Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves




Urbi – A UBI lidera, de forma destacada, o número de vitórias do Prémio Secil, um galardão atribuído por entidades independentes aos melhores projectos de engenharia civil. Isso deve-se aos métodos de ensino ou aos alunos?
Victor Cavaleiro –
É o resultado desses dois factores. Na UBI temos a sorte de juntar duas vertentes: bons professores e bons alunos, daí a nossa vitória em vários prémios.

U@O – Estas actividades “extra-curriculares” são formas de construir ligações mais fortes entre os estudantes e a UBI numa altura em que o número de alunos na área decresce?
V.C. –
Não tem havido uma grande divulgação do Departamento em geral e dos prémios que se têm conseguido ganhar, em particular. Divulgação que, na minha perspectiva, deveria incidir sobre o Ensino Secundário, para que os alunos deste nível de ensino conheçam as potencialidades da UBI. A divulgação é feita a nível interno e noutras Universidades e instituições, mas nas escolas do Ensino Secundário da região deveria ser mais acentuada. É de salientar que para ganharmos estes prémios foi necessária a acreditação do nosso curso pela Ordem dos Engenheiros. Se conseguirmos passar a informação de que o nosso curso é dos poucos a nível nacional que está acreditado pela Ordem isso irá diferenciar-nos dos demais.

U@O – Mas o decréscimo de alunos nesta área é cada vez mais acentuado.
V.C. –
Começa a ser uma constante no panorama nacional e aí a UBI não é uma excepção à regra. Este ano verificou-se um decréscimo de alunos em quase todas as instituições do País. Ficaram de fora destas contas o Instituto Superior Técnico em Lisboa e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
Ainda que tenha existido alguma melhoria em relação às rodovias, para Lisboa, isso não se verificou no que diz respeito a Coimbra e Porto. No domínio das acessibilidades a interioridade paga-se, sendo óbvio que os alunos preferem ficar mais perto das suas residências. Temos estudantes de todos os pontos do País, incluindo das ilhas, com uma maior percentagem a vir do Norte. Com o aparecimento de novas escolas quer privadas quer públicas, a surgirem no contexto nacional, o panorama fica um pouco mais complicado.




"Este curso sofreu processos de evolução e de acreditação muito grandes"

U@O – Neste momento, o curso funciona num pólo recente da UBI. As necessidades lectivas e de investigação do Departamento estão já resolvidas?
V.C. –
Este curso sofreu processos de evolução e de acreditação muito grandes. Neste momento temos 50 por cento do corpo docente doutorado e continuamos a acentuar a tónica da formação aos nossos docentes. No que respeita às infra-estruturas também houve uma grande evolução. Somos dos Departamentos de Engenharia Civil do País com melhores laboratórios. O nosso ensino tem uma componente prática muito forte e importante, mas longe de estarmos satisfeitos. Quando surgem novos projectos, esses implicam quase de forma obrigatória a criação de novas instalações. Ainda mais quando esses projectos são de grande envergadura. Neste momento posso dizer que estamos a ficar com o espaço de infra-estruturas destinado ao curso um pouco congestionado. No caso concreto do projecto E-Learning que comporta alguma envergadura estamos a ficar com pouco espaço disponível para os vários investigadores. Este e outros projectos, assim como a vinda do novo curso de Arquitectura obriga-me a repensar novos espaços dentro do Departamento.

U@O – No último Fórum Pedagogia, os alunos do curso referiram que existem disciplinas que decorrem em salas de aula lotadas. Quais as medidas que o Departamento está a tomar para mudar essa situação?
V.C. –
Esses factores são mais visíveis em cadeiras do primeiro ano. Nessa altura, as cadeiras, sobretudo de matemática e de física, são de índole geral e como fazem parte do tronco comum das outras engenharias têm sempre um número elevado de alunos. Contudo o panorama tem vindo a melhorar substancialmente. As queixas dos alunos são sempre de louvar e de ter em linha de conta uma vez que denotam a participação e preocupação destes. Mas com estas instalações os alunos têm reunido todas as circunstâncias para poderem tirar o máximo partido destes espaços e poderem evoluir com normalidade nos seus trabalhos.

U@O – Foi o primeiro doutorado em Engenharia Civil, pela UBI. Na época referia que esta área iria ser “de excelência” na instituição. Passados alguns anos pode falar-se nessa “excelência”?
V.C. –
Pertenço à geotecnia e dentro desta área a UBI tem um grupo muito forte. Disso é exemplo a minha tese de doutoramento. Com esse estudo dei um grande salto na cartografia geotécnica portuguesa. Uma vez são muito poucas as cidades portuguesas que têm uma carta geotécnica. Lisboa está a fazê-la e o Porto tem essa carta há bem pouco tempo. A minha tese de doutoramento, entre outras coisas, representa a carta geotécnica da cidade da Covilhã. Neste domínio, há três escolas fundamentais em Portugal e a UBI pertence a esse grupo. A escola de Aveiro é muito importante nesta temática com os contributos dos professores Fernando Ladeira, Ferreira Gomes e outros, assim como a escola da Universidade Nova de Lisboa, com os trabalhos orientados pelo professor Rodrigues Carvalho e outros. De entre elas, e em relação à cartografia geotécnica, a UBI caminha paralelamente quer no contexto nacional quer internacional.


"A UBI está presente em todas as grandes obras da região"

U@O – Ainda assim os estudos e as ideias que têm origem nas Universidades são, na maior parte das vezes, esquecidas pelas autarquias…
V.C. –
Quando o fenómeno é novo, as pessoas tendem a ser um tanto ou quanto cépticas. Se eu tentar mostrar a carta geotécnica da Covilhã aos responsáveis pela edilidade eles não sabem o que é, logo mostram-se cépticos. Mas hoje verifica-se que é fundamental o uso de um suporte deste tipo numa cidade que quer crescer com um plano orientador dos planos directores municipais. Este ramo da Engenharia Civil tem importância se for de encontro às actividades humanas, caso contrário, não vale a pena executá-lo.

U@O –Uma recomendação do júri das provas apontava para este documento ser orientador do Plano Director Municipal. Isso chegou a acontecer?
V.C. –
Não chegou a acontecer precisamente por este cariz inovador que foi introduzido. Uma tese de doutoramento tem sempre algo de novo e como é inovador, as edilidades mostram-se algo cépticas e alheias. Tenho sido extremamente solicitado para resolver problemas geotécnicos de Norte a Sul do País. A UBI, com este grupo de geotecnia está presente em todas as grandes obras que decorrem na região. Acompanhamos a construção das barragens do Sabugal e Miranda do Douro, do túnel de transvase entre a barragem do Sabugal e a barragem da Meimoa, acompanhamos de muito perto, ao nível geotécnico toda a complexa rede de canais que constitui o Regadio da Cova da Beira e estamos a monitorizar um troço da A23, medindo três parâmetros fundamentais que são os da qualidade do ar, das águas superficiais e subterrâneas e também o ruído. Para tudo isto investimos muito e contamos actualmente com equipamento que muito poucas Universidades têm, como é o caso de uma estação móvel que veio dos Estados Unidos da América e da França, que nos permite, ao longo da A23 (ou do País) monitorizar qualquer um dos parâmetros enunciados em qualquer ponto. Tivemos de investir em equipamento muito honoroso e de topo que serve para monitorizar estes três parâmetros. Neste domínio estamos a trabalhar com um equipa composta por docentes dos Departamentos de Electromecânica, de Química e de Engenharia Civil. Todo este leque de especialistas, cerca de 12 pessoas, fez com que o trabalho desenvolvido na análise do troço inicial fosse muito bem acolhido pelos responsáveis pela auto-estrada e daí que a partir do início do próximo ano passemos a monitorizar toda a extensão da A23.

U@O – Como vê o crescimento urbano da Covilhã?
V.C. –
No que diz respeito à ocupação dos solos e à forma como esta está a ser feita, vejo este crescimento com alguma preocupação. Mas não quero expressar a minha opinião pessoal sob a forma como a Covilhã está a crescer. Sinto-me satisfeito por constatar que a Covilhã está a crescer bastante, com a nova Faculdade de Medicina, com o Parkurbis e outras estruturas. De entre as cidades do interior reconheço que a Covilhã está a crescer substancialmente mais que as outras cidades. Quanto à forma como tudo está a evoluir remeto a responsabilidade para os políticos. Apenas demostro alguma preocupação em questões de ordenamento do território. Questiono-me se existirá o mesmo índice de crescimento ao nível das acessibilidades e de outras infra-estruturas a acompanhar a expansão da cidade.
Lembro-me que entreguei em mãos um estudo sobre as tipologias de ligações da Covilhã a Coimbra ao então primeiro-ministro, o engenheiro António Guterres, estudo esse que foi enviado ao Instituto de Estradas de Portugal (IEP) e depois foi acabar nos gabinetes de uma empresa conhecida, mas todo o processo terminou ali.




"Faço questão de ter projectos conjuntos com escolas nacionais e estrangeiras"


U@O – E o que referia esse estudo?
V.C. –
A importância e urgência de uma boa ligação rodoviária a Coimbra, recorrendo a túneis na Serra da Estrela. Esta solução prevê a ligação de localidades vizinhas, como a Covilhã, Manteigas, Seia e Gouveia. A solução dos túneis é a melhor, em termos ambientais e em muitos outros. É impensável que os transportes de veículos pesados atravessem o maciço da Estrela em tempo de neve. Isso comporta riscos que no caso dos túneis são suprimidos. Isto para no caso de transportes de mercadorias, quanto a pessoas, imagine-se alguém que precisa de ser evacuado com urgência para o Hospital Universitário de Coimbra, o que é que acontece, vai pelo maciço da serra em tempo de neve? Com os túneis, essas situações ficariam resolvidas. O estudo que foi feito pela UBI aponta para a construção de um troço que liga a Covilhã a Manteigas em menos de 20 minutos recorrendo a um túnel que passa a norte da cidade e vai sair no vale do rio Beijames. Nesse mesmo documento existe também uma outra solução que tem como base a actual ligação através da estrada das Pedras Lavradas. Com um túnel de 800 metros construído a céu aberto entre Alvoco e Unhais da Serra conseguimos retirar 38 quilómetros ao actual percurso de 160, o que numa estrada com aquela tipologia é um ganho bastante considerável. Outro aspecto importante diz respeito às acessibilidades entre a Covilhã a outros concelhos limítrofes como é o caso do Sabugal.

U@O – A construção e a concepção das cidades são também aspectos ligados à arquitectura. A UBI tem uma licenciatura dessa área a funcionar há três anos. Quais são os primeiros resultados?
V.C. –
Esta licenciatura é uma mais-valia para a Universidade e para a região. As câmaras municipais, e não são tão poucas quanto isso, têm, na sua maioria, apenas um arquitecto. Com a abertura deste curso estamos a formar profissionais para todas estas instituições e também para o sector privado, o que até aqui não acontecia. Um estudo feito na altura da criação da licenciatura demonstrava que este tipo de profissionais se encontravam concentrados, grosso modo, nas áreas de Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal. Temos uma licenciatura que é diferente de todas as outras em virtude de estar ligada a uma escola de engenharia e também porque queremos fazer uma ponte com outras instituições, com o pilar central desta obra de arte, na UBI.
A título de exemplo, a Espanha, como país vizinho, tem das melhores escolas de arquitectura do mundo assim como a Polónia devastada com a guerra certamente possuirá os melhores técnicos de reconstrução da Europa.

U@O – Essa ligação a outras Universidades é para aumentar?
V.C. –
Faço questão de ter projectos conjuntos com escolas nacionais e estrangeiras assim como com grandes empresas. Devemos ter ainda outro parâmetro em atenção que é o da formação contínua, no qual estamos a apostar em força.


"A ligação a professores de outras escolas vai marcar estes alunos pela positiva"

U@O – Um curso desta natureza implica também criação e mudança nos espaços sociais envolventes. Como espera que os arquitectos da UBI modifiquem a Covilhã e não só?
V.C. –
O curso de arquitectura é longo, mas gostava de ver estes alunos colocados em locais onde possam rapidamente marcar a diferença, quer nos municípios quer nos gabinetes privados. A ligação a professores de outras escolas nacionais e internacionais vai marcar estes alunos pela positiva.

U@O – O Departamento integrou também uma acção de Luta Contra a Pobreza, reconstruindo e melhorando habitações. Essa experiência pode ser repetida?
V.C. –
O projecto foi coordenado pelo professor Castro Gomes e eu também estive nessa equipa. Foi um projecto maravilhoso que para além da componente de Engenharia Civil consistia em dar melhores condições de vida a pessoas que viviam em situações degradantes. Com a ajuda de um conjunto de pessoas conseguimos dar um contributo para existam melhores condições de habitabilidade. De futuro estamos abertos a integrar projectos desta natureza e outros similares.






Perfil



Victor Cavaleiro nasceu em Coimbra mas diz-se um beirão de corpo e alma. Grande parte da sua infância e adolescência foram passadas na Guarda. Da cidade mais alta do País recorda “os tempos de liceu”. Lisboa também “ocupou algum tempo na minha vida”, refere Cavaleiro.
A maior deslocação veio um pouco antes da Revolução dos Cravos. Entre a ida para uma ex-colónia portuguesa e a passagem à clandestinidade, num país europeu, Victor Cavaleiro optou pela segunda hipótese. Este “jovem irreverente e contrário à então política cega colonial” acabou por emigrar lembrando que “o antigo ditador ouvia muito, mas não via nada”. Paris foi o local onde esteve durante cinco anos. “Em vez de levar um banho colonial apanhei um banho cultural”, confessa Cavaleiro. Isto porque, “naquela altura Paris era mesmo a cidade das luzes, a cultura fervilhava em todos os aspectos e cantos da cidade”. Para além deste aspecto positivo, Cavaleiro guarda também memórias das “muitas dificuldades para conseguir a legalização como emigrante”.
Desses tempos, este homem das Beiras recorda “o bom cinema, a música, e todo um conjunto de aspectos vivenciais diferentes”. Foi ainda em terras gaulesas que tirou um bacharelato em Engenharia Mecânica. Uma graduação que também o ligou “à grande casa que é a Citröen francesa”. Através de um intercâmbio entre a Universidade onde estudava e uma fábrica de automóveis do construtor francês Victor Cavaleiro conseguiu a oportunidade de pôr em prática todas as matérias que ia aprendendo. “Esta simbiose entre as Universidades e as empresas, coisa que nunca pegou neste Pais, lá é trivial”, sublinha o responsável pelo curso de Engenharia Civil da UBI.
Regressado a Portugal, Cavaleiro obtém uma licenciatura e um mestrado pela Universidade de Lisboa, subordinado ao tema “Contribuição ao estudo dos recursos não metálicos da região da Guarda”. Teve as primeiras experiências como docente na Universidade Nova de Lisboa. A área de investigação do seu mestrado iria ser mais aprofundada com “uma pós-graduação em Ciências dos Materiais, na Universidade de Sevilha”. Antes de chegar à UBI, Cavaleiro passa ainda pelo Instituto Politécnico da Guarda, “Também como docente”.
Já na UBI é o primeiro doutorado por esta instituição em Engenharia Civil. Um dos mais visíveis resultados dessa tese é a carta geotécnica da cidade da Covilhã. Sobre a instituição onde actualmente preside ao Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura diz que “está muito bem”.
Em termos pessoais, Victor Cavaleiro confessa-se um apaixonado pelo futebol e um praticante de asa delta e parapente, “embora ultimamente não tenha praticado estas modalidades com a frequência desejada”.