma forma quase vertiginosa e isso deu-me a sensação que todo este processo no cinema foi um lapso de tempo, foram 40 anos que passaram num instante.

U@O – Conta no seu currículo com quase uma centena de filmes e trabalhou com vários realizadores, como vê a evolução do cinema português?
A. A. –
Pausadamente, marcada por ímpetos, por entusiasmos. A evolução desde os tempos em que comecei, até agora, é enorme. Nós éramos aprendizes de tudo, sonhadores e queríamos tudo quando não havia nada para querer. Calhei a trabalhar em cinema e a estar nos filmes. Anos mais tarde, depois de dar os primeiros passos com a criação do Centro Português de Cinema (CPC), do qual fui co-fundador, trabalhei com um grupo de gente fascinada por cinema sem que soubesse, efectivamente, como podia alterar algumas coisas. Essa mudança foi surgindo a pouco e pouco com o aparecimento do CPC, com a criação do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimedia (ICAM), que começou a subsidiar a realização de filmes e o surgimento da Escola de Cinema, que influenciou de uma forma muito positiva toda esta área. Hoje temos já técnicos mais qualificados, bons realizadores e o aparecimento da televisão, que também veio requerer alguns quadros técnicos e artísticos, que estavam no cinema. Depois de toda esta euforia inicial e da primeira escola de cinema apareceram outras. Hoje temos milhentas escolas de cinema, que não são bem isso, são mais escolas de audiovisual e multimédia. A sua vertente não é uma vertente do cinema enquanto expressão artística. De qualquer maneira são actividades que ajudam a reforçar e manter toda esta situação que é o cinema.

U@O – Mas o cinema português continua muito dependente dos subsídios?
A. A. –
Sim, o cinema português continua ainda fortemente dependente dos subsídios. Sem estes não há cinema. Por um lado isto tem algumas virtudes, uma vez que o realizador não tem pressões na construção do conteúdo da sua história. Não há imposições de produção que determinem uma linha diferente daquela que o realizador tinha. De facto, nesse aspecto, somos dos países da Europa e do mundo onde há mais liberdade.
Por outro lado, esta situação não nos torna competitivos a outros níveis. Temos um cinema de autor, muito próprio, muito particular, que tem a sua presença em quase todos os festivais, e que ganha prémios, mas que está arredado do grande público. O grande público deve ser confrontado com este tipo de cinema, que veja os filmes portugueses. Mas estar a fazer filmes só para o grande público também não será uma boa solução. O melhor será fazer filmes que possam interessar a um público. Defendo isto porque uma obra que é pouco vista esgota logo algumas das suas potencialidades.

U@O – Já ganhou vários prémios. Qual o significado que essas distinções têm para si?
A. A. –
É sempre bom sermos reconhecidos ou sentir que um trabalho nosso mereceu uma atenção especial dos críticos. Mas não é esse o nosso objectivo inicial. Quando fazemos um filme, não pensamos em nada. Pensa-se sim em como será possível sair deste trabalho dando o melhor de nós mesmos e a preocupação é tão grande que não pensamos em mais nada. A ideia dos prémios nunca está presente em nós, nem é uma obsessão.
Se no final do trabalho feito alguém olhar para ele e disser que me vai dar um prémio só tenho de agradecer e ficar feliz por isso. O ego fica mais sorridente e vejo que vale a pena continuar até porque as pessoas gostam e é sinal que alguém reconhece no nosso mérito.


"A fotografia não está isolada, é um elemento da narrativa"

"A ideia dos prémios nunca está presente em nós, nem é uma obsessão"

U@O – Há algum trabalho que o tenha marcado de forma especial?
A. A. –
Quem trabalha no cinema passa por um processo evolutivo. Aquilo que fazemos hoje não voltamos a fazer amanhã, porque evoluímos com os conhecimentos que vamos adquirindo no relacionamento com realizadores de diferentes áreas e países e evoluímos também com a própria maturidade. Todos os filmes me marcaram de uma forma ou de outra, posso dizer que positivamente, uma vez que não tenho presente nenhum trabalho que tenha sido negativo. Nunca me desiludi, apenas senti alguma insatisfação que é normal assim que se termina algo. O espaço de tempo que temos para digerir um filme é tão curto que por vezes não temos noção do que é que nos aconteceu. Só com algum distanciamento é que depois podemos voltar à análise do nosso trabalho.

U@O – Há quem diga que faz da prática fotográfica um exercício meticuloso com intenção de atingir a perfeição na imagem e na criação do ambiente que pretende. Concorda?
A. A. –
Eu não sou nenhum perfeccionista, mesmo assim caio em algum rigor. E o rigor é para cada filme e diz respeito aos objectivos a atingir em cada filme. Mas em cada realização não tenho um comportamento igual. Cada filme é uma aventura e esse é o lado aliciante do cinema. Sem rigor, por muito bem preparado que esteja um trabalho, as contingências e aquilo que pode aparecer de surpresa são muito grandes e se não estivermos preparados para passar essa situação, torna-se complicado.
Com os alunos, neste trabalho, começamos por um processo completamente diferente. Não que a improvisação seja o melhor método, mas na ausência de um trabalho estruturado, e como a ideia é fazer exercícios práticos, nós começamos a fazer estes exercícios e a tentar dar-lhes um significado. Com isso começamos a construir uma pequena história circunscrita a um momento, a um tempo, a um espaço, a uma situação. À medida que os trabalhos foram evoluindo pegámos nessa mesma referência e tentámos dar-lhe ligação com o que estávamos a fazer e assim sucessivamente. Partimos de um ponto para um todo. Este trabalho não foi inicialmente conseguido, mas mesmo assim tem valor, porque registámos aquilo que funcionou e não funcionou.
Mas ao ter esta prática de improvisação, não quer dizer que eu a defenda para os outros, mesmo sabendo que eu me dou bem com a improvisação, mercê da prática que tenho e dos muitos filmes que fiz, das múltiplas situações que enfrentei. Este método não é para quem começa. Esses devem ter um trabalho de reflexão muito grande, marcação constante. Escrever o guião, reflectir sobre ele, deixá-lo em repouso e pensar em todas as implicações que o filme tem. Isto para que quando chegado o momento de realizar o seu filme o consiga fazer da melhor forma, estando mais habilitado para resolver as dificuldades que possam aparecer.

U@O – Até onde pensa que vai o poder da fotografia?
A. A. –
A fotografia não está isolada, é um elemento de narrativa cuja função será sublinhar a acção dramática da história. Pode ser melhor ou pior, mais ou menos bem conseguida, mas é ao serviço dessa história que ela se deve situar. Quando ela ultrapassa essa história incumpriu essa função, tornou-se autónoma, divergiu da história.
Uma boa fotografia é aquela que se debruça na história e a evolução de uma fotografia depende muito da evolução das próprias histórias. Ela só, enquanto fotografia não terá muito significado, tem quando está integrada no cinema.


"Uma boa fotografia é aquela que se debruça na história"

U@O – Como tem visto o aparecimento de cursos superiores na área do cinema, nomeadamente este curso no Interior do País?
A. A. –
É saudável, bom para que o cinema se descentralize dos grandes centros. Que os grandes centros de cultura não sejam só Lisboa e Porto, mas que possam deslocar-se para outras cidades como é o caso da Covilhã. É com simpatia que vejo a existência de um curso superior de cinema aqui e que este possa gerar uma cadeia de pessoas que possam vir a renovar esta arte.
Julgo que o simples facto desta universidade estar integrada numa paisagem de montanha, com toda esta riqueza de elementos, nos pode motivar a ver coisas novas. O cinema não trata só disso, mas pode ser um factor imaginário para novas histórias.

U@O – O que espera dos jovens cineastas que saem das universidades?
A. A. –
Que façam cinema, que se sintam realizados e felizes naquilo que fazem.

U@O – E como vê o cinema português em relação às produções de Hollywood?
A. A. –
O cinema português nunca poderá ser “hollywoodesco”. É um País pequeno, com cerca de 10 milhões de habitantes e para esse número de população faz-se um produto de menor qualidade, no que respeita aos montantes investidos. Quando falamos nas produções americanas, pensadas para 300 milhões de habitantes ou mais, há que levar em conta que as bases de produção, de divulgação, e outras, são completamente diferentes. Mas o cinema português pode ser mais aberto, uma vez que temos o espaço da Comunidade Europeia. Há que pensar nisso, em todo um potencial mercado que está à nossa frente e a nova geração de cineastas deve ver um pouco mais longe.





Perfil



A 26 de Junho de 1938, São João da Pesqueira, uma localidade “que fica entre a região do Rio Douro e a Beira Interior”, via nascer Acácio de Almeida. Desde pequeno que gostava “da pintura, das paisagens, dos desenhos”. Uma paixão que o levou a interessar-se pela fotografia, a qual julgou mais fácil, “mas não é”.
Ainda jovem passa a estudar em Viseu e depois acaba por ir para a capital. É já em Lisboa que decide dedicar toda a sua vida ao cinema. “Abandonei tudo pelo cinema e hoje vejo que o tempo foi muito curto”, confessa este director de fotografia. Com mais de cem trabalhos na sétima arte, já foi “o braço direito” de diversos realizadores portugueses e estrangeiros. Co-fundador do Centro Português de Cinema, foi distinguido com o Prémio da Casa da Imprensa em 1971, prémio a que se juntaram muitos outros. “O Cerco” marca o arranque da sua carreira como director de fotografia, e passados 40 anos de cinema, Acácio de Almeida ainda encara cada filme “como um desafio singular”. Da sua passagem pela sétima arte, da sua paixão pela fotografia e pela imagem que considera como “tempos de brincadeira”, sublinha “o lapso de tempo carregado de muitas recordações”
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