O Fascismo e a Filosofia
O deputado Orano fez na câmara fascista
as seguintes declarações, a propósito do
orçamento da Educação Nacional:
"A filosofia é uma fase já ultrapassada do
desenvolvimento do homem e, como teoria do conhecimento, ela
foi substituída pela sabedoria do "voluntarismo conquistador".
A vida já não precisa de qualquer filosofia, porque
ela não olha já senão para os fins a atingir.
O filósofo é um tipo intelectual inferior... A
realidade política do fascismo impõe o
imperativo categórico: ceder e obedecer... O novo italiano
é o resultado duma selecção intelectual
absoluta. O "Mussolinismo" é uma fé,
e não se pode, diante desta fé, professar o agnosticismo.
A Itália deve dar a si própria e ao mundo inteiro
o espectáculo de salvar a humanidade que corre para a
sua ruína. Entre os novos Italianos, Mussolini representa
o tipo definitivo."
A semana passada, consultando os primeiros
números microfilmados da revista Seara Nova, deparei,
na edição de 27 de Março de 1930, com este
texto inserido na rubrica "Factos e Documentos - Estrangeiro".
O texto vinha assim, tal qual, sem comentários.
Eis um questão embaraçosa para a Comissão
de Censura. Perante tal facto documentado, como encontrar argumentos
para esgrimir o lápis azul do exame prévio? Como
cortar citações dum deputado fascista, quando,
em 1930, Mussolini era um bom exemplo, também para os
governantes portugueses?
Quem conhece a Seara Nova sabe que a simples reprodução
do texto, sem comentários, traz implícita nessa
forma de silêncio a discordância e a repulsa pela
posição do deputado fascista. E assim terá
passado a mensagem para os leitores.
Mas, a minha intenção não é a de
analisar o texto, de fazer dele uma aula de história,
ou de o apresentar como figura de estilo. Ele provocou em mim
o espanto e converteu-se, apenas, no pretexto para me interrogar,
para nos interrogarmos, sobre a não existência de
um curso de Filosofia na UBI.
E poderia ficar por aqui, sem mais comentários. Mas, nem
o contexto é o mesmo, nem o silêncio seria revelador
quanto baste, como aconteceu em Março de 1930. Pelo contrário,
o silêncio, neste caso, permitiria múltiplas e perigosas
interpretações (de qualquer modo, nunca estaremos
livres delas e ainda bem). Mas esclareço:
Poderia pensar-se que estou a chamar fascista a todo e qualquer
órgão de gestão de uma universidade que
não tenha uma faculdade ou um curso de filosofia. Mas
não estou!
Poderia pensar-se que estou a chamar fascista a todo e qualquer
Estado cujo Ministério da Educação, ainda
que por questões orçamentais, não aprovasse
a criação de mais cursos de Filosofia. Mas não
estou, não senhor!
Poderia, indo mais longe, pensar-se que estou a chamar fascista
a todo e qualquer aluno que entenda, por exemplo, que os cursos
de comunicação e outros congéneres são
só filosofia. Mas não estou!
Poderia estar a chamar fascista a toda e qualquer sociedade que
aceite que "a vida já não precisa de qualquer
filosofia, porque ela não olha já senão
para os fins a atingir." Ou, pior ainda, que desta aceitação
faça a "sua filosofia de vida". Mas não
estou!
Não estou para ninguém, e pronto!
Acontece é que, neste caso, recuso, em absoluto, o imperativo
categórico de Orano.
Consegui partilhar a razão do meu espanto? É que
sabem, acho pouco, acho mesmo muito pouco, indignar-me apenas
com o que acontece na Caríntia.
Frederico Lopes
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