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Liberdade de Imprensa versus Vida Privada: o caso Cristiano Ronaldo e Correio da Manhã
Hélder Prior · quarta, 9 de julho de 2014 · UBI
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21962 visitas Um dos problemas mais debatidos que diz respeito à complexa relação entre a Justiça e o campo dos media tem que ver com a colisão de preceitos legais e constitucionais que resulta da conflitualidade entre o poder mediático e o poder da judicatura. Com efeito, a aplicação de determinados bens jurídicos pode provocar situações de antijuridicidade próprias da informação como «excesso». A jurisprudência tem sido elaborada no sentido de procurar harmonizar valores jurídicos potencialmente conflituantes, mas deve referir-se que é particularmente visível o confronto entre a liberdade de expressão e informação (art. 37.º da Constituição da República Portuguesa) e a liberdade de imprensa e meios de comunicação social (art. 38.º) com outros direitos fundamentais, como o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade e vida privada e familiar (art. 26.º do mesmo diploma). Na verdade, a liberdade de informar e de procurar informação assume-se, muitas vezes, como um valor absoluto que tende a impor-se sobre outros direitos e valores sem que os princípios legais e deontológicos se cumpram. O caso que opôs Cristiano Ronaldo ao jornal Correio da Manhã é elucidativo acerca deste conflito. Em 2011, o Correio da Manhã utilizou informações sobre o filho de Cristiano Ronaldo como se de um produto de consumo se tratassem. O tablóide publicou, na revista Vidas, declarações da antiga ama do filho do futebolista acerca da secreta mãe da criança sob o título: Ama revela segredos do clã Aveiro. O jogador acusou o Correio da Manhã de violar o seu legítimo direito à reserva da vida privada e familiar e o jornal, por seu lado, defendeu-se alegando que as informações veiculadas se revestiam do tão propalado “interesse público”, justificação que quase sempre serve para a imprensa vencer estes processos jurídicos. Quase sempre, porque desta vez a doutrina jurídica não deu razão à defesa do Correio da Manhã que afirmava que as informações se revestiam de “interesse público evidente”, uma vez que “existe uma curiosidade pública e notória das pessoas sobre aspectos da vida privada do jogador”. De forma algo surpreendente, a defesa do tablóide demonstrou desconhecer a distinção jurídica entre “interesse público” e “interesse do público”. Enquanto que o interesse público remete para a publicação de factos ou acontecimentos que o cidadão tem o direito de conhecer no contexto de uma sociedade transparente e verdadeiramente democrática, o interesse do público aponta para questões relacionadas com a exploração de produtos ou artefactos informativos que apenas têm como propósito activar a atenção dos leitores e satisfazer a sua curiosidade. Como os actuais meios de comunicação de massa determinam e reconfiguram a realidade e os seus efeitos com o objectivo de obterem atenção do público, as estórias de interesse humano e o voyeurismo passaram a fazer parte dos critérios de relevância dos media. É, pois, com alguma naturalidade, que se constata que a informação jornalística procura, muitas vezes, satisfazer o interesse do público, justamente no sentido de satisfação da curiosidade do público. Efectivamente, se, por um lado, os direitos de informar e de se informar são valores estruturantes da ordem democrática, deve referir-se, por outro lado, que a aceitação de tais princípios normativos supõe a observância de outros valores que, do mesmo modo, também se assumem como estruturantes e fundamentais de um Estado de direito. Por conseguinte, a comunicação social representa uma actividade de risco, sobretudo quando a aplicação de um direito conflitua com outros interesses juridicamente protegidos. Deste modo, o direito a exprimir livremente o pensamento está sujeito a limitações resultantes da colisão com os outros direitos com igual protecção jurídica. Deve referir-se que existe uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito entra em contradição com a aplicação concreta de outro, ou conflitua com outros bens ou valores constitucionalmente protegidos. Neste ponto, o exercício do direito à informação entra, frequentemente, em rota de colisão com o direito ao bom-nome e reputação, com o direito à imagem e com o direito à intimidade da vida privada. Uma vez que os direitos fundamentais não estão submetidos a qualquer princípio de hierarquia, visto que a Constituição os protege em igual medida, torna-se necessário encontrar uma solução para a resolução do conflito que se obtém pela aplicação do princípio da concordância prática. Na base deste princípio assenta a ideia de que o resultado óptimo será sempre a harmonização dos respectivos direitos em colisão, sendo que apenas na sua impossibilidade se deverá optar pela prevalência de um sobre o outro. A teoria da concordância prática procura, mediante os princípios jurídicos de proporcionalidade e optimização, assegurar a eficácia normativa dos bens em conflito. Ao invés de se optar pela valoração unilateral de um bem constitucional em desfavor de outro, procura-se a harmonização dos valores constitucionais em presença. Apesar da doutrina estabelecer que a qualidade de public figure tem consequências no que diz respeito ao direito à reserva, «como que uma espécie de peso da fama» que estreita os limites da sua esfera de privacidade, do ponto de vista jurídico, mas também jornalístico, haverá que indagar quer a natureza dos aspectos privados revelados, quer o direito do público de ser informado sobre determinados aspectos pertencentes à esfera da privacidade dos indivíduos. Acontece que a voracidade insaciável da sociedade de consumo transformou o mundo da informação num espectáculo mediático cujos únicos propósitos parecem ser o sensacionalismo, o chocante, o furor e o insólito. Neste ponto, temas como a vida privada e íntima de reconhecidas personalidades públicas convertem-se numa verdadeira mercadoria que fomenta um tipo de jornalismo industrializado que se erige para gáudio dos espectadores. Infelizmente, na maioria das vezes os órgãos de informação agem e reagem como se cumprissem todos os preceitos jurídicos e deontológicos, ou como se a liberdade de imprensa e o tão propalado «interesse público» se pudessem sobrepor a todos os outros princípios constitucionais. |
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