Urbi@Orbi - Como é trabalhar no Vaticano?
Aura Miguel - Como vaticanista tenho a possibilidade de aceder a um espaço que se chama sala de imprensa do Vaticano, onde se reúnem os meus colegas todos dos vários pontos do mundo, que fazem a mesma coisa que eu faço, que é acompanhar a actividade diária do Papa, quer através dos comunicados, quer através de conferências de imprensa, ou de encontros específicos do porta-voz do Papa connosco.
O interesse quando estou no Vaticano é que nas conferências de imprensa, nós podemos fazer perguntas, podemos ir ter com os cardeais. Posso fazer de certo modo a mesma coisa em Portugal, mas não de maneira interactiva. Os vaticanistas tem uma palavra-chave especial, que por exemplo consigo saber, o que o Papa vai dizer uma hora antes de ele falar. Tenho consciência de que temos a vida facilitada, porque os vaticanistas têm mais facilidade de acesso, dos que os que não são.
Urbi@Orbi -Como é que se sente, em ser a única jornalista portuguesa que acompanha as viagens do Papa?
Aura Miguel - Do ponto de vista profissional é óptimo, não tenho concorrência, (risos) mas, se tivesse outro colega português, se calhar tinha uma vida mais stressante, assim sei que mais ninguém está lá e portanto posso gerir às vezes as informações. Por outro lado é um grande benefício de enriquecimento profissional, porque convivo com mundos profissionais muito interessantes e muito diferentes. E acabo por beneficiar, sendo só uma portuguesa, como não há grupos portugueses, com quem convivo normalmente integro-me em cada um destes grupos, ou italianos, ou espanhóis, ou franceses ou ingleses, o que é giro.
Urbi@Orbi- Qual o objectivo e o que pretende transmitir com a publicação do livro “Os desafios da visita de Bento XVI”?
Aura Miguel- Quer com o livro, quer com o que faço, que é trabalhar para a rádio, o que quero é partilhar com o maior número de pessoas aquilo que me é dado a ver. No livro, apesar de tudo, o meu trabalho está facilitado, pois não tenho 50 segundos, como acontece na rádio, tenho o livro para explicar. O objectivo foi ajudar as pessoas a conhecer este Papa, que visitava Portugal. E portanto escolhi o que eu achei mais importante sobre as preocupações dele para a Europa em relação ao futuro da fé na Europa.
Urbi@Orbi- Na conferência fez referência ao facto de João Paulo II e Bento XVI serem muito diferentes, como os caracteriza?
Aura Miguel - João Paulo II era extrovertido, Bento XVI é tímido, João Paulo II adorava desporto Bento XVI odeia desporto, João Paulo II mandou construir uma piscina, Bento XVI pediu que levassem o piano para casa, porque gosta é de tocar piano. João Paulo II passava as férias na montanha e gostava imenso de fazer esqui, este gosta é de passar as férias a estudar e a escrever. João Paulo II gostava imenso de multidões e Bento XVI ao princípio sentia-se super desajeitado nas multidões, portanto não têm mesmo nada a ver, têm uma coisa que os une, que é o grande amor que têm a Cristo e a inteira disponibilidade para servirem a igreja.
Urbi@Orbi- Da sua experiência em viagens Papais, existe alguma que a tenha marcado mais?
Aura Miguel - (risos) Até agora fiz 69 viagens papais 51 com João Paulo II e todas as de Bento XVI que são 18, toda a gente me pergunta isso mas não sei responder. (risos) Claro há umas que me marcam mais, pelas circunstâncias concretas que me aconteceram, por exemplo uma visita de João Paulo II a Portugal, em 1991, tive a oportunidade de o entrevistar sozinha no avião, fui lá à frente onde ele ia sentado, claro que essa ficou na memória para sempre. Houve outra também com João Paulo II na Venezuela, que tive a sorte de me convidarem para andar sempre ao lado dele. Ele estava a celebrar a missa no altar e eu estava atrás, ia com o staff dele mais próximo ao pé do médico, mesmo ao lado dele, tive um dia todo assim.
Tive a oportunidade de ver como é que era o Papa mesmo lá na linha da frente. Se me perguntar se essa foi a visita mais importante se calhar não foi, a visita a Cuba, com o Fidel Castro, foi outra que me marcou. Mas não sei responder, tenho noção que cada visita do Papa é importante, por isso é que o Papa vai, e quero ir sempre com este estado de espírito, mas, as visitas a Portugal claro que têm sido as que gostei mais.
Urbi@Orbi- Bento XVI, é muitas vezes designado pela imprensa italiana como o “Papa Verde” o que pensa acerca deste assunto?
É muito interessante, porque ele sendo às vezes acusado também por ser tão conservador e tão desactualizado, como é que ele é considerado o Papa verde? Então há alguma coisa paradoxal, e isso tem graça, só mostra que não conhecem bem este Papa, porque de facto, uma das preocupações dele é o egoísmo do homem contemporâneo, que não pensa nas futuras gerações e que não trata com respeito todos os bens da criação, e a insistência deste Papa, que agora acabou por dizer isso em Barcelona a propósito da igreja da Sagrada Família de Gaudi, porque a igreja está cheia de sinais da natureza, frutos, animais e plantas, dentro da igreja e o que o papa dizia era, porque ele teve esta intuição que é certa de que toda a criação é importante para Deus portanto sendo toda a criação importante para Deus, a terra a água, a agricultura os bens, é tudo importante e deviam de merecer respeito porque, isso de certo modo é uma forma de louvar e reconhecer Deus.
Urbi @ Orbi- Há alguma coisa que queira acrescentar sobre o Papa?
Aura Miguel- O que este Papa nos diz é para utilizar a inteligência e a maioria das pessoas não esta habituada a raciocinar desta maneira. Nós estamos habituados a dizerem-nos que a fé é um entrave à inteligência, e aquilo com que este Papa se bate, e tenta demonstrar e consegue-o através das coisas que tem mostrado, é que a fé é mais inteligência, mas, nós não devemos cancelar a inteligência, pelo contrário devemos alargar o uso da razão para assim darmos ainda mais valor à importância da fé na nossa vida.