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Os dias de “guerra” dos enfermeiros no hospital da Covilhã
Mariana Leitão · quarta, 12 de maio de 2021 · A 12 de maio celebra-se o dia Internacional do Enfermeiro. Como forma de homenagear e compreender o trabalho destes profissionais, o URBI esteve a conversa com António Bandarra e Cristiana Mangana, enfermeiros no Hospital da Covilhã, para perceber as suas rotinas de “guerra”, em um dos momentos mais difícil para a humanidade. |
"Tinha medo e ansiedade, não conseguia dormir" |
22017 visitas A pandemia afetou todos os setores, mas a saúde foi sem dúvida o mais afetado. Numa conversa com António Bandarra e Cristiana Mangana, enfermeiros no Hospital da Covilhã (CHUCB), foi possível compreender a importância do papel que esses profissionais desempenham na linha da frente do combate à mais grave crise epidemiológica dos últimos 100 anos. Os enfermeiros tem vários focos importantes na pandemia, reconhece António Bandarra. O primeiro, é a responsabilidade de ensinar a população, comunicar de que forma se podem prevenir da doença e desmistificar alguma desinformação que o pânico acabou por criar. “O enfermeiro tem um papel extremamente importante no combate à Covid-19, mas também na pós-pandemia, estando sempre na linha de frente”, afirma a enfermeira Cristiana Mangana. Estes profissionais recebem os doentes, são os responsáveis por organizar os circuitos no hospital e nos centros de saúde de forma a garantir o mínimo de contacto entre pessoas. António Bandarra enfatiza a importância dos enfermeiros da saúde 24 que trabalharam no rastreio da doença, na orientação das pessoas e nos serviços de urgência para que não ficassem saturados com doentes não urgentes. Além disso, o enfermeiro destaca que sempre houve a preocupação com a qualidade dos cuidados a distancia e com a recuperação dos doentes. “Os doentes que chegaram a nós precisavam principalmente de oxigénio, análises e testes de despistagem”, tarefas desempenhadas pelos enfermeiros e as mais comuns neste período pandémico, explica António Bandarra. Acrescenta ainda que as pessoas em cuidados intensivos necessitam de mais at4enção e que a atuação de uma equipa multidisciplinar “de extrema importância, permite que o resultado seja bom”. Segundo o profissional de saúde, muitos enfermeiros ficaram infetados com a Covid-19 e muitas equipas ficaram desfalcadas, o que originou “excesso de trabalho e diminuição do número de trabalhadores”. Nos serviços de internamento, criaram-se as unidades COVID e houve uma redistribuição dos enfermeiros. “Algo bastante difícil porque foi preciso reajustar as equipas, trabalhar com pessoas com quem nunca tinha trabalhado e foi preciso mudar serviços, doentes, equipamentos, ou seja, toda a logística de forma a garantir que noutro espaço físico se pudessem, de uma forma mais segura, criar estas unidades”, lembra António Bandarra. Cristiana Mangana, fez parte destas novas unidades COVID criadas quando o número de casos aumentou consideravelmente no concelho da Covilhã, no inicio de janeiro. Naquela altura, “houve a necessidade de vários serviços Covid no CHUCB. O serviço de Medicina 2, onde trabalho, converteu-se no Serviço Covid 4, durante cerca de um mês”, conta a enfermeira. Em pesquisa constante A pandemia por Sars-Cov-2 obrigou os profissionais da enfermagem a pesquisar e a atualizar-se, quase diariamente, por se tratar de um novo vírus. Cuidar do doente infetado tornou-se um desafio. Foi preciso conhecer o novo coronavírus, como se transmite, os seus sinais e sintomas e o seu tratamento. Cristiana conta que “foi preciso adaptar os serviços à realidade que se estava a viver, definir circuitos, saber vestir e despir corretamente equipamentos de proteção individual, mudar a metodologia de trabalho”. Já António acredita que, nem tudo foi mau. Houve um grande impacto na formação dos enfermeiros que passou a ser a distância, usando as ferramentas digitais. “Nunca foi tão fácil ter formação como hoje, normalmente era preciso ir a Lisboa, ou a Madrid para aprender coisas novas. Hoje, ligamo-nos à Sociedade Europeia de Cuidados Intensivos e conseguimos obter informação mais rápido”. Nesta nova realidade, é difícil lidar com o distanciamento social, a pressão e a preocupação com o bem-estar pessoal e da família. António viu estes sentimentos acentuados e relembra ter achado “inacreditável”. Casado com uma enfermeira, e estando ambos no ativo, conta que “inicialmente o medo era tanto que enviamos os nossos filhos para casa dos nossos pais”. As crianças estiveram a viver com os avós mais de um mês. As dinâmicas de família mudaram completamente e o encerramento das escolas foi também uma situação complicada. O mesmo aconteceu com a enfermeira Cristiana Mangana que sente que “a profissão exigiu muito mais de mim neste período, para além do medo e ansiedade que estava a viver”. Confessa ainda que “no início não foi nada fácil. Tinha medo e ansiedade, não conseguia dormir. Medo de não saber equipar e desequipar-me corretamente, de me infetar e, principalmente, poder infetar quem vivia comigo, como a minha filha. Se acontecesse, nunca me perdoaria”. O enfermeiro António Bandarra partilha do mesmo sentimento, mas admite que o “conhecimento ajuda-nos a estar mais seguros dos nossos cuidados” e com equipamento de proteção individual. Com o passar do tempo, foi possível ganhar confiança e tornar a equipa mais coesa. “Chegamos a um ponto em que tudo já é normal e é só mais um dia na nossa vida de trabalho”. Os primeiros doentes Covid “O primeiro doente nunca se esquece”, António relembra o dia em que, pela primeira vez “teve de vestir aqueles fatos todos e iniciar aqueles procedimentos que já tínhamos lido, mas que nunca tínhamos feito”. Nesse mesmo dia, dormiu na garagem enquanto não soube i resultado do teste de despistagem do doente suspeito. Só quando o teste deu negativo “é que eu entrei em casa”, confessa o enfermeiro. De acordo com Cristiana, sem receber visitas da família, “cada palavra de apoio, cada videochamada, era de grande valor para o doente não de sentir sozinho” Houve muitos agradecimentos por parte dos familiares nas redes sociais e isso é extremamente compensador, refere a enfermeira. Cristiana define a profissão como "gente que cuida de gente". Para ela, ser enfermeiro é “ser um profissional de saúde resiliente, integrado numa equipa multidisciplinar, habilitado a prestar cuidados de enfermagem, a promover, a manter e a restabelecer a saúde das pessoas”. Para António Bandarra, ser enfermeiro é, as vezes, por de lado o próprio bem estar para privilegiar o bem estar dos outros. “Os enfermeiros fazem muita coisa para alem de dar injeções”. António Bandarra, falou ainda do dia em que foi vacinado como “o marco importante” que permitiu aliviar o peso da doença, embora mantendo todos as medidas de precaução. Acredita que, passo a passo, vai ser possível retomar uma melhor qualidade de vida. |
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