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                       João Duarte, proprietário da retrosaria 
                        "A Moda" desde há 50 anos, é um 
                        espectador privilegiado da vida da Rua António 
                        Augusto de Aguiar. Senhor de uma memória invejável, 
                        este comerciante de 90 anos de idade acompanha o desenrolar 
                        da vida desta rua desde 1927 quando, com l6 anos, veio 
                        trabalhar numa loja de fazendas. No princípio dos 
                        anos 50, conta João Duarte, "estabeleci-me 
                        nesta casa com uma retrosaria. Naquela altura, os prédios 
                        aqui em frente ainda não existiam. Só havia 
                        umas casas baixinhas e uma taberna". Do mesmo lado 
                        da rua, mais adiante, existem umas escadas que ligam a 
                        rua às Portas do Sol. Nesse tempo, estas escadas 
                        davam acesso à antiga praça do peixe, uma 
                        espécie de mirante coberto que parecia sair das 
                        muralhas.  
                        A Rua António Augusto de Aguiar começa junto 
                        do redondo do edifício do mercado municipal e termina 
                        na Praça do Município (Pelourinho). Paralela 
                        às antigas muralhas da cidade, era, nos anos 40, 
                        a rua com maior movimento comercial da Covilhã. 
                        No largo junto ao edifício dos correios e onde 
                        hoje está instalada a Polícia de Segurança 
                        Pública, vendiam-se ovos, galinhas e queijos. Onde 
                        agora funciona a loja da Telecom, estavam instalados os 
                        talhos. Às quintas-feiras, no lugar em que se situam 
                        hoje as instalações da Caixa Geral de Depósitos, 
                        vendia-se calçado. O mercado espalhava-se por vários 
                        sítios. A construção do mercado municipal 
                        em 1943, fez com que todos os produtos passassem a estar 
                        reunidos no mesmo espaço. 
                         
                        Carvão e petróleo pelas portas 
                          
                         
                        No final da década de 40 poucos eram os automóveis 
                        que circulavam na Covilhã. O abastecimento do mercado 
                        era feito de burro e em carros de bois. "Uma vez 
                        fartámo-nos de gritar com um homem, porque o aguilhão 
                        com que ele picava os bois era mais comprido do que a 
                        lei permitia", recorda João Duarte.  
                        Durante a segunda metade do século XX, a vida da 
                        cidade mudou completamente. Hoje não cabe na nossa 
                        imaginação mas, nos anos 50, ainda havia 
                        na Covilhã muitas casas sem electricidade. As pessoas 
                        iluminavam-se com candeeiros de petróleo. O aquecimento, 
                        no Inverno, era feito com braseiras de carvão. 
                        " Nesta rua, os vendedores ambulantes vendiam petróleo 
                        e carvão pelas portas. Os almocreves traziam azeite 
                        e vinha gente das aldeias com cabritos vivos às 
                        costas para vender", lembra o mais antigo comerciante 
                        da Covilhã. Os dias de maior movimento eram o sábado 
                        e a segunda- feira. A população das aldeias 
                        do concelho deslocava-se á cidade para fazer o 
                        avio da semana. "Vinha gente de muito longe, até 
                        de Unhais da Serra. Compravam de tudo", conta João 
                        Duarte. Para além do mercado, nesta rua existiam 
                        lojas onde se vendia, roupa, calçado, chapéus 
                        e produtos para a agricultura. Havia o hábito de 
                        expor na rua os mais variados artigos existentes nas lojas 
                        para atrair a freguesia, como se fosse um bazar. Naquele 
                        tempo, a casa de comércio mais importante da Rua 
                        António Augusto de Aguiar era a Casa Portela. O 
                        proprietário era espanhol e vendia tecidos a metro. 
                        Como os ordenados eram baixos, muitas pessoas compravam 
                        a crédito e tinham a preocupação 
                        de, todas as semanas, pagar a "deixa" (a prestação) 
                        para ir abatendo a conta no rol dos fiados.  
                        Nos tempos que correm a vida é muito diferente. 
                        Os hipermercados multiplicaram-se, atraindo os consumidores 
                        com a promessa de preços baixos. "As pessoas, 
                        hoje em dia, só ficam satisfeitas se forem para 
                        casa enganadas. Isso acontece porque já ninguém 
                        pergunta se o artigo é de qualidade. Só 
                        se preocupam em saber o preço e, às vezes, 
                        levam gato por lebre", conclui o dono de "A 
                        Moda".  
                        No início do século XXI, são as grandes 
                        superfícies comerciais que dão cartas. Espaços 
                        luminosos e atraentes, onde famílias inteiras se 
                        passeiam aos fins de semana, vão pondo de lado 
                        o comércio tradicional como o da Rua António 
                        Augusto de Aguiar. 
                         
                       
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