Voltar à Página da edicao n. 430 de 2008-04-22
Jornal Online da UBI, da Covilhã, da Região e do Resto
Director: João Canavilhas Director-adjunto: Anabela Gradim
 

“As narrativas agora estão mal”

> Eduardo Alves

Urbi@Orbi – Falou há pouco na pequena percentagem de exibição de filme portugueses, mas as mais recentes produções nacionais têm vindo a crescer em número de espectadores. Isso é um sinal de que as coisas estão a mudar no cinema?
Jorge Silva Melo – [Ver Resposta] –
Apenas dois ou três filmes conseguem isso, os outros têm grande dificuldade. Poderíamos ter muitos mais como em Espanha e França onde existem muitos mais êxitos. Em Portugal, grande parte dos filmes não cobre os seus custos de produção com os bilhetes vendidos na sua exibição. Isto porque, mesmo para estas grandes distribuições portuguesas não é possível conseguir um volume de vendas que se assemelhe com as grandes produções americanas.

Urbi@Orbi – Se as narrativas fossem melhores, a venda nas bilheteiras aumentava?
Jorge Silva Melo – [Ver Resposta] –
As narrativas agora estão mal porque tentam ser muitíssimo convencionais, é o bom, o mau e a prostituta. São muitíssimo convencionais e despertam muito pouco interesse, são só para permitir alguns brilharetes ou de nudez de rapariga ou de engrandecimento de actores.
Creio que num filme não é só a narrativa que interessa. Uma relação real com o espectador, que passa pelos actores, pela maneira de filmar, pela originalidade do tema, isso tudo interessa e é isso que faz com que haja uma audiência de cinema, um empenho do espectador pelo cinema.

Urbi@Orbi – Quer então dizer que a quantidade não é sinónimo de qualidade?
Jorge Silva Melo – [Ver Resposta] –
A quantidade permite a qualidade. Quantos mais filmes houver, mais filmes originais haverá, sempre defendi isso. O exemplo dos anos 60 do século passado, em Itália, é muito impressionante, porque génios como Antonioni, ou Visconti ou Fellini, só são possíveis porque a qualidade média do cinema italiano e quantidade que é feita era altíssima. Portanto, com um nível profissional de técnicos e de actores extraordinário, que nunca se repetiu, nem nunca se voltará a repetir, até porque é um caso único no mundo, esse do cinema italiano nos finais dos anos 50 até aos finais dos anos 60 resulta da conjugação de todos os grandes pintores, todos os grandes escritores, todos os grandes actores, todos os grandes cineastas estão a trabalhar, nem sempre para a produção da mais alta qualidade, mas para produção média. E sem terem uma produção média boa não se conseguem criar génios, não há génios isolados.

Urbi@Orbi – A narrativa também é isso tudo? A junção de todas essas coisas?
Jorge Silva Melo – [Ver Resposta] –
Mas repare-se como a narrativa, no cinema italiano, é feita. Cada argumento é assinado por cinco ou seis pessoas. Ou seja, passa por muitas mãos de pessoas que estão empenhadas em viver aquele projecto de comunicação com o espectador. Mas não é uma narrativa pessoal, é uma narrativa muitíssimo elaborada e são grandes escritores que estão na narrativa, especialistas do cinema ou não.
O olhar sobre a narrativa é também um olhar de produtor, ou seja, só se consegue ter um bom argumento se houver dinheiro e tempo para o escrever. Normalmente o produtor recebe o dinheiro para produzir o filme e apressasse a realizá-lo e a produzi-lo, porque mais cedo receberá as últimas fatias do orçamento. Ora, não é esse o interesse. O interesse é preparar o filme, o máximo do filme. Escrever o argumento, encontrar os actores, mas perder o máximo de tempo na preparação. Quando Hitchcock dizia, “o filme está perfeito, só me falta filmá-lo”, tinha uma certa razão. Em Portugal começasse por filmar e ainda o argumento não está acabado e têm de ser dados arranjos na montagem até que ficam sempre filmes muito coxos. O grande investimento deveria ser feito no estádio da preparação do filme.

Urbi@Orbi – E em Portugal, estão lançadas as bases para termos boas narrativas?
Jorge Silva Melo – [Ver Resposta] –
Portugal tem dificuldade, sobretudo, na criação de uma indústria. As receitas e o número de habitantes não permitem uma indústria. Nenhum produtor irá investir na preparação de um projecto com o dinheiro e o tempo necessários para permitir a produção média. Só haverá casos excepcionais, como o de João Pedro Rodrigues e de Catarina Ruivo, que de certa maneira conseguem afirmar um cinema muito pessoal e muito interessante.
O cinema médio não o vamos ter porque a dimensão do nosso público potencial é diminuta e isso faz com que não haja tempo nem dinheiro para criar as bases do tal cinema médio que existiu em Itália e que permitiu a genialidade. Nós só iremos ter os génios e os casos especiais como o Manoel de Oliveira e o Pedro Costa. A produção média nunca vai existir e vejo isso com muita pena.

Urbi@Orbi – Como vê o aparecimento de novos “realizadores” e produções com base nas novas tecnologias e nos novos suportes como é, por exemplo, a Internet e o Youtube?
Jorge Silva Melo – [Ver Resposta] –
Fantástico. Acho que existe uma leveza na aprendizagem das novas tecnologias que são muito simples, são cada vez mais simples e muito fáceis de produzir e isso acho divertidíssimo ver. Ainda não se descobriu nenhuma obra de arte saída disto, mas também é bom não esquecer que até o cinema produzir obras de arte demorou cerca de dez anos, entre a invenção dos Lumière e as criações artísticas vai o tempo necessário para as pessoas se começarem a apropriar dos meios técnicos.

Perfil de Jorge Silva Melo

O cinema está numa fase muito estranha






Data de publicação: 2008-04-22 00:00:00
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