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Projeto avalia utilização do smartphone à luz do público e privado
Rodolfo Pinto Silva · quarta, 8 de abril de 2015 · UBI Quem utiliza os telefones inteligentes, o que faz na esfera pública e que percepção tem dos riscos para a privacidade? Estas foram algumas questões colocadas pelo projeto Público e Privado nas Comunicações Móveis e que foram trabalhadas no Labcom.ifp ao longo dos últimos dois anos. O coordenador da equipa que investigou o tema, José Ricardo Carvalheiro, apresenta algumas conclusões sobre o estudo que analisou, por exemplo, as perspetivas geracionais no que toca à privacidade. |
A recolha de imagens é uma das principais atividades dos utilizadores de smartphones |
21945 visitas – De acordo com os resultados do Projeto Público e Privados nas Comunicações Móveis, pode-se traçar um perfil do utilizador de dispositivos móveis? – Em relação à utilização do smartphone, porque foi aí que incidimos a pesquisa, a penetração em Portugal ainda não é universal. Concluímos também, através do inquérito telefónico a uma amostra representativa da população nacional, que há um perfil de quem usa este tipo de aparelho: é o indivíduo do sexo masculino, adulto – mas jovem – e com instrução Superior ou frequência universitária. É menos provável encontrar detentores do telefone inteligente entre as mulheres com menor instrução e de uma idade mais avançada.
– Que conclusões foram tiradas quando se cruza o uso do smartphone com as dimensões do público e privado? – Há uma série de dados que se podem salientar, divididos em duas vertentes: o envolvimento cívico versus um certo privatismo. Ou seja, a utilização do smartphone para fins públicos e cívicos, ligados à esfera pública, por oposição a um uso mais privado ou particular; outro aspeto é o da privacidade, dos riscos para a privacidade e a sua proteção. Temos esses dois tópicos. Em relação ao primeiro, do envolvimento cívico, há o indicador do consumo de notícias em comparação, por exemplo, com atividades de lazer, que serão um uso mais privado e que poderão alhear as pessoas da esfera pública. Que é que nós vemos aí? Nesse domínio, a utilização primordial do smartphone em Portugal é para lazer. Mas isso não significa que a receção de notícias não seja também muito expressiva. Ambos os tipos de utilização são bastante salientes. E, portanto, quando cruzamos as duas populações concluímos que são praticamente a mesma. Ou seja, o facto de as pessoas utilizarem o smartphone para jogar, navegar, ouvir música e ver filmes não anula que também acedam à esfera pública, para consulta de informação. Há poucos – e é uma pequena percentagem – que apenas faz uma destas coisas, porque as pessoas gerem o uso mais privado do smartphone com a ligação à esfera pública. Ainda nesse aspeto, existem outros dados ligados ao envolvimento cívico, que são um pouco diferentes. Há um número elevado de pessoas que realmente consome notícias, mas se depois virmos quantas é que as partilham com os seus contactos, através das redes sociais, representam uma percentagem muito mais baixa. A maioria – um pouco acima dos 50 por cento – nunca partilha, apesar de ter um dispositivo ágil e ubíquo, a partir do qual pode pôr a circular uma notícia que lhe diz alguma coisa ou que a indigna. Portanto, o indicador de uma cidadania um pouco mais ativa, que é participar na esfera pública pondo informação a circular e comentando, apresenta números reduzidos. Outros dados como a utilização de smartphone para intervenção cívica ou política – participar em ações coletivas – então aí é uma percentagem muito minoritária, muito baixa.
– Na perceção da privacidade há diferenças entre gerações? – Sim, mas talvez não seja tão nítida como esperávamos à partida. Havia essa expectativa, porque circula um discurso público que aponta para que as gerações jovens tenham uma predisposição para se exporem, exista menos cuidado com a privacidade, de não saberem distinguir uma coisa da outra e terem critérios diferentes. Não parece ser assim tão nítido.
Podemos concluir é que a relevância da privacidade continua a estar presente. Os utilizadores do smartphone dão valor a isso e os mais jovens não a menosprezam. Depois, a associação do smartphone a um risco para a privacidade, que é uma das perguntas que colocadas no inquérito, vemos que não há uma diferença muito significativa entre gerações. A percentagem dos mais novos que pensa que os telemóveis são prejudiciais à privacidade não é menor do que a geração dos 40 anos, por exemplo. Pelo contrário, até é ligeiramente superior. Há é diferentes conceções do que é privado e aí as conclusões não são tão claras. Alguns indicadores apontam para uma maior preocupação das gerações mais velhas em relação a certos aspetos. Por exemplo, o risco de perderem o controlo sobre os dados pessoais que colocam nos dispositivos móveis e meios digitais parece ser maior. Eles têm uma perceção de que podem perder o controlo sobre eles pondo em causa a sua privacidade. Noutros aspetos, talvez a perceção dos jovens seja mais aguda, nomeadamente, em relação às imagens. Há uma associação muito forte sobre os riscos nesta questão, mais do que em relação a outro tipo de dados.
– Essa atenção é tida em conta na utilização que fazem das redes sociais? – Ter a consciência do risco nem sempre corresponde a uma estratégia adequada. Isto é o que nos parece que acontece com os jovens. Há uma importância que se continua a dar à privacidade e uma perceção do risco, especialmente em relação às imagens, e muito particularmente nas jovens do sexo feminino no que diz respeito às imagens do corpo, onde a questão é mais aguda, talvez por mediatização de casos com celebridades. Essa ideia está muito presente, mas depois as estratégias para prevenirem isso nem sempre estão de acordo com o risco que elas percebem. Parece haver um impulso, às vezes muito forte, para partilha nos círculos de amigos e conhecidos, que se sobrepõe àquilo que é um risco para a privacidade, que eles sabem que está lá atrás. Fazem-no porque ou confiam nas plataformas onde colocam as coisas, ou se esquecem momentaneamente, ou não conseguem refrear o ímpeto para partilhar, divulgar coisas que são importantes na sua vida, nas suas relações.
– Essas publicações são feitas tendo em conta os públicos? Por exemplo, evitam que os pais tenham acesso? – Os jovens parecem ter uma grande maleabilidade na gestão das plataformas consoante os públicos com quem se querem relacionar. São nativos digitais e estão muito ágeis no domínio dessas ferramentas. E, portanto, há plataformas onde partilham coisas com os familiares e outras não. Isso é muito claro. Também é muito interessante o facto de utilizarem os dispositivos móveis para criar privacidade em relação à família, quando estão nesse círculo. É uma forma de estarem em comunicação com os seus pares, subtraindo-se ao olhar e ao controlo dos pais ou dos familiares mais velhos. Aí o smartphone funciona como dispositivo que lhes permite uma privacidade dentro de um determinado grupo que tem uma certa tutela.
– O lazer e consumo de notícias são atividades importantes dos utilizadores do smartphone. Foram identificadas outras?
– É muito expressiva em termos percentuais a captação de imagens, sejam fotografias ou vídeos. É mais elevada do que para fazer jogos ou ouvir música e ronda os 96 por cento. Uma boa parte destas pessoas também as partilha, maioritariamente em círculos fechados: familiares, ou grupos de amigos e colegas. Publicação aberta, pelo menos deliberadamente, só por uma minoria. Isso não quer dizer que alguns não tenham a consciência que mesmo ao disponibilizarem em círculos fechados, os conteúdos não possam fugir-lhes ao controlo. Têm noção de que isso é um risco que existe, ou porque há mais gente do que pensam a ter acesso, que as próprias empresas ficam detentoras das imagens, ou que as pessoas do círculo que eles pensam que são confiáveis, podem afinal não ser e acabar divulgar aquilo para fora do espaço restrito. Sabem que correm um risco.
– Há a ideia generalizada que há uma utilização permanentemente do telemóvel, mesmo na presença de pessoas conhecidas. Apuraram dados que indiquem esse comportamento? – Há alguns indicadores, embora não tenhamos dados universais para caracterizar a população portuguesa em relação a isso. Pode ter reflexos na questão do público e privado, no sentido que são formas potenciais de alheamento do que é a sociabilidade em público, para estar num mundo fechado, privado. Isto não é necessariamente verdade, porque a pessoa pode estar no privado, mas ao mesmo tempo na esfera pública virtual, a partilhar notícias ou a comentar factos públicos. Essa é uma questão que requereria uma pesquisa com outros métodos para a avaliar. Em relação à dependência, nos escalões mais jovens, através dos grupos de foco que realizamos, isso é declarado. Há uma espécie de adição, em alguns dos casos. Lembro-me de uma intervenção num grupo de jovens entre os 17 e os 19 anos onde se dizia: “Já nem ponho o telemóvel no bolso. Ando sempre com ele na mão, quando estou na rua”. Nas aulas é a mesma coisa. Muitos afirmam que nos Ensinos secundário e superior, antes de terem smartphone com acesso à Internet, faziam um uso muito eventual: apenas quando recebiam uma SMS, podiam verificar e responder, mas agora estão permanentemente ligadas ao Facebook durante a aula, do princípio ao fim, e sabem que isso é errado. Dizem que não conseguem controlar, portanto, é uma espécie de dependência. |
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