.


.

 


Frederico Lopes


O Fascismo e a Filosofia

O deputado Orano fez na câmara fascista as seguintes declarações, a propósito do orçamento da Educação Nacional:
"A filosofia é uma fase já ultrapassada do desenvolvimento do homem e, como teoria do conhecimento, ela foi substituída pela sabedoria do "voluntarismo conquistador". A vida já não precisa de qualquer filosofia, porque ela não olha já senão para os fins a atingir. O filósofo é um tipo intelectual inferior... A realidade política do fascismo impõe o
imperativo categórico: ceder e obedecer... O novo italiano é o resultado duma selecção intelectual absoluta. O "Mussolinismo" é uma fé, e não se pode, diante desta fé, professar o agnosticismo. A Itália deve dar a si própria e ao mundo inteiro o espectáculo de salvar a humanidade que corre para a sua ruína. Entre os novos Italianos, Mussolini representa o tipo definitivo."

A semana passada, consultando os primeiros números microfilmados da revista Seara Nova, deparei, na edição de 27 de Março de 1930, com este texto inserido na rubrica "Factos e Documentos - Estrangeiro". O texto vinha assim, tal qual, sem comentários.
Eis um questão embaraçosa para a Comissão de Censura. Perante tal facto documentado, como encontrar argumentos para esgrimir o lápis azul do exame prévio? Como cortar citações dum deputado fascista, quando, em 1930, Mussolini era um bom exemplo, também para os governantes portugueses?
Quem conhece a Seara Nova sabe que a simples reprodução do texto, sem comentários, traz implícita nessa forma de silêncio a discordância e a repulsa pela posição do deputado fascista. E assim terá passado a mensagem para os leitores.
Mas, a minha intenção não é a de analisar o texto, de fazer dele uma aula de história, ou de o apresentar como figura de estilo. Ele provocou em mim o espanto e converteu-se, apenas, no pretexto para me interrogar, para nos interrogarmos, sobre a não existência de um curso de Filosofia na UBI.
E poderia ficar por aqui, sem mais comentários. Mas, nem o contexto é o mesmo, nem o silêncio seria revelador quanto baste, como aconteceu em Março de 1930. Pelo contrário, o silêncio, neste caso, permitiria múltiplas e perigosas interpretações (de qualquer modo, nunca estaremos livres delas e ainda bem). Mas esclareço:
Poderia pensar-se que estou a chamar fascista a todo e qualquer órgão de gestão de uma universidade que não tenha uma faculdade ou um curso de filosofia. Mas não estou!
Poderia pensar-se que estou a chamar fascista a todo e qualquer Estado cujo Ministério da Educação, ainda que por questões orçamentais, não aprovasse a criação de mais cursos de Filosofia. Mas não estou, não senhor!
Poderia, indo mais longe, pensar-se que estou a chamar fascista a todo e qualquer aluno que entenda, por exemplo, que os cursos de comunicação e outros congéneres são só filosofia. Mas não estou!
Poderia estar a chamar fascista a toda e qualquer sociedade que aceite que "a vida já não precisa de qualquer filosofia, porque ela não olha já senão para os fins a atingir." Ou, pior ainda, que desta aceitação faça a "sua filosofia de vida". Mas não estou!
Não estou para ninguém, e pronto!
Acontece é que, neste caso, recuso, em absoluto, o imperativo categórico de Orano.
Consegui partilhar a razão do meu espanto? É que sabem, acho pouco, acho mesmo muito pouco, indignar-me apenas com o que acontece na Caríntia.

Frederico Lopes






.

 Primeira Ubi  Covilhã  Região  em ORBita  Cultura  Desporto Agenda