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Dias de revolução,
dias de liberdade

POR PEDRO JESUS

O povo saiu à rua. Na Covilhã, assim que as notícias da revolução começaram a circular, as escolas pararam, as fábricas fecharam, e a população concentrou-se junto ao Pelourinho, em manifestações de júbilo que ninguém esquece. E o poder caiu. A 26 de Abril já o presidente da Câmara estava destituído há largas horas, e reinava na autarquia uma comissão administrativa. Uma das primeiras do País. Nem admira, tratando-se de cidade com fortes tradições e cultura operária.

A cidade de Lisboa, palco dos acontecimentos decisivos que marcaram o 25 de Abril de 1974, ficou imortalizada em imagens que permanecem na memória colectiva. Contudo, os meios mais pequenos, raramente referenciados nestes relatos sobre o 25 de Abril, não se revelaram estéreis ao nível de manifestações de apoio aos acontecimentos verificados na capital. No caso da Covilhã, pode dizer-se que a cidade parou por completo e que se desencadearam diversas acções populares.
Todos os anos em meados de Abril, os arquivos dos meios de comunicação são remexidos com o intuito de se trazer à ordem do dia os acontecimentos verificados no 25 de Abril de 1974. A imagem atrás descrita parece dever algo a um universo cinematográfico, mas acredito que não andará muito longe da verdade. Assim sendo, as imagens anualmente apresentadas nos programas televisivos de informação e as fotografias que ilustram a imprensa remetem-nos para uma Lisboa povoada por homens, mulheres e crianças que vestem a indumentária própria da década de 70, gritam palavras de ordem como 'liberdade' ou 'repressão nunca mais' e se abraçam entre si, com sorrisos estampados nos lábios.
Na memória colectiva de todos permanecem as conhecidas imagens dos cravos estrategicamente colocados em canos de metralhadoras, ou dos tanques apinhados de civis. Todavia, assim que as notícias da capital e da sua Revolução dos cravos iam chegando a todo o País, por todo o lado surgiam réplicas pautadas pela adesão popular e pela mesma euforia. E a Covilhã não foi excepção.
Tal como pode ser comprovado pelos testemunhos dos habitantes da cidade, na Covilhã as escolas fecharam, e as fábricas foram encerradas. Tudo com o propósito de se reunir o maior número possível de pessoas na praça que se estende frente à Câmara Municipal. O edifício chegou a ser mesmo "ocupado" pacificamente por populares, que lotaram as varandas, enquanto acenavam aos milhares que estavam presentes nas ruas, empunhando cartazes com mensagens tais como 'Vivam os libertadores do povo', 'Fim da repressão' e 'Viva Spínola'.

E a Câmara caiu

Enquanto na rua as pessoas cantavam e gritavam, no escritório de Antunes Ferreira, respeitado advogado na cidade, reunia-se um grupo de homens que decidiram entre si, e com a aceitação incondicional do visado, que Craveiro de Sousa, o presidente da câmara em exercício, seria destituído do seu cargo e que o seu lugar iria ser ocupado por uma comissão administrativa recém-formada, cabendo a Luís Filipe Mesquita Mendes o lugar de presidente da câmara nesta situação provisória. Deste modo, já no dia 26 de Abril a Câmara Municipal da Covilhã possuía uma comissão administrativa, tendo-se certamente afirmado como umas das primeiras câmaras municipais a possuir um poder demarcado do antigo regime.
A azáfama também se revelava noutros gestos, tais como a corrida aos bancos, devido à destituição das comissões destes serviços. Porém, o clima dominante não era de modo algum de apreensão ou incerteza no futuro, "porque os valores recém-conquistados não tinham preço".

Consolidar a liberdade alcançada

Foram registadas em vídeo, por Silva Amaro, as manifestações que decorreram na praça que se estende frente à Câmara Municipal nos dia 25, e que se repetiram no dia seguinte. Ao visionar o documento, é possível verificar que entre as milhares de pessoas aglomeradas pelos mais diversos locais, a agitação é grande mas a alegria é ainda maior. Nos rostos dos presentes, transparece a emoção de uma liberdade recém-adquirida, e hà muito ansiada.
Como o 25 de Abril de 1974 acabou por se revelar o início do processo democrático para um novo Portugal, interessa saber que consequências imediatas teve este dia nos tempos de mudança que aí vinham.
Os acontecimentos assomaram de tal forma os corações dos que viveram a data, que ainda hoje é fácil relembrar o dia que se tornou "numa festa sem precedentes". Os testemunhos são muito diversificados, mas a emoção com que foram recordados os acontecimentos é comum a todos os entrevistados.

O maior 1º de Maio de sempre

No ano de 1974, Dulce Pinheiro, na altura com 16 anos, frequentava a Escola Secundária Frei Heytor Pinto. Hoje em dia é professora e recorda claramente o 25 de Abril e os dias agitados que se lhe seguiram: "Assim que se soube do golpe de estado, o movimento estudantil teve uma reacção diferente em toda a linha", e por isso mesmo, não é de estranhar que "as aulas deixassem de ser dadas como anteriormente, tendo os professores assumido um papel de animadores culturais. Tive mesmo dois ou três professores que por considerarem que os programas eram obsoletos, levavam guitarras para as aulas, as quais se tornaram centros de troca de experiência e conversas informais sobre tudo que se estava a passar".
Recorda ainda que nos dias posteriores aos 25 de Abril "houve, da parte da população estudantil, um período intenso de greves que levou a que o liceu fosse encerrado durante 15 dias. Procedeu-se também a queimas de livros considerados menos próprios para o processo revolucionário".
É igualmente relembrado que o espírito vivido no dia da revolução se prolongou aos dias seguintes, culminando na organização de uma grande manifestação para o 1º de Maio, dia em que as indústrias pararam e os trabalhadores e patrões se juntaram no mesmo espaço.
José António Pinho recorda o dia como "o maior 1º de Maio de sempre, com toda a gente nas ruas a comemorar o fim de um regime velho e caduco que em vez de dizer algo às pessoas, as ameaçava com a Guerra Colonial".

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E você, onde é que estava...?

Nos últimos anos, a pergunta "onde estava no dia 25 de Abril?" tornou-se numa expressão sacramental, muito por culpa da popularidade de um dos "bonecos" de Herman José. A expressão passou a andar na boca de muitos, e quando colocada em tom coloquial, pretendia levar à gargalhada fácil.
Risos à parte, fala-se aqui de homens e mulheres que viveram intensamente o 25 de Abril na cidade da Covilhã - e noutros pontos do País - e que mantêm ainda hoje, bem frescas, as emoções vividas neste dia que se revelou simbólico e inesquecível.
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Quando acreditar
era sinónimo de sofrer


O 25 de Abril foi obviamente sentido com um maior entusiasmo por todos aqueles que anteriormente já haviam sido vítimas dos órgãos repressivos do antigo regime. A cidade da Covilhã alberga histórias de cidadãos a quem foram inflingidas torturas físicas e psicológicas para calar aqueles que ousavam expressar as suas mais profundas convicções.
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Cartazes de Abril »IMAGENS»

Lx 74: As paredes da Revolução »IMAGENS»






 
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