Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves




Urbi@Orbi – Como presidente do Departamento de Psicologia e Educação, que balanço faz da licenciatura em Psicologia que é uma das mais recentes na UBI?
Luísa Branco –
Um balanço muito positivo. Neste momento temos os três ramos do curso a funcionar, Psicologia Clínica e da Saúde, Escolar e da Educação e vai ter agora início o ramo da Psicologia das Organizações, ainda que com algum atraso, uma vez que só agora foram criadas condições para isso. Devido ao Processo de Bolonha, estamos a iniciar a reestruturação do curso, de modo a que esta licenciatura esteja de acordo com os créditos ECTS, e as restantes exigências decorrentes daquele.
Neste momento, os primeiros finalistas estão a estagiar em instituições da região, onde têm tido uma boa aceitação. Embora ainda não existam resultados dos estágios, penso que estão a decorrer bem.

U@O – Foi difícil encontrar estágio para estes primeiros finalistas?
L.B. –
Não tivemos dificuldade em encontrar estágios para os alunos, o que é um bom sinal e também uma evidência de que existe necessidade do trabalho destes profissionais. É de realçar que a comunidade os acolheu muito bem.

U@O – O que espera da actuação destes profissionais?
L.B. –
Que prestigiem a UBI e que sejam bons psicólogos.

U@O – Uma vez mais, o curso de Psicologia preencheu a totalidade das vagas com uma boa média. No seu entender, a que se deve esta procura?
L.B. –
O curso tem preenchido sempre a totalidade das vagas e temos também muitas transferências de alunos e muita procura o que leva os professores a estarem assoberbados de trabalho. A equipa de docentes é bastante jovem, o Departamento é constituído por 14 docentes, só quatro são doutorados e eu não sou psicóloga.
Penso que as pessoas se sentem fascinadas por compreender o comportamento humano.




"Os psicólogos têm lugar na sociedade e nas instituições"

U@O – Há o risco do mercado de trabalho ficar saturado? Ou acha que continuam a ser necessários licenciados nesta área?
L.B. –
O mercado não está saturado e eu julgo que os psicólogos têm lugar na sociedade e nas instituições. Pena que não seja criada a figura e o lugar do psicólogo nas instituições, nas escolas, nas empresas. Veja-se o exemplo da Centro de Área Educativa (CAE) da Guarda que nos contactou no sentido de solicitar algum apoio do Departamento, uma vez que eles têm um psicólogo para um largo número de alunos, não diria com necessidades educativas especiais, mas em todo o caso com dificuldades. Era, portanto, perfeitamente natural que existissem mais psicólogos ligados ao sistema de Ensino e não há. Toda a gente sabe que isso é necessário, até porque temos uma escola de massas e aí chegam pessoas com todo o tipo de problemas e situações complexas e difíceis.
Apesar de haver todo este fascínio pelo comportamento humano, o acompanhamento psicológico parece ainda não ser considerada uma necessidade básica, para que as pessoas tenham qualidade de vida e uma boa saúde mental.

U@O – O Departamento tem também formações a nível de pós-graduação. Como estão a funcionar os mestrados?
L.B. –
Nós temos dois mestrados em funcionamento, o mestrado em Educação Social e o mestrado em Educação, especialidade de Formação Pessoal e Social. Por outro lado temos também a revista “Psicologia e Educação” e damos apoio às licenciaturas de Ensino e a outros cursos.

U@O – Que projectos e investigações destacaria aqui no Departamento de Psicologia?
L.B. –
Temos várias iniciativas que acho serem importantes. Está já em fase de criação o Núcleo de Estudos e Intervenção em Psicologia, (NEIP), que vai funcionar na Biblioteca Central, a título provisório. O objectivo deste núcleo passa, em primeiro lugar, por dar apoio à comunidade estudantil da UBI, através de consultas e outros apoios. Numa fase posterior, a ideia é também prestar os mesmos serviços à comunidade envolvente.
Outra das acções do Departamento passa também pela criação, em parceria com a Câmara Municipal, do Núcleo de Apoio Psicológico e Comunitário da Covilhã. Este resulta da evolução do Centro de Apoio Comunitário, que não tinha instalações e que está a cargo do Professor Henrique Pereira. Este projecto reveste-se de características inovadoras uma vez que está baseado na psicologia comunitária, algo bastante corrente nos países anglo-saxónicos, mas que em Portugal não está muito divulgado.
De resto, e faço aqui um parênteses, um dos aspectos inovadores do curso de psicologia da UBI é precisamente a incidência dada à psicologia cognitiva e à psicologia comunitária. Estes projectos vão entrar em funcionamento dentro em breve.

U@O – Na sociedade anglo-saxónicas é comum encontrar-se uma forte ligação entre as Universidades e as comunidades envolventes. Aqui também acontece o mesmo?
L.B. –
Penso que essas sociedades têm uma organização completamente diferente da nossa. Eles fazem grupos de apoio para tudo e formalizam muito as suas relações. Os apoios passam por esses grupos e núcleos. Em Portugal não é tanto assim. Nós temos uma maior espontaneidade na associação. Isso não quer dizer que este tipo de núcleos não façam sentido, dados os problemas sociais e psicológicos que começam a surgir na nossa região onde há desemprego, onde as pessoas têm dificuldades onde, muitas das vezes, as pessoas não sabem onde é que devem (e como) procurar ajuda e trabalho e portanto este Núcleo de Apoio Psicológico e Comunitário vai tentar dar resposta a tudo isso. Existe um grande espaço de intervenção nesta zona.


"Não existe uma consciência cívica desenvolvida"

U@O – Defende também a “escola cultural” abandonada pelo actual sistema de Ensino. Podia esclarecer essa ideia?
L.B. –
Trata-se de um projecto muito interessante, que surgiu associado à elaboração da (ainda) actual Lei de Bases. Segundo esta concepção, a escola deve ser uma escola plenamente axiológica, isto é promover todos os valores do humano. Em termos organizacionais, para além da existência de um núcleo de disciplinas, a escola cultural consagra a existência de clubes, clubes esses que aparecem contemplados, inclusivé, no horário dos docentes. Estes clubes, ao contrário das actuais áreas curriculares não disciplinares, são de frequência livre, permitindo aos alunos desenvolver as suas vocações e interesses e, nalguns casos, aceder a tipos de saber menos valorizados pelos currículos tradicionais.
A escola cultural considera que não há, na escola actual, um espaço onde os alunos possam efectivamente realizar-se, dado estarem sujeitos a um currículo imposto. Os clubes, partindo da iniciativa dos professores e dos alunos, permitem aos estudantes desenvolver as suas vocações e apropriar-se dos saberes de um modo mais lúdico. É evidente que hoje ainda há alguns clubes nas escolas, mas a maioria a funcionar em situações complicadas e fruto da boa vontade e empenho dos professores e alunos.
No ano passado acompanhei as monografias de três alunas de Ensino da Física- Química que implementaram um clube de Química na escola onde foram estagiar. Os resultados obtidos foram espantosos. Mas tudo resultou da boa vontade delas, de financiamento próprio e da sua ligação à Universidade, doutra forma não tinham hipóteses de arranjar materiais, fazer determinadas experiências, e outras actividades. Verificaram-se também aspectos importantes como o facto de, no início do ano, a disciplina preferida dos alunos ser a de Desporto, mas no final da frequência do clube, alguns alunos já apontarem a Química como a disciplina mais interessante.
Este é um exemplo de como se pode levar os alunos a olharem para a ciência de uma outra maneira, de um modo mais lúdico mas também mais eficaz.

U@O – Conceitos como formação cívica, democracia, participação e cidadania devem, em seu entender, estar intimamente ligados. Mas ao que parece não estão e vence o facilitismo e a individualidade. Que comentários faz a esta situação?
L.B. –
Ao nível da Universidade, por exemplo, fico, por vezes, chocada com o facto dos alunos, e não só, reivindicarem sobretudo coisas que têm apenas a ver com os “problemazinhos” deles. Não me parece que haja uma consciência cívica desenvolvida, nem que estejamos a formar pessoas para uma vida democrática no sentido pleno. Embora tudo isto não dependa apenas da Escola e da Universidade, não há dúvida que estas instituições têm de desempenhar um papel essencial
Penso também que estamos a entrar num regime de facilitismo e até a menorizar os alunos.

U@O – Acha que a Educação está hoje mais virada para as novas tecnologias e esquece estes conceitos fundamentais?
L.B. –
Em Portugal acaba por se cair muito em questões técnicas. A formação de professores é muito técnica. Existe a tendência para se cair num conjunto de receitas e modas, muito dominadas pela Psicologia, o que não quer dizer que isso seja mau, até porque esta é uma das grandes ciências da educação, mas existem outras vertentes que devem ser contempladas É necessário formar a consciência crítica dos futuros docentes, sensibilizando-os para os conhecimentos oriundos das diversas ciências sociais e da filosofia. No fundo é fundamental ter consciência de que a Educação é um domínio do conhecimento transdisciplinar.






Perfil



Maria Luísa Frazão Rodrigues Branco nasceu em Sines. “O meus pais estavam de férias e eu estraguei-as”, recorda com humor. Viveu até aos 28 anos no Barreiro, cidade que, confessa, hoje “não me traz muitas recordações”. Licenciada em Filosofia pela Universidade Católica de Lisboa, acaba também por realizar, nesa mesma instituição, um mestrado em Ciências da Educação. O doutoramento na área da Educação foi feito na UBI. É autora de vários artigos científicos na área da Educação Cívica e Política.
A passagem da Filosofia para a Educação justifica-se pelo “gosto crescente que fui sentindo por esta última”. Luísa Branco adianta que hoje se sente “uma pessoa da Educação e não da Filosofia”. Para esta investigadora e docente, “a Educação pode mudar a vida das pessoas. Não no sentido das grandes mudanças, mas em todo o caso de diferenças significativas.
Na UBI desde 1997, começou como assistente da Secção Autónoma de Ciências da Educação. Nessa altura recorda que “ainda não possuíamos uma licenciatura, limitando-nos a prestar apoio aos cursos de licenciatura Ensino”.
No ano passado assumiu a presidência do Departamento de Psicologia e Educação da UBI. As principais medidas neste cargo passam agora por preparar a reestruturação da licenciatura, “adequando-a aos critérios de Bolonha”, o que “já está a ser feito” e também “pela continuação no apoio a outros cursos da UBI (nomeadamente na organização do 2º ciclo dos cursos de Ensino) e pela ligação às instituições exteriores à Universidade”, refere.
Como grande hobbie tem a leitura, “sobretudo, literatura estrangeira”. De entre os títulos que mais a marcaram até hoje, Luísa Branco destaca “O Estrangeiro”, de Albert Camus, “Diário de um Pároco de Aldeia” de Georges Bernanos e “Anna Karenina” do Leo Tolstoi, o seu autor preferido. Nos tempos livres gosta de ir ao ginásio e passear.