Maria Belo vai acompanhando, através dos jornais on-line, os acontecimentos em Timor
O que pensam da actual crise timorense
Os filhos de Loro Sae

A independência de Timor-leste e o nascimento da jovem democracia trouxe-os para Portugal. Há seis anos que trocaram Díli pela Covilhã com o objectivo de conseguirem uma licenciatura e voltar à sua terra de origem. Mas os episódios de crise que decorrem em terras timorenses estão a tornar tudo mais difícil.


Por Eduardo Alves


O sorriso discreto e a simpatia do momento servem para disfarçar o estado de espírito de Maria de Carvalho Belo. Esta timorense de 44 anos sentiu na pele os vários anos de ditadura a que Timor-Leste esteve subjugado. Durante o regime indonésio, Maria Belo manteve-se sempre com a sua família, “em condições muito más, como todos os timorenses”. A mais velha de 13 irmãos sempre foi chegada à sua família. Desde cedo começou por ajudar os seus pais na educação dos irmãos e talvez tenha sido aí que nasceu o gosto pela escola e pelo voluntariado. Em Baucau, consegue fazer “a antiga 4ª classe” e também aprender a falar português. A escrita “sempre foi um pouco mais difícil”. Logo após estes estudos, o território é invadido pela Indonésia e a língua de Camões passa a constituir uma bilhete de ingresso nas muitas prisões do regime. Para além das vontades próprias, da democracia, “os invasores também calaram a nossa voz”.
Maria Belo, parente do Bispo de Díli, D. Ximenes Belo, trabalha durante vários anos como professora de História, de Língua Indonésia, de Trabalhos Manuais e por mais paradoxal que pareça “também leccionava uma disciplina relacionada com Direitos Humanos, num pais conduzido por uma ditadura”, graceja esta timorense de cabelos escuros. Perante a atrocidade sofrida, pelas muitas reviravoltas da vida, foi uma das primeiras a responder ao desafio de ajudar a construir uma nova nação. Logo após a independência e com a possibilidade de vir para Portugal, Maria Belo veio para a Covilhã. Está na cidade dos têxteis “vai para seis anos”. O regresso à “terra do sol nascente” nunca foi tão aguardado e com a licenciatura em Língua e Cultura Portuguesas, via científica, a terminar, esse desejo vai estando cada vez mais perto. No ano passado, Maria quase esteve para embarcar num avião e voar até ao outro lado do mundo. Lá estão “todos aqueles que me fazem viver”, explica através do sorriso que parece ser constante no rosto enegrecido desta mulher de 44 anos. A viagem acabou por não sei feita “por razões económicas”. A bolsa que recebe para estudar na Covilhã tem de servir para pagar o quarto na residência universitária, a comida e a vivência normal. Juntar “perto de dois mil euros” para uma viagem a Timor, “é muito difícil”.
O telefone vai servindo para matar saudades. É com frequência que esta mulher contacta os seus pais e irmãos. Duas as três vezes por semana, a linha telefónica liga a Covilhã a Baucau ou a Díli, cidades onde tem os seus familiares “e vão-se matando saudades”.
Mas o enormes olhos castanhos que já viveram episódios de diferentes naturezas brilham agora mais que nunca. O rosto de Maria Belo fica diferente e o sorriso acaba por se esconder quando esta timorense olha para o monitor do computador. Tem sido nos jornais on-line e na televisão que vai buscar informação sobre a crise política que se vem instalando em Timor. Não é fácil abordar o assunto. A conversa fluente parece terminar e Maria vai comentando os acontecimentos com breves palavras. A primeira preocupação “foi com a família”. Agora os telefonemas são quase diários, especialmente “para os dois irmãos que estão em Díli”. É na capital que, segundo Maria, a situação tem estado mais tensa. O que mais preocupa esta mulher que agora passa as mãos pelos longos cabelos negros “é a fome”. “Ninguém sabe o que é ter medo e ter fome”, confessa, com os olhos pregados no chão. Maria conhece bem o povo e as fugas para as montanhas, em busca de segurança. Mas é também nessas alturas que os fracos recursos das famílias timorenses acabam por escassear e as populações ficam sem nada.
Os dias têm sido passados “com o pensamento bastante confuso e o coração preocupado”. Mas a esperança, essa “é a última a morrer” e Maria continua a acreditar no futuro do seu país. Continua a sonhar com o regresso a Baucau, com a escola de piso térreo que deixou perto de casa dos seus pais. Continua a sonhar com as aulas e com o desejo de retomar a sua profissão. Foi por este sonho que veio para Portugal estudar “e tentar dar o meu contributo para melhorar Timor” e talvez seja por causa deste sonho que agora, mesmo perante todas as adversidades volta a sorrir e acreditar que “tudo se vai resolver e ficar bem”.



Contas de um jovem

Fernando sonha com dias melhores para a sua pátria

Fernando Gama faz parte das contas futuras de Timor. Deixou o território com 21 anos para vir estudar Matemática em Portugal. “Temos de apostar no nosso país, temos de fazer tudo para ajudar aquela jovem nação”, diz Fernando com uma convicção desmesurada.
Com 26 anos de idade e a frequentar o terceiro ano do curso de Matemática Ensino na Universidade da Beira Interior, este jovem assume-se como um potencial “ajudante de Timor”. Não que tenha aspirações políticas, nem que pense fazer da diplomacia o seu futuro. Apenas quer conversar e encontrar as melhores soluções “para um país que precisa de ajuda”. Senhor de um discurso fluente e cheio de convicções, o jovem Fernando vai construindo o melhor logaritmo para a progressão geométrica de Timor Leste. Numa equação com diversas variáveis, “a cultura portuguesa e o exemplo europeu” devem ser constantes para Timor. Isto “se o país quiser mesmo ir em frente”. Fernando Gama está na cidade neve “não só para aprender Matemática”, mas também “a forma como aqui se vive, como aqui se enfrentam os problemas e se encontram soluções”. O resultado de todas estas operações será depois “transmitido aos familiares, aos amigos, ao povo irmão de Timor”. “É como a matemática, uma conta tem de dar o mesmo resultado aqui e em Timor”, vai adiantando este jovem de 26 anos.
O que está a baralhar os cálculos de Fernando é toda a situação política que se vive nos últimos dias no território timorense, “uma vergonha para quem lá está e para quem, como nós, veio para fora”, remata o único filho de um casal de timorenses. Fernando Gama aponta o dedo ao primeiro-ministro timorense Mário Alkatiri. Para o jovem, “Alkatiri é um homem de extrema-esquerda”. Os “ideais comunistas fizeram com que colocasse de lado todos aqueles antigos militares que não estão a favor das suas políticas”. E numa democracia “todos temos de poder expressar a opinião”, sublinha Fernando. As chamadas para sua casa acabaram há pouco “o saldo do telefone está a zero” e agora resta-lhe esperar que os pais entrem em contacto consigo. Algo que tem vindo a acontecer com mais frequência depois de estalarem os conflitos na capital de Timor. Natural de Los Palos, uma cidade próxima de Díli, Fernando vai dizendo que com os seus familiares e amigos “está tudo bem”. Com o seu país “é que não”.
Por estes dias “Timor vive uma situação muito caustica”. E toda esta situação faz despertar um Fernando diferente. Não que o sorriso sempre presente no rosto deste timorense desapareça, nem tão pouco abale a simpatia que o caracteriza, começa sim a ficar mais preocupado e nervoso. A língua, e sempre a língua portuguesa “que é bem difícil de aprender” vai-lhe prendendo o discurso e por vezes bate na cadeira até encontrar a palavra certa para expressar tudo o que lhe vai na alma. “Se fosse tudo como a matemática, era simples”, atira Fernando em jeito de desculpa perante alguns erros. O jovem agora a frequentar o 3º ano da licenciatura diz que “os números conhecem-se em qualquer lado”. E o ataque a Mário Alkatiri continua. Para normalizar as coisas “o presidente tem de sentar à mesma mesa todas as forças envolvidas e fazer ver ao primeiro-ministro que não é só ele a mandar”, remata. Se este passo não for o suficiente para conduzir Timor à normalidade, então a demissão do governo “também tem de ser equacionada”. Uma vez que “Timor é uma democracia, não uma ditadura”. Fernando Gama salienta mesmo a intervenção de Jorge Sampaio quando este era Presidente da República “na demissão do governo de Santana Lopes”. Se os políticos não fazem o seu trabalho e se as coisas correm mal “têm de ser substituídos”.


Confiança no futuro

Há pouco menos de sete anos, toda a transição de Timor-Leste que vivia sob uma ditadura, para um regime democrático criou em território luso uma onda de solidariedade sem precedentes. Os cerca de 13 estudantes que estão na Covilhã vai para seis anos foram dos primeiros a chegar ao nosso Pais. Cientes da importância de aprenderem no Europa e também do regresso ao outro lado do mundo, muitos deles esperam agora terminar as suas licenciaturas e “poder ajudar a reconstruir a nação do Sol Nascente”, confessam.
Por estes dias vivem com “apreensão e alguma mágoa” os episódios de confrontos em território timorense. Ao Urbi confessaram alguma “vergonha perante todos os parceiros que estão a ajudar o país”. Uma vez que “se nós não mostrarmos união vai ser muito difícil”.
Complicado será também resolver a situação que levou já à morte “de pessoas que não têm nada a ver com os confrontos”. A não integração de alguns grupos de antigos militares nas actuais forças armadas foi a gota de água lançada pelo governo num copo já a transbordar de indecisões. Antes desta medida veio já a tentativa de afastamento da disciplina de Religião e Moral dos sistema educativo e também dos padres e bispos na vida activa das regiões. Medidas tomadas “num país que encontra na igreja Católica uma das principais bases”, descreve Maria Belo, uma das estudantes timorenses na Covilhã.
Os próximos dias “vão ser decisivos” para o futuro de Timor e todos os que estão longe da sua terra natal acreditam que a situação se vai resolver. O grupo vê com bons a entrada de forças internacionais para acalmar os ânimos e “dar alguma segurança ao território”. Esperam, dentro em breve, que o sol comece a brilhar de uma forma mais tranquila em Timor.