... No princípio era o
movimento (Parte II)
POR PEDRO JESUS
A segunda semana dos Encontros
de Dança da Covilhã trouxe consigo dois espectáculos
que mantiveram o nível de qualidade da semana inicial
e trouxe igualmente uma maior afluência de público.
No total foram quatro espectáculo com coreografias muito
distintas, mas unidas pelo mesmo género-mãe: a
dança. E como nestes eventos é da praxe traçar
um balanço, acrescido o facto de se tratar de uma primeira
edição , ficam também registadas as considerações
da organização.
O dia 16 de Maio trouxe à
Covilhã o Ballet Contemporâneo do Norte, uma companhia
que, embora sediada em Estarreja, conta com um corpo de elementos
marcadamente cosmopolita. A esta situação não
será alheio o facto de, aquando das audições
para a constituição da companhia, estas terem
sido realizadas em várias cidades europeias.
A actual formação da companhia estreou-se precisamente
com "O reverso do passado", o espectáculo apresentado
no Cine-Centro, e que encontrou um fio condutor nos contos de
fadas que todos conhecemos.
Assim que o público entrou na sala com vista a ocupar
os seus lugares, logo foi confrontado com os seis intérpretes
em palco, preparados para levar a cabo a sua missão: sem
contemplações, mover-se até à exaustão.
Durante uma hora, os intérpretes, colectivamente ou como
focos de movimento, construíram teias de gestos. E como
é de dança contemporânea que se fala, é
notório que não se busca a harmonia convencional
(muitas vezes presencia-se até a sua negação),
procura-se antes o esplendor dos gestos, alcançado através
da honestidade e do imediato, até porque estar em palco
é uma criação contínua.
Assumidamente o espectáculo mais ligado a uma postura
contemporânea de tratar a dança, "O reverso
do passado" agradou aos presentes graças ao naipe
de bons intérpretes e à componente cénica
apresentada.
Apagarmo-nos... para sermos
de novo
Para o último dia destes
primeiros Encontros de Dança estava reservada a maior
afluência em termos de público, conseguida em parte
devido à publicidade promovida por quem já havia
presenciado outros espectáculos incluídos nesta
"mostra" de dança.
"Delete", apresentado no dia 18, foi o veículo
para mostrar a técnica e mesmo a capacidade dramática
de Martinho Silva, o único ser que habita o cenário.
Cenário esse composto por vários elementos que
levam a crer que o intérprete irá realizar uma
ou várias viagens. Estas e outras suspeitas vão
sendo confirmadas ao longo dos 50 minutos de espectáculo.
Porém esta viagem, muito além de física,
é fundamentalmente emocional, porque presenciamos o rumo
de alguém que parece não andar à procura
de outra coisa que não de si próprio. E esta busca
irá levá-lo a "encarnar" uma infinidade
de personalidades, que se vão apagando gradualmente quando
se encontra uma nova forma de estar. Ainda que esta interpretação
seja extremamente pessoal (o espectáculo é para
ser sentido, não para ser explicado), certezas também
as houve, as quais passaram pela capacidade de transfiguração
de Martinho Silva, pela aposta ganha no cenário e na conversão
de elementos do quotidiano na coreografia e ainda pela criteriosa
banda sonora, uma extensão da(s) personalidade(s) do intérprete.
O balanço
No final dos Encontros de Dança
da Covilhã era já possível traçar
algumas considerações relativas à primeira
edição do evento. Rui Sena, director do GICC -
Teatro das Beiras e responsável pela organização
garantiu que o "saldo é positivo", quer pelas
400 pessoas que passaram pelos quatro espectáculos, quer
pela unanimidade do público relativamente à qualidade
desta "mostra" apresentada no Cine-Centro.
Quanto a futuras edições deste evento, Rui Sena
confirmou que se pretende dar continuidade a estes Encontros
de Dança, sendo a dança contemporânea a área
a que se pretende prestar uma maior visibilidade.
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