Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Recantos escondidos
Ana da Silva Gomes e Inês Miguel Gonçalves e Maria Inês Valente e Daniela Oliveira · quarta, 10 de agosto de 2016 · Dois estabelecimentos distintos, escondidos pelas ruas e vielas da Cidade Neve, que apresentam traços semelhantes e mostram que as barbearias sobrevivem ao tempo. |
Manuel Bizarro a exercer a sua profissão |
21990 visitas As barbearias de bairro são, nos dias de hoje, um serviço ainda bastante requisitado. Estes estabelecimentos estão em voga e mostram que não estão com os dias contados. Vários são os barbeiros que dão vida às vielas da cidade da Covilhã. Apresentamos duas instituições que visitámos: a Barbearia Raposo e o Salão Rubim. Duas barbearias que trazem as técnicas mais ilustradas para atrair clientela. Habilidades como um trabalho irrepreensível, técnicas aperfeiçoadas, o serviço rápido e eficiente, a simpatia, os dotes que atraem clientes e os produtos de excelência são o essencial para satisfazerem os clientes. Manuel Bizarro, com 80 anos, barbeiro de profissão desde os 15, abre as portas do seu estabelecimento e fala-nos abertamente da sua vida. De empregado da construção civil a barbeiro, ocupa o seu tempo livre nos trabalhos relacionados com a eletricidade. A vida nem sempre foi a mais justa, mas recompensou-o em certos momentos. Aos 15 anos perdeu uma perna, quando trabalhava na árdua profissão de empregado da construção civil. Cedo entendeu que era necessário fazer algo para melhorar a sua vida, o que o levou a mudar-se para Lisboa. Aí trabalhou na arte de cortar cabelos e fazer a barba. Numa cave com poucas condições, executava as tarefas que os clientes lhe pediam e aí residia. Embora não tivesse razões de queixa do seu patrão, o certo é que o Sr. Manuel sentia que tinha que lutar por algo melhor. Passaram 10 anos. Aos 25, o futuro parecia-lhe mais risonho. Chegado a Luanda, sentia que algo iria mudar. Com a vida feita e família formada, decide voltar à sua terra natal, a Covilhã, e estabelecer o seu próprio negócio. Carlos Raposo, 55 anos, traz consigo outra experiência. Tirou o curso de administração e comércio, mas ser barbeiro foi a sua escolha até hoje. Como muitos jovens, tinha necessidade de ter dinheiro extra para alguns dos seus hobbies. Assim, surgiu o interesse pela profissão. Em 1981, foi para a tropa, onde começou por fazer os primeiros cortes. Consigo levou máquinas, tesouras, entre outro material necessário para a atividade. Quando regressou, trabalhou numa das barbearias da cidade, a troco de nada, onde aprendeu com o seu “mestre”, o Sr. Bizarro. Dois anos depois, aventurou-se no mundo do negócio e abriu uma barbearia, a qual batizou, fazendo jus ao seu apelido, de “Barbearia Raposo”. Por coincidência estabeleceu-se na mesma rua que o seu mestre, com o qual mantém, ainda hoje, uma relação de amizade e companheirismo face à profissão. Quando o Sr. Raposo decidiu estabelecer o negócio, o Sr. Bizarro já tinha três anos de casa. A barbearia, agora designada por Salão Rubim, foi adquirida por um processo de trespasse. O nome da barbearia surgiu da vontade expressada pela sua mulher de dar o nome do filho ao estabelecimento. Hoje em dia, o Salão Rubim pertence ao filho do senhor Manuel que, seguindo os passos do pai, decidiu também abraçar a profissão. Estamos, assim, perante um legado de família centenário. O profissional com menos anos de experiência confessa que, no início, os receios foram muitos. Era o seu primeiro negócio, a sua “estreia” como barbeiro. As normas do alvará exigiam muitas burocracias. Contudo, teve amigos que o ajudaram, o que foi fundamental. Com o tempo, apercebeu-se que saber servir, atender e ser bom comunicador eram uma mais-valia para criar um clima familiar, de modo a cativar os clientes. Entre risos, diz que agora é uma aventura em que, todos os dias, aprende uma coisa nova. Apesar dos 25 anos que os separam, o cuidado e a higiene são características comuns no ritual das tarefas que desempenham. A inovação é uma preocupação constante dos profissionais, desde novos métodos de trabalho e novos materiais como a utilização das lâminas descartáveis, por exemplo. As modas evoluem cada vez mais rápido, por isso os profissionais desta área são obrigados a acompanhar a modernização. Desta forma, participam com regularidade em diversos workshops e formações especializadas na área em questão. Em conversa, o Sr. Raposo, confidenciou que, antigamente existia um giz, designado por cutolino, com o qual se fazia a barba a todos os clientes. Nos dias de hoje isso é algo impensável, uma vez que os cuidados com a higiene e a modernização assim o exigem. Como tal, Carlos conta que tem na sua barbearia diversos produtos para evitar males maiores, nomeadamente o barbecide, que desinfeta todo o material, bastando que haja um mero corte, por exemplo, para que a lâmina seja, de imediato, deitada para o lixo. Em contrapartida, o interesse dos homens em frequentarem estes estabelecimentos é motivo de distinção entre ambos: enquanto no Salão Rubim a procura é, maioritariamente, para o corte de cabelo, na Barbearia Raposo o serviço mais requisitado é o aparar da barba. Como em qualquer negócio, também as barbearias têm os ditos clientes “fieis à casa” que escolhem a preceito o profissional que melhor consegue responder aos seus pedidos. No caso do Sr. Bizarro, os clientes apreciam a sinceridade de pai e filho, uma vez que aconselham da melhor forma os fregueses sobre o corte mais adequado a cada rosto. Estando num meio universitário, ambos possuem a clientela habitual, composta pelos conterrâneos, estudantes universitários e alguns rotativos. Muitas vezes, quando os estudantes terminam o curso vão embora. Ainda assim, há muitos que regressam e fazem questão de os visitar. “Um barbeiro é sempre uma espécie de confidente”, revela o proprietário da Barbearia Raposo. No seio de uma barbearia o tema mais abordado é, claramente, o futebol! Carlos, sportinguista fanático, conta com agrado que muitos são os que o “picam” quando o clube não lhe dá alegrias. Foi a partir de pequenas brincadeiras, como o futebol, que muitos laços de amizade se fizeram sentir. Eram meros clientes e passaram a ser grandes amigos. Com tantos anos de serviço, muitas foram as pessoas que por lá passaram e muitas são as histórias que ficaram para recordar. Manuel Bizarro conta com agrado que cortar o cabelo enquanto acompanhava o movimento de um cliente que adormeceu foi a tarefa mais difícil que já fez. A junção entre a confiança no trabalho do barbeiro e uma cadeira confortável foi o suficiente para o cliente adormecer. À medida que ia descaindo a cabeça, o barbeiro viu-se obrigado a seguir a trajetória com a navalha, tentando assim ter o máximo de cuidado para não acordar o freguês, com medo de o poder ferir. Já o Sr. Raposo conta, entre risos, que a situação mais caricata e, na altura constrangedora, que lhe aconteceu foi quando o Professor Pinto Peixoto lhe pediu para fazer a barba à cabeça. Confessa ter ficado intrigado e sem saber o que dizer, uma vez que nunca tinha feito um trabalho semelhante. Contudo, face à dinâmica e agilidade típicas da sua personalidade, arriscou e assim fidelizou mais um cliente. Também os bebés são motivo de novas aprendizagens, e por isso são sempre recordados com alegria. As birras, o choro e a postura irrequieta são situações difíceis de combater. Carlos Raposo relembra com saudade um episódio semelhante: “Uma vez tive que cortar o cabelo a um bebé com a mãe a amamenta-lo, porque era a única forma de ele estar quieto. Agora tenho o canal Panda para os entreter enquanto lhes corto o cabelo”. Os momentos constrangedores fazem-se sentir por ambos aquando da chegada de uma doença. A palavra “cancro” é a mais difícil de ouvir numa barbearia, porque os profissionais sabem que de seguida vem o pedido: “Rape-me o cabelo porque ele vai cair”. Nestas circunstâncias, nenhuma palavra é suficientemente reconfortante para tornar o momento menos pesado. “O cabelo cai, mas depois vem com mais força ainda” é a expressão mais utilizada para aliviar a dor do cliente. Como um barbeiro é também um amigo, é o próprio que muitas das vezes toma a iniciativa de se deslocar a casa dos clientes para que estes não se exponham ainda mais. Quando questionados sobre a possibilidade de exercerem outra profissão, as respostas diferenciam-se. Carlos Raposo considera que não tinha problema algum em deixar esta área para abraçar outra. O lema de vida “a tropa manda desenrascar” assim o ensinou a agir. Ao invés, Manuel Bizarro, com uma experiência de vida completamente diferente, afirma que dado o peso da sua idade, não se imagina noutro lugar senão entre as quatro paredes do seu salão. Os dois concordam que ainda há muito que fazer para dar uma imagem de que este tipo de comércio não é um negócio perto do fim. Um trabalho feito sem repreensões, eficiente e singular e a sinceridade de cada profissional são tópicos essenciais para manter firme o interesse dos clientes em frequentar as barbearias. Apesar da diferença de idades, a experiência de vida e os ideais, os seus caminhos cruzaram-se num amor e numa ambição incondicional: a profissão. A felicidade é notória quando falam acerca da mesma, os dois sentem-se homens realizados pois todos os dias acordam e fazem aquilo que gostam. |
GeoURBI:
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