Voltar à Página da edicao n. 401 de 2007-10-09
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Director: João Canavilhas Director-adjunto: Anabela Gradim
 
> <strong>Anabela Gradim</strong><br />

O desastre da Educação

> Anabela Gradim

Noventa e sete anos passados sobre a proclamação da República o Presidente eleito pelos portugueses voltou a falar dos ideais republicanos, destacando entre estes a Educação, para apontar o caminho, que o país ainda procura, «da excelência e da exigência na educação» dos mais jovens.
Cavaco lançou aos portugueses o repto de empreenderem «um novo olhar sobre a escola, sobre um modelo escolar construído à luz da ideia de inovação social», salientando o seu carácter inclusivo, a necessidade de “maior e mais activo envolvimento da comunidade com a escola”, e sobretudo, o papel e a intervenção dos pais na valorização do percurso educativo dos filhos.
Não há sucesso sem exigência, trabalho e rigor, e essa postura, que será depois cultivada pelo trabalho dos professores, colhem-na as crianças e os jovens em casa, e não pelo que se lhes diz, mas por aquilo que eles vêem os que os rodeiam fazer. Que a missão dos professores deve ser valorizada e dignificada pelas famílias e pela comunidade envolvente, e que pais e comunidade são co-responsáveis pelo sucesso educacional é de uma evidência cristalina.
No entanto, nos últimos anos, quando se fala de educação, para a generalidade dos comentadores encartados há um único tema monoliticamente glosado: a Educação em Portugal é um Desastre/ o Desastre da Educação. E quanto a culpados, lá está, temos os suspeitos do costume.
Ora, se pensarmos acerca do alegado desastre, ver-se-á que no espaço de três ou quatro gerações Portugal fez esta coisa espantosa: conseguiu alfabetizar quase 90 por cento da sua população, partindo de uma base de quase zero.
Em 1878, há apenas 130 anos atrás, o analfabetismo em Portugal atingia os 82,4%, quando era apenas de 0,08% na Noruega, 0,36% na Dinamarca, 0,4% na Suécia e 0,51% na Alemanha. No início do século, em 1900, ainda andava pelos 78,6%, e apesar do esforço desenvolvido durante a I República, em 1920, a taxa de analfabetismo ainda rondava os 66,2% (1).
O Estado Novo terminaria deixando o analfabetismo na ordem dos 20,5%, segundo o censo de 1970. Para as mulheres o quadro é ainda mais negro. Segundo os Censos de 91, a taxa de analfabetismo das mulheres era praticamente dupla da dos homens em qualquer idade: 15,3% nas mulheres contra 8,4% nos homens, considerando a população com 15 e mais anos. Para a população com mais de 65 anos, esses valores elevavam-se a 45,8% e 29,3%, respectivamente; «ou seja, em 1991 praticamente metade das mulheres idosas não sabiam ler nem escrever».
Em 1991, os números do analfabetismo em Portugal fixavam-se nos 11%. Mais de dez anos passados, a percentagem caiu ligeiramente, cerca de 1%, e tal como em 1991, as mulheres continuam a registar a maior taxa de analfabetismo na totalidade das regiões do País.
Em todo o caso, estes números do INE (2) são animadores porque mostram que na faixa etária até aos 15 anos, o analfabetismo é quase nulo, e que dos 20 aos 29 não é significativo. A média que permite os tais 11% é obtida à medida que se avança no escalão etário, com cerca de 30% nas mulheres com mais de 70 anos.
Assim, dá que pensar não só os 82,4% de analfabetos de há 130 anos atrás, mas sobretudo, a comparação com o panorama dos países da Europa do Norte nesse mesmo período, onde a percentagem era inferior a 1%.
Um dos factores mais apontados para este atraso endémico são, claro está, os longos anos da ditadura. Mas como explica Luís Souta, «a incapacidade de escolarizar não é com certeza um problema só de regime, pois tanto a monarquia, como a república, a ditadura ou a democracia, se mostraram incapazes de levar à plenitude este direito universal». A montante destas causas pesa ainda a questão religiosa e a herança de Lutero: nos países da Europa do Norte a alfabetização era necessária pois o crente devia poder ter contacto directo com as escrituras, factor que era irrelevante para o catolicismo.
Tendo isto em mente, deixa de ser extraordinário dizer que é extraordinário o percurso percorrido pela Educação em Portugal. Outros, como a Coreia, fizeram esta maratona de alfabetização muito melhor e muito mais rapidamente? Pode ser. E é admirável. Mas o espírito e a motivação dos meninos asiáticos é algo que não gostaria de ver reproduzido, pelo menos nos que me são caros.
Num momento em que a cobertura da rede de ensino é universal, o que falta então fazer? «É imperioso ter a consciência de que o investimento mais reprodutivo que poderemos fazer é nas crianças e nos mais jovens… Há toda uma cultura de autoexigência que deve ser estimulada nos pais, levando-os a envolver-se de forma mais activa e participante na qualidade do ensino, na funcionalidade e na conservação das instalações escolares, no apoio ao difícil trabalho dos professores», defenderá o presidente.
É que, a montante das universidades, só uma escola de rigor, exigência e qualidade permitirá melhorar os resultados destas. Não adianta exigir para o Ensino Superior português padrões de qualidade e competitividade europeus, se no ciclo que directamente o antecede estamos ainda muito aquém desses padrões.
Não se aprende, nem se ensina, por decreto. Algumas das mais belas palavras de sempre que foram escritas sobre Educação estão em As Lições dos Mestres. Steiner, o mestre, reflecte sobre o mistério de ensinar enquanto alquimia das almas. «Despertar noutro ser humano poderes e sonhos além dos seus; induzir nos outros um amor por aquilo que amamos; fazer do seu presente interior o seu futuro: eis uma tripla aventura como nenhuma outra». Há que despertar para ela.

(1) Dados retirados de «Analfabetismo, como exterminá-lo», de Luís Souta, in Jornal a Página da Educação, ano 9, nº 92, Junho 2000, p. 32.

(2) http://alea-estp.ine.pt/html/actual/html/act21.html


Data de publicação: 2007-10-09 00:00:00
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