Iniciou-se na actividade com 14 anos de idade, corria o ano de 1961. “Não fui obrigado a ir, naquela altura era o ofício da terra”, diz José Varandas. Ia sozinho para o negócio, apesar da tenra idade “não tinha medo”. De vez em quando era acompanhado por António Costa, um tio já idoso que lhe pedia ajuda. Dentro dos concelhos da Covilhã e do Fundão, o meio de transporte por si utilizado “eram as próprias pernas. Só mudava quando aparecia uma boleia, o que era raro, os carros que existiam eram poucos”.
Também foi trabalhar para o distrito da Guarda, nomeadamente mais para Norte, para os concelhos de Figueira Castelo Rodrigo e Foz Côa. Quando ia para Figueira, apanhava o comboio em Alcaria até à Guarda, e depois da Guarda ia de camioneta até lá. “O concelho de Figueira corri-o todo a pé, conheço aquilo tudo, sempre a pé, para um lado e para o outro”, relata José Varandas. Mais complicado era ir para Foz Côa, tinha que ir de comboio até Vila Franca das Naves, depois de camioneta até onde desse, e o resto a pé, “até chegar ao destino”.
Quanto ao alojamento, a grande maioria das vezes “dormia em palheiros, muitas das vezes acompanhado dos animais ali residentes”, o que se tornava difícil, dado o barulho que estes faziam. “Uma vez, em Figueira Castelo Rodrigo, dormi num palheiro onde estava também uma burra, fazia muito barulho, estava com gases, ninguém pregava olho, todo a noite a rir por causa da burra” recorda José Varandas. Numa outra ocasião, em São Romão, teve que descansar “junto a uma porca que tinha acabado de parir 12 leitões”, nas duas noites que ali passou, não conseguiu dormir. No tocante à alimentação, por vezes era difícil arranjar comida, dinheiro havia, mas não havia nada para comprar. Chegou a andar por fora duas semanas sem vir a casa. O contacto com a família era feito pelo telefone, nos sítios onde existiam postos públicos. “Quando ia telefonar para casa de Foz Côa, era um atraso de vida, a ligação tinha que ir a Bragança, depois para o Porto e só depois é que ia ter ao posto público da terra, estava ali toda a vida à espera” relembra José Varandas.
As “ferramentas” que utilizava na sua profissão eram a balança romana e o saco às costas. A balança para pesar o material, o saco para embalar as coisas. O método utilizado para anunciar a sua presença nas aldeias era muito simples, entrava pelas ruas adentro e apregoava “Peles de coelho, ó farrapos, ó metal, ó cobre, ó chumbo, ó zinco, ó alumínio, que se compra essa tralha toda” e as pessoas vinham às portas. O negócio que fazia era sempre a dinheiro. Sabe que na altura havia outros que trocavam material por alfinetes e agulhas, mas ele comprava a mercadoria sempre a dinheiro. O seu lema era o de “oferecer sempre um valor por baixo, era a falar sério mas era ao contrário, não se pode pagar mais” explica José Varandas.
Para além dos materiais antes referidos, também chegou a comprar “lenticão” – cravagem do centeio (excrescência nas espigas do centeio), o qual depois era aproveitado para fabrico de medicamentos, assim como o sarro (substância sólida que o vinho e outros líquidos deixam no fundo, aderentes às paredes da vasilha que os contém), para o fabrico de produtos químicos, “deitava um cheiro espectacular esse material, até desentupia logo o nariz, os que faziam as limpezas das vasilhas afrontavam-se, saiam de lá bêbados” refere José Varandas. O material que conseguia arranjar, se não o pudesse trazer consigo, era armazenado e depois transportado para a freguesia em camionetas, onde se fazia a sua separação, para ser vendido aos armazenistas existentes na localidade.
Os habitantes dos locais por onde passava o farrapeiro, aproveitavam-se da sua figura, para muitas vezes meterem medo às crianças que se portavam mal, ou “não queriam comer a sopa”. Falavam do homem do saco e diziam-lhe quando ele aparecia “Ó Ti farrapeiro venha cá, leve lá este garoto”, mas ele quando isso sucedia respondia-lhes, “não vou lá, não quero que metam medo aos garotos”, esclarece José Varandas.
Nos sítios onde passava com o saco às costas, logo diziam as pessoas, “lá vem o farrapeiro do Dominguizo”. Em 40 anos de profissão, nunca foi maltratado em lugar algum ou provocou quaisquer desacatos, antes pelo contrário, “sítios onde vou passados estes anos todos, ainda sou reconhecido e bem tratado” confessa José Varandas. Casou, constitui família, continuou no “negócio”. Entretanto os preços dos materiais que comercializa, dado a conjuntura económica desfavorável, desvalorizam bastante e viu-se obrigado a abandonar a vida de farrapeiro ao fim de 40 anos de profissão. Consegue emprego no Dominguizo, numa firma de distribuição de produtos alimentares, onde trabalhou durante 12 anos.
Actualmente, José Varandas, está reformado e vive o seu dia-a-dia no Dominguizo, vai cultivando a sua horta, jogando às cartas no clube, mas ao fim destes anos todos ainda conserva consigo algum do material que guardou e não vendeu para não perder dinheiro, “ainda lá tenho muita tralha, e quando vejo alguma coisa por aí abandonada e que sei que tem valor, o bichinho está cá dentro, trago-a comigo, vou guardando e se calhar qualquer dia vendo tudo”, afirma José Varandas. Fica o retrato de uma das profissões mais antigas da freguesia do Dominguizo, que presentemente já não existe, subsistindo ainda alguns sucateiros os quais estão a ser deslocalizados, dado não terem condições na freguesia para exercerem tal actividade.