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Os Brasis da Covilhã
Ana Barbosa · quarta, 22 de agosto de 2018 · @@y8Xxv História das vidas de brasileiros que vieram, viram e nunca mais voltaram. |
Covilhã - Foto: Flavio Curto |
21996 visitas Quando Milay Correia esteve em Portugal pela primeira vez, tinha apenas 11 anos. Filha de portugueses radicados no Brasil, a menina veio ser batizada junto aos tios e avós deste lado do Atlântico. Tudo era festa. O pai, apologista das viagens como instrumento de conhecimento das culturas do mundo, passou os anos seguintes convencendo a filha a fazer os estudos universitários nas terras de Cabral. Em 2005, já com 19 anos, Milay havia acabado a escola, então arrumou as malas e veio morar com uma tia em Erada, freguesia do concelho da Covilhã. Nunca mais voltou. Hoje, 13 anos depois, já com marido e filho portugueses e trabalhando há nove anos numa empresa imobiliária, a coordenadora de loja ainda se emociona ao lembrar da difícil adaptação. “Cheguei a passar um mês de fome. Não tinha pai nem mãe perto, e meus parentes não se sentiam responsáveis por cuidar de mim. Para piorar, cheguei numa época onde a mulher brasileira era muito mal vista: ou éramos prostitutas, ou queríamos roubar-lhes os maridos, ou tirar-lhes os empregos. Chorei baba e ranho, muitas vezes engoli em seco o meu orgulho”, desabafa num típico sotaque português. A história de Milay não é muito diferente de outras na Covilhã. Os estudantes brasileiros vieram procurar na Universidade da Beira Interior (UBI) uma oportunidade de conhecer pessoas do mundo inteiro e, depois de engordarem o currículo, saíram só com boas recordações. Mas, fora do ambiente académico, a história de quem veio com a intenção de ficar não é tão fácil quanto parece. Nem tanto mar Quando o cantor brasileiro Chico Buarque compôs a música Tanto Mar, em homenagem à Revolução dos Cravos, cantou a distância física e histórica entre Brasil e Portugal: “Sei que há léguas a nos separar, tanto mar, tanto mar...”. Pouco mais de 40 anos depois, parece que um oceano já não é uma distância tão grande. O balanço do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão responsável pelo controle da imigração em Portugal, ainda não está fechado sobre 2017, mas já confirma, com folga, uma impressão recorrente entre os brasileiros: Portugal voltou a estar na moda. Atualmente, dos 397.731 estrangeiros com título de residência válido no país, os brasileiros já são mais de 81 mil e mantêm-se como a principal comunidade estrangeira . Só o último ano deve registrar cerca de 9.500 vistos emitidos para brasileiros . É uma nova onda migratória. Uma redescoberta que marca o fim de quase dez anos em que os brasileiros estavam fazendo o caminho de volta à ‘pátria amada’, com o incentivo da melhora na economia brasileira e da crise que, ao mesmo tempo, atingia Portugal. Segundo dados do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, de 2004 a 2014 houve um período de recessão, que caracterizou o retorno dos brasileiros ao seu país. Hoje, com a tensão social e econômica que vem se agravando no Brasil bem como a descrença política e os altos índices de desemprego, os brasileiros estão saindo novamente para Portugal. Basta caminhar pelas cidades de Lisboa ou Porto para entender facilmente os números acima, mas o interior português não fica atrás de nenhum grande centro urbano, muito pelo contrário. No Distrito de Castelo Branco, por exemplo, os estrangeiros residentes já são mais de 3.600, dos quais 735 são brasileiros e no concelho da Covilhã essa proporção só aumenta: dos 947 estrangeiros, 288 são brasileiros, 30% do total “Não existe um fator isolado para o fato de Portugal estar muito em voga atualmente para os brasileiros. A qualidade de vida, a facilidade da língua, a oferta de boas universidades, o clima, a proximidade entre as culturas. São muitos os atrativos”, afirma, em entrevista telefônica, Adriano Mourinho, vice-consul de Portugal na cidade do Recife, Brasil. Mas porquê a Covilhã? A pequena e pacata Covilhã, com seus pouco mais de 51 mil habitantes, não vive só das histórias do passado da tecelagem nem só das expectativas do futuro brilhante dos estudantes da UBI. A Cidade Neve do fado de Amália Rodrigues também guarda histórias de quem escolheu fazer deste sítio o seu presente. Histórias como a de Edina Cardoso, que, há alguns anos, recebeu o título de Imigrante de Sucesso, em Belmonte, a 20 kms da Covilhã. A vila, terra natal de Pedro Álvares Cabral, navegador português que descobriu o Brasil, promove este evento sociocultural com a ideia de estreitar os laços entre os povos, mas, para Edina, significou bem mais que isso. A esteticista de 46 anos já está em Portugal há 17. O marido, dentista, sonhava seguir carreira aqui. Um dos três filhos acabara de descobrir um problema de saúde. “Portugal era, então, a oportunidade de começar do zero junto com a minha família”, explica. Ela veio na frente, junto com o marido. Os filhos vieram alguns meses depois. O primeiro destino foi a Guarda, 40 kms mais a norte e a mil metros de altitude. Mas lá, além do frio, encontraram também uma adaptação difícil: “No Brasil eu morava em uma cidade do interior [Porto Rico, no Paraná], achei que não ia estranhar tanto, mas aqui a cabeça das pessoas é completamente diferente, mais fechada. Nossas culturas são muito diferentes. Minhas roupas, o jeito brasileiro de me expressar, mais espontâneo, eu via que tudo gerava um desconforto. Até meus filhos sofreram na escola”, lembra Edina. Foi novamente a profissão do marido que mudou o rumo da família Cardoso. Com uma clientela cada vez maior no Fundão, 15 kms a sul da Covilhã, do que na Guarda, há sete anos escolheram então a cidade onde fica a UBI para chamar de lar. “Ser uma cidade universitária faz toda a diferença na Covilhã, a mentalidade é outra. Tem muitos estudantes de outras terras, muita gente de outras nacionalidades. Chegar aqui e me sentir acolhida já foi algo que eu sinto que se trabalhou nas pessoas por esse contato com o mundo acadêmico”, comemora a esteticista. Hoje, Edina já não é mais “a esposa do dentista”, título pelo qual era conhecida na Guarda. Investiu na própria carreira e tem os próprios clientes. A Covilhã não foi a primeira opção quando veio do Brasil para Portugal, mas acredita que será a última: “Aqui eu tenho um nome, tenho amigos, tenho muitas clientes que passaram a ser amigas. É muito bom para trabalhar, para criar os filhos, o trabalho é gratificante, não me falta nada. Hoje eu sou uma pessoa completamente dividida. Quando vou ao Brasil, sinto falta daqui. Quando estou aqui, sinto falta de lá”. O título de Imigrante de Sucesso veio apenas corroborar um sentimento que Edina já tinha: “Eu admiro muito nós, imigrantes, é preciso muita coragem para sair do seu país e enfrentar todas as dificuldades de um país diferente”. Crescer e multiplicar De acordo com o Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, uma grande parcela dos brasileiros que desembarcam em Portugal atualmente é de pessoas com nível de instrução alto e poder aquisitivo, que utilizam os recursos criados pelo governo português para atrair imigrantes, mas, sobretudo, para atrair capital. Segundo uma pesquisa elaborada pela consultoria imobiliária inglesa Athena Advisers, a concessão de Vistos Gold a brasileiros cresceu 222% no último ano. Lançado em 2012, além do direito de morar em Portugal, o visto de investidor dá aos cidadãos estrangeiros o direito de viajar livremente por outros países da União Européia, além de conceder cidadania portuguesa após seis anos e residência a familiares. Para conseguir o Visto Gold, é necessário, além de outras burocracias, comprar um ou mais imóveis no valor mínimo de 500 mil euros, transferir pelo menos um milhão de euros em investimentos no mercado financeiro ou abrir um negócio que gere ao menos 30 postos de trabalho no país (clique aqui para conhecer melhor este e todos os outros tipos de vistos para Portugal). Mas e quem veio antes de 2012 e conseguiu tudo isto sem os benefícios de um Visto Gold? É o caso da brasileira Rosanne Martins, 43, que começou a escrever sua história com Portugal quando veio de férias com a mãe em 1997. Hoje, mais de 20 anos depois, está no segundo casamento, tem uma empresa com mais de 100 funcionários, dois filhos e uma vida estável. Para chegar nesse ponto, Rosanne precisou descobrir que já não pertencia ao local onde nascera. “Morava no Porto já há dez anos e tinha um padrão de vida ótimo, mas vi meu mundo desabar em 2007. Meu marido trabalhava no Alentejo e um dia descobri que ele tinha outra pessoa lá. Veio um divórcio difícil. Passei muita dificuldade, porque uma mulher brasileira, solteira, nova e bonita, modéstia à parte [fala entre risos], sofre muito. Minhas amigas se afastaram, os casais amigos se afastaram”, recorda ela. Sozinha numa terra que não era a sua, ou que, até então, ela achava que não era, voltou ao Brasil. Por um ano tentou se readaptar à terra natal, mas nem ela era a mesma nem o país que deixou estava igual. Desistiu. Voltou para Portugal em 2008 para recomeçar do zero. Em 2010 conheceu o atual marido e, juntos, construíram na Covilhã o patrimônio e a família que têm hoje. “Minha vida aqui foi de altos e baixos, mas nunca mais me adaptei nem quero me adaptar ao Brasil. Amo o Brasil, mas só para férias, viver nunca mais. Meu lugar é aqui”, sentencia ela, com a voz embargada. Nem tudo é ouro Até o final de 2017, 451 cidadãos do Brasil detinham o Visto Gold português. Uma minoria. Com menor poder aquisitivo, o que a maioria enfrenta são demoras para atendimento no SEF, promessas frustradas de trabalho e até rejeição. "Eu senti um pouco de receio dos portugueses com os brasileiros, uma resistência, não sei. Eu até entendo e acho que isso não é só aqui, acho que é em qualquer cultura. Quem não vai ficar com receio de receber alguém que não conhece dentro da sua casa?”, diz Valdo Sá, de 41 anos, que deixou Pernambuco e chegou em março passado à Apúlia, no litoral Norte de Portugal. Para Valdo, o que está havendo é uma ilusão. "Estão vendendo a ideia de uma coisa que não é a realidade. O que não falta no Brasil são matérias fazendo propaganda de Portugal, mas só mostram as coisas boas, não explicam as dificuldades. e então, tem gente vindo pra cá sem nem entender como funciona a migração aqui”, diz. Paula Fontainhas, funcionária do SEF de Castelo Branco corrobora a afirmação de Valdo. "Ainda notamos um pouco de desconhecimento quanto à documentação e ao mercado de trabalho, mas isso não é só com os brasileiros”, concorda ela, confirmando que a falta de informação é um problema. Valdo veio com o sonho de abrir caminho para a família, buscar uma melhor qualidade de vida. "Eu estava desempregado no Brasil e claro que precisava ganhar dinheiro, mas meu foco maior era no lazer, educação, saúde, tudo que é muito deficiente por lá e que eu queria proporcionar pro meu filho”, explica. "Vim com uma promessa de trabalho em Apúlia totalmente fora da minha área, mas que me parecia boa. Em pouco tempo descobri que não era nada do que diziam. Tentei a Covilhã porque tenho amigos aqui, mas a concorrência é grande porque tem muito estudante”, diz ele já com passagem de volta marcada antes que seu visto de turista expire. O que Milay, Edina e Rosanne têm em comum? Histórias de uma adaptação difícil, mas de resiliência e obstinação. “Minha experiência cá em Portugal foi vir para uma aventura e viver uma aventura a cada dia. Mas eu faria tudo de novo, porque eu vejo que me tornei uma pessoa melhor, não só pra mim, mas pro mundo. Tenho mais consciência de quem eu devo ser como pessoa”, sentencia Milay. A experiência de Valdo não foi tão positiva, pelo menos por enquanto. “Isso não é uma desistência, é apenas um freio de arrumação. Vou me organizar pra voltar com tudo legalizado e ainda vou ser muito feliz aqui, você vai ver”. O que fica é a certeza de que, quem passa pela Covilhã, deixa um pouco de si e leva um pouco daqui. Tal como o fado anuncia, “Covilhã, és novo tempo”! |
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