URBI: Como foi o Natal em Mueda?
João Azevedo: Nunca mais me esqueci desse Natal. Foi o único Natal totalmente diferente da minha vida. Era calor e já por isso se vê a diferença que existe. Neve não há! O Natal lá é feito à meia-noite… Eu fui convidado por umas senhoras que conhecia e festejou-se com um chá e bolinhos… Era um Natal em que cada um a certa altura vai para seu lado. Pode-se dizer que lá não há festa de Natal, não há festa de família como nós fazemos aqui. Lá não há prendas, lá não há nada. Há um convívio mas é pouquinho.
URBI: Que memórias tem de Mueda?
JA: Mueda era o coração da guerra em Moçambique. Era Mueda e Cabo Delgado. Era pior que a própria Guiné. Moçambique era outra coisa. Era só aquele cantinho onde havia guerra, só que depois de uma operação que foi feita a guerra espalhou-se a outros pontos. A vida de hoje não é aquela que nós tivemos há 40 anos enquanto estivemos no Ultramar.
URBI: Esteve no mato?
JA: No mato, mato nunca estive. A minha vida se calhar ainda era mais perigosa do que essa, era de picada. Picada são aqueles caminhos que não estavam alcatroados e naquela altura era tudo por caminhos de picada. E as picadas lá têm muito areal, então era muito fácil chegar e montar uma mina. Houve uma altura em que era um terror, era um pânico ser destacado para ir fazer uma coluna. Eu cheguei a fazer colunas de cem a cento e tal viaturas. Já com os abastecimentos estas eram mais pequenas. Nós comíamos de 15 em 15 dias comida fresca. Aquilo dava bem para vários dias. Isto para dizer que, apesar de não ter estado no mato como eles estavam, sentia o mesmo problema, o problema da conservação da comida.
URBI: Passou fome?
JA: Nunca passei fome. E se passava era porque tinha comido três dias antes e passava um ou dois dias a comer conservas.
URBI: Qual era a sua companhia?
JA: Não estive em companhia nenhuma, eu fazia parte do Esquadrão de Cavalaria 2. Enquanto uma companhia era formada por homens, guardas… um esquadrão era composto por viaturas militares de escolta, por isso é que nós andávamos na picada. Nós é que fazíamos a estrada.
URBI: Esta passagem da sua vida influenciou-o em algum momento?
JA: Sim, quando vim passar o segundo Natal a Portugal. Num dia de manhã recordo-me que tocou a sirene das fábricas de lanifícios da Covilhã e eu fui logo à procura da arma! Vinha "cacimbado". Chamava-se cacimbados aos militares que já não batiam bem da bola.
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