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"Tirar o curso no Interior deu-me mais força para ser melhor que os outros"
Rafael Mangana · quarta, 27 de julho de 2016 · UBI Em 2003, e com muito menos recursos que em 2016, João Geraldes entrava na UBI para aquela que era a primeira turma do curso de Cinema. Apaixonado pelo ramo de Som, procurou sempre complementar as valências que o curso lhe dava com outro tipo de formações técnicas, ferramentas que ia adquirindo em Lisboa aos fins-de-semana. Depois de vários trabalhos na área, onde começou pela Iniziomedia, trabalhando depois para a RTP, BenficaTV ou para a produtora Endemol, João Geraldes é profissional de som na SIC há já quatro anos. |
João Geraldes |
21975 visitas Urbi et Orbi: Como surgiu a ideia de ingressar na UBI em Cinema? João Geraldes: Eu sempre quis o ramo de som. Ou Direito ou som, eram as duas áreas que eu sempre gostei desde garoto. Lembro-me de com dez anos, por exemplo, criar uma rádio, uma rádio de garagem, onde fazia a minha própria rádio lá em casa com dois amigos meus. Tinha cassetes, microfone, gravador e fazia os meus momentos de rádio. Sempre gostei de som. Na altura concorri para alguns cursos de som e vi que ia abrir um curso na Covilhã de Cinema, que tinha o ramo de Sonoplastia e esse foi um dos motivos que me levou a ir para a UBI. Primeiro porque tinha som, e também porque era cinema relacionado com som e era uma área que eu também gostava: o Cinema.
U@O: E o curso correspondeu às expectativas? JG: Muito, muito. No primeiro ano fizemos logo um núcleo de Cinema, o Núcleo de Cinema da Universidade da Beira Interior, em que eu fui o presidente. Ficámos com a cinubiteca e na altura criámos umas sessões, em que os professores escreviam um texto, indicavam os filmes e nós íamos lá projetar os filmes e íamos ver. Criámos uma ou duas conferências no Núcleo durante dois anos, passados esses dois anos fui vice-presidente do Cine Clube da Beira Interior, que era o professor Luís Nogueira o presidente, no que toca ao associativismo. Em relação ao curso, foi muito positivo, gostei muito.
U@O: A UBI e a cidade da Covilhã são também conhecidas pelo espírito académico. O que achou a esse nível, tendo em conta a sua experiência? JG: Eu já conhecia a noite académica, conhecia o Politécnico de Castelo Branco, e via que era tudo muito disperso. Embora na Covilhã também seja disperso, porque os polos estão afastados, sinto que havia uma grande união entre os alunos e entre os cursos, e vou dar um exemplo: Quando criámos na altura o Núcleo e fomos para a direção do Cine Clube, fiz uma curta metragem, que não tinha nada a ver com o currículo do curso, que se chamava “A Escolha”. Na altura trabalhámos com alguns profissionais, que era o diretor de fotografia, por exemplo, o Acácio de Almeida, que é um dos melhores em Portugal. Nós candidatámo-nos a um fundo comunitário na altura, tivemos acesso a esse fundo, e a curta metragem na altura ficou-nos para aí em sete, oito mil euros, o que na altura era muito dinheiro, comparado com as outras curtas que estavam a ser feitas na UBI. Nós conseguimos juntar vários cursos, por exemplo a roupa foi feita por uma aluna de Design de Moda, a música foi feita por um colega meu músico, por isso conseguimos num filme arranjar todas as áreas, os vários cursos, para nos ajudarem a fazer o filme e acho que isso foi muito interessante e espelha também um pouco do que é a Covilhã. Isto para não falar da noite da Covilhã, que essa então era maravilhosa. Mas através da noite tu conseguias ver um pouco o que era o dia, toda aquela união dos alunos, toda aquela envolvência.
U@O: E essa capacidade de adaptação e de improviso, que já estavam patentes na altura do curso, foram importantes mais tarde para vingar na área? JG: Muito. O curso era quatro anos e tínhamos que fazer uma curta metragem no final. E nós fizemos uma curta metragem no final, mas no terceiro ano decidimos, eu e o Tito Fernandes fazer um projeto que era “A Escolha”. Eu na altura, isto para o projeto final - a curta “O Indiferente” -, criei contato com um senhor que é o Joaquim Pinto, que é o dono da Filme Base, que é um dos melhores técnicos de som em Portugal, som direto para cinema, e na altura eu criei uma relação com ele, em que vim a algumas formações à Restart nos fins de semana que vim cá ter com ele, e ia ter com ele também à empresa. E foi através da preparação para essa curta metragem, tanto a da “A Escolha”, que é a do terceiro ano, como a do “O Indiferente”, que é do quarto ano e é o projeto final, que eu comecei a ter uma noção e um contato mais real com o mundo do cinema. Neste caso, era um filme com um plano sequência de doze minutos contínuo, era uma câmara na cabeça de uma pessoa. O curso era novo, e quando o curso abriu na UBI tinha muita teoria e tinha poucas pessoas ligadas ao cinema. Por isso, estes dois filmes trouxeram-me o contato com a realidade do cinema, porque até ali nem era muito habitual fazerem-se curtas metragens no Interior. E é aí que começo a ver realmente o que é que era trabalhar no mundo do cinema e a brutalidade e a violência que isso era. E é com essa curta metragem do terceiro ano, que é “A Escolha”, em que nós contratámos só atores profissionais, veio uma equipa de Lisboa com câmara, com diretor de fotografia, que era o Acácio. Tudo era profissional, só o realizador, produção e o som é que era amador. Foi feito no hospital, tivemos o apoio das Scutvias, e todo aquele processo foi para mim uma aprendizagem maravilhosa, porque era estar em contato com o mundo profissional do cinema, que até ali tinha sido amador.
U@O: Sente que essa iniciativa – na altura, pioneira - que vocês tiveram, poderá ter incentivado estas gerações mais novas? JG: Muito. Porque na altura o curso de Cinema ainda não tinha feito nenhuma curta metragem, e na altura convidámos alguns colegas do nosso curso para nos ajudarem a fazer essa curta metragem. A nossa curta é a primeira a ser feita, a nível profissional e amador, os nossos colegas veem como se trabalha a nível profissional, e das outas áreas vão-nos ajudar e depois seguem o caminho do Cinema. E acho que essa curta, para mim, teve esta alavanca, até para os professores que são de Filosofia, e vão dar aulas a Cinema, e pela primeira vez acompanham o processo profissional de um filme. Até nos disseram “vocês são loucos em meterem-se nisso, vão convidar o Acácio, acham que ele aceita? Vocês são malucos”, mas ao mesmo tempo tivemos o incentivo de seguir com as reuniões e avançámos sempre com o “carimbo” da universidade para fazermos o que quiséssemos.
U@O: Como tem assistido à evolução do curso de Cinema na UBI? JG: O meu ano era muito lutador. Andávamos sempre em revindicações, a pedir mais material, os professores andavam-nos sempre a ralhar. Eu saí passados cinco anos, e acompanhei o curso durante mais dois anos e vi que havia muitas pessoas a sair para o nível profissional. Começa a ter destaque também quando eu vou a conferências, costumo ir muito ao São Jorge naqueles ciclos de cinema que há lá e começa-se a ouvir falar da UBI e no curso de Cinema. Acho que ainda falta uma coisa, e acho que isso com o tempo vai lá, ouvimos o Salavisa, ganharam prémios, Palmas, e ouve-se muito sobre a escola da Amadora, muitos dos alunos que ganharam Palmas são da escola da Amadora, e acho que ainda falta isso para o curso ter outra visibilidade, muito mais destaque, começar a ganhar esse tipo de prémios, de outra envergadura, sejam Palmas, ou Óscars ou seja o que for. Falta ainda dar esse passo, mas acho que o tempo vai trazer esses prémios com certeza. Por outro lado, na minha altura as câmaras eram umas mini DV de Ciências da Comunicação, depois é que compraram as HDV, não havia professores técnicos e nós tivemos que lutar por nós próprios. E se nós conseguimos estar a trabalhar na área com esse curso inicial com falta de recursos, eles com recursos devem conseguir muito mais do que nós.
U@O: Ainda assim, nunca se sentiu em desvantagem por ter tirado o curso numa cidade periférica? JG: Não, até muito pelo contrário. Dava-me mais força e mais garra para ser melhor do que os outros. E era por isso que vinha aos fins-de-semana a Lisboa tirar cursos técnicos à Restart, porque achava que tinha que complementar essa parte prática que não me era dada na UBI. E eu vinha cá, e na altura as pessoas mal sabiam onde é que era a Covilhã quanto mais a UBI, e as pessoas riam-se quando falava do curso de Cinema na UBI, e isso só me dava mais vontade de trabalhar mais para ser melhor do que eles para depois chegar ao pé deles e dizer que no trabalho afinal sou melhor que vocês, e não é por estar na Covilhã que não sou melhor que vocês, não é por a Covilhã ser uma cidade do Interior que eu posso ser pior que vocês. Acho que isso depende da pessoa e da garra que a pessoa tem.
U@O: Que conselho deixaria a um aluno de Cinema da UBI para vingar nesta área? JG: A realidade da área é que tem que trabalhar muito e tem que ser sempre o melhor naquilo que faz. Seja em Cinema, seja onde for. Há muitos alunos, tem que ser o melhor, se eu quero trabalhar numa área eu tenho que ser o melhor no que faço, e essa é a minha mentalidade. E depois, há muitos alunos que saíram da UBI e que vingaram, e se nós conseguimos estar nesta área, eles também conseguem estar nesta área. E as condições que eles têm hoje, na nossa altura eram muito mas muito inferiores. A nível de Cinema devia ser do dia para a noite, comparando com o que há aí hoje. Por isso, mais um motivo para vencerem na área.
Perfil: Nome: João Geraldes Naturalidade: Ladoeiro Curso: Cinema Ano de Entrada na UBI: 2003 Livro preferido: "Ensaio sobre a cegueira", de José Saramago Filme preferido: “2001, Odisseia no Espaço" Hobbies: Ir ao cinema, ler, ouvir música e conversar
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