Voltar à Página da edicao n. 392 de 2007-08-07
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
Director: João Canavilhas Director-adjunto: Anabela Gradim
 

“Esta livraria é muito importante para a universidade”

> Ana Albuquerque

U@O – Como vêem a função que desempenham enquanto distribuidores de cultura numa instituição universitária?
Ó.M. e T.M.:
Muito sinceramente, achamos que a existência desta livraria é qualquer coisa de muito importante para a universidade. Isto é um negócio, foi para isso que o montámos, é nessa perspectiva que ele é encarado, mas é simultaneamente um serviço que achamos bastante válido, que se presta a todo o universo académico. Sentimos que quem recorre a nós, quem nos conhece um pouco mais em pormenor, reconhece que fazemos um trabalho cheio de muito boa vontade, com bastante qualidade, e que realmente, é um trabalho importante. Também sabemos que se fechássemos hoje, haveria um bom punhado de professores e alunos que teriam muitíssima pena, e que achavam que nós iríamos fazer muitíssima falta. Temos essa consciência e achamos que isto não é falsa modéstia da nossa parte. É a forma como analisamos a nossa posição. Reconhecemos que é cómodo, mesmo para os serviços de aquisição da universidade. A universidade é muito dinâmica nesse aspecto e adquire regularmente muitas publicações. Essa ligação que tem connosco é-lhes muito útil, muito cómoda pela proximidade e até para a nossa especialização dentro deste ramo.

U@O – Como se têm relacionado com os alunos?
Ó.M. e T.M.:
Com os alunos temos um relacionamento bom. Bastante bom até. Para já, porque na nossa idade, acabam por ser quase todos nossos filhos. Com as pessoas que começam aqui a aparecer, ao longo dos anos, vamos adquirindo alguma empatia, alguma ligação. Procuramos conversar com eles porque também eles trazem histórias muito engraçadas. Há muitos que estão aqui deslocados, grande parte deles é a primeira vez que saem de suas casas, e é bom sentirem algum apoio, sentirem que alguém se pode interessar pela vida deles. E acabamos por ter relações mesmo de profunda amizade.

U@O – Que diferenças notam entre estudantes e docentes enquanto compradores?
Ó.M. e T.M.:
Actualmente as barreiras e as diferenças têm vindo a esbater-se. As mulheres gostam muito de se começar a parecer aos homens num tipo de actividades. Os homens, por sua vez, também já fazem muitas coisas que eram típicas das mulheres. De modo que não se pode generalizar. Aparecem aqui alunos que, pelo número de anos há que já cá andam, têm ar de professores, e o inverso também acontece. Há muitos professores, que foram excelentes alunos, que ainda têm ar de alunos. De modo que o relacionamento aluno/professor, hoje em dia, não é assim muito distante. Daí que tanto uns como outros assumem uma postura muito semelhante e regra geral o professor que aqui aparece, normalmente, não tem um ar muito distante. Conversa naturalmente connosco, tem um tipo de exigência, às vezes, em termos de bibliografia, mais elevado que a maioria dos alunos. Até porque muitos dos professores continuam a investigar em doutoramentos ou mestrados, de modo que, entram também naquela necessidade de livros. Mas têm um relacionamento franco e muito normal e muito humano connosco.

U@O – Quais as áreas mais procuradas?
Ó.M. e T.M.:
Não há propriamente uma área que seja muito procurada. Depende muito dos professores que estão à frente dos cursos e das disciplinas. Varia muito de ano para ano. Houve uma altura em que vendíamos imensos livros de Sociologia, onde dois docentes resolveram continuar com os seus estudos e tiveram trabalhos académicos, nomeadamente em doutoramentos. E, por exemplo, foi uma área em que decaiu, de um ano para o outro, o número de requisições de livros. Actualmente, há uma área em que realmente se pedem muitos livros, que é Literatura e Cultura Portuguesas e, também, a vertente espanhola. São áreas em que é necessário ler muitos livros e pedem muitos livros. Embora saibamos que é quase impossível lerem tudo aquilo que compram. Depois, há áreas em que vão comprando com regularidade. Em termos de valores de transacção de livros, é Medicina. São alunos que compram os livros de que necessitam, não só para o momento como para o futuro, e são livros muito caros. De modo que, vender um livro de Medicina é um acontecimento muito agradável em termos económicos. De resto, vai-se vendendo na área da Comunicação Social, Arquitectura, Economia e Gestão, com alguma regularidade.

U@O – Não sentem uma ponta de desapontamento nos alunos por não poderem comprar mais livros, recorrendo a fotocópias ou não comprando?
Ó.M. e T.M.:
É evidente que sim. Temos pena por todas as pessoas que realmente têm necessidade de qualquer coisa que não podem adquirir. É evidente que isso é um bocado constrangedor. A nível de livros há que distinguir duas situações. Aqueles que não compram livros por dificuldades financeiras, e os que não compram por opções de vida. Há muitos alunos que chegam aqui e se queixam que não podem comprar um livro, que os livros em Portugal são muito caros, sem ter noção, às vezes, de quanto custam no estrangeiro. Grande parte das vezes é uma questão de opções de vida. Mas há alunos, onde se vê mesmo que gostavam, que precisavam e que não têm mesmo possibilidade de pagar. E isto toca-nos, não somos indiferentes a essa situação. Daí a razão pela qual somos, pelo menos na Covilhã, a única livraria que vende livros a prestações. Temos um bom molho de facturas de pessoas que levaram livros e que hoje deixam dez euros, no mês seguinte deixam outros dez, e depois deixam mais cinco, e têm o livro pago. E fazemos isso regularmente. Nós temos cheques pré-datados que vão vencer daqui a três ou quatro meses. E normalmente as coisas correm bem. Temos noção de que a vida é mesmo assim e cedemos o livro, porque o livro é importante para aquela altura. Não lhe posso dizer: “Olhe vá juntar dinheiro e depois venha comprar o livro”. Não, até porque tem uma frequência, tem isto e tem aquilo, precisa do livro para agora e paga depois quando vier o dinheiro.

U@O – Que factores é que provocam maiores ou menores oscilações nas vendas?
Ó.M. e T.M.:
O poder de compra geral. Quando as coisas estão más, as pessoas pensam, e com alguma legitimidade, que podem passar sem o livro. Hoje em dia, dadas as potencialidades da Internet, a biblioteca de que esta universidade dispõe, o aluno que fizer uma boa utilização destes recursos pode praticamente fazer um curso sem nunca ter comprado um livro. Posso dizer que ao melhor aluno de Medicina desta universidade, que há-de estar no 4º ano, vendemos apenas um livro. Por conseguinte, teoricamente, é possível a um aluno na UBI fazer um curso sem comprar um livro. Mas, quando as coisas estão mal, é evidente que os livros passam para segundo plano.

U@O – A fuga de medicina, o decréscimo das engenharias e a generalizada informatização dos textos têm alguma repercussão na livraria?
Ó.M. e T.M.:
Têm, têm uma influência enorme. Aliás, há dois grandes sistemas de organização da vida universitária. Há quem opte por ter este género de universidade que nós temos, a universidade dentro da cidade, integrada. E há aqueles sistemas em que é criado um campus universitário numa determinada área, onde está concentrado. É este último que eu prefiro.
No que se refere à livraria, é evidente que, por exemplo, quando Medicina estava aqui próximo, os alunos vinham cá mais frequentemente. Agora estão mais longe, apesar de haver sempre um telefonema a pedir para guardar um livro. Se tudo estivesse mais concentrado, os alunos passariam por aqui mais vezes. Não só pela livraria, mas inclusivamente pela biblioteca. Assim, como uns estão para o Ernesto Cruz, na parte antiga da cidade, outros no pólo das Engenharias, já próximo do centro, outros ainda na Faculdade de Ciências da Saúde, perto do Hospital, dá a ideia de que não é possível.
As pessoas não têm a cultura de vir regularmente. Alguns têm-na, como é evidente, mas o comum dos alunos não faz isso regularmente porque não lhes calha em caminho. Ao passo que, se tudo estivesse concentrado, creio que os circuitos eram mais fechados e que seria mais vulgar passarem por esta livraria ou passarem por esta biblioteca, como vir a este bar ou à mesma cantina. Haveria uma organização mais centralizada. Assim, dispersam-se.

U@O – Há quanto tempo estão na Universidade da Beira Interior (UBI)?
Ó.M. e T.M.:
Estamos dentro da universidade há nove anos.

U@O – Como classificam a relação da Livraria D’Ávila com a universidade? Em que moldes se tem desenvolvido essa aproximação?
Ó.M. e T.M.:
Começámos com um cantinho muito pequenininho, no pólo I, tinha por volta de 4 metros quadrados, onde tínhamos duas dezenas de livros. Depois, quando foi feita esta biblioteca, este sítio, onde está agora a livraria, estava inicialmente destinado a uma sala de exposições. O Sr. Reitor, com uma visão muito objectiva, olhou para este espaço e achou que era um desperdício, porque não há rotação suficiente que justifique um espaço destes para exposições. Então, achou que seria um complemento muito importante para a biblioteca montar uma livraria com esta dimensão. Na altura fez, como tinha de ser feito, um concurso para todos os interessados. E nós, até pelo facto de sermos da Covilhã, e de já estarmos nesta instituição há algum tempo, acabámos por ganhar esse concurso. Fizemos boas propostas e ele concessionou-nos este espaço – é por isso que estamos cá e vamos desenvolvendo a nossa actividade.

U@O – O que poderia ter sido diferente ou melhor, mesmo em relação à integração da livraria neste meio/espaço?
Ó.M. e T.M.:
É evidente que tudo isto tem a ver com a questão da oferta e procura. Se tivéssemos maior movimento, poderíamos efectivamente alargar o nosso tipo de actividade, a nossa forma de estar, de vender, de dinamizar este espaço. Mas com os tempos de crise em que vamos vivendo, em que as vendas baixam, não podemos fazer investimentos noutras áreas nem dinamizar. Por muito bom trabalho ou por muitos bons livros que tenhamos, ou por muitas boas iniciativas que façamos, se não houver quem queira tirar partido delas, se não houver dinheiro, nada feito. As pessoas gostam, acham que está bem, acham que estamos a ganhar bem, mas não têm dinheiro para comprar. De modo que estamos numa época, mais ou menos de sobrevivência, sem que para isso estejamos só virados para dentro, sem dinamizar as coisas da melhor forma possível. Mas estamos numa época de sobrevivência, à espera de melhores dias.

"A Covilhã recuperou da crise por causa da universidade"

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"Não temos uma relação próxima com os livros"






Data de publicação: 2007-08-07 00:00:00
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