Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves



"Defendo que o Presidente do Conselho Pedagógico da UBI passe a ser eleito"

Urbi@Orbi – Há quanto tempo preside ao Conselho Pedagógico da UBI?
Manuel Saraiva – A presidência do Conselho Pedagógico é assumida por rotação anual. Os presidentes dos Pedagógicos das várias unidades vão assumindo, ano após ano, a presidência do Conselho Pedagógico da Universidade. Este ano foi a vez da unidade das Ciências Exactas. Como presidente do Pedagógico da Unidade das Ciências Exactas, assumi este ano a presidência do Conselho Pedagógico da UBI, cargo que terminarei em Novembro.
Defendo que o presidente do Conselho Pedagógico da UBI passe a ser eleito. Deveria haver candidaturas com programas para o cargo. Essa é uma das alterações que deveríamos fazer nos estatutos da Universidade. Se isso acontecesse, o Conselho Pedagógico teria maior visibilidade e um papel mais forte.

U@O – Quais são as principais competências desse órgão?
M.S. – O Conselho Pedagógico é um órgão consultivo. Cabe-lhe fazer propostas e dar pareceres sobre a orientação pedagógica e os métodos de ensino da UBI e pronunciar-se sobre as propostas de criação de novos cursos.
A elaboração dos horários, que não é uma tarefa fácil, é também um campo de acção do Conselho Pedagógico, assim como a organização de conferências, seminários ou estudos de interesse didáctico-científico para a UBI. Foi neste âmbito que na reunião do Conselho Pedagógico de 8 de Março se aprovou a realização de uma conferência-debate, no dia 19 de Abril, cujo tema central é “Avaliação”. Trata-se de um tema actual que interessa quer a docentes, quer a discentes. Convidámos uma professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, especialista na área.

U@O – Quais as principais acções que pretende desenvolver no cargo?
M.S. – Repare que aqui não se está a falar de nenhuma candidatura, nem eu fiz nenhuma campanha e, portanto, não tenho um programa apresentado que deva cumprir. Mas há um trabalho que o Conselho Pedagógico vai ter de desenvolver e que se prende com os estágios pedagógicos. Neste momento temos cerca de cem estagiários ao nível de toda a universidade. Houve alterações legislativas relativamente ao funcionamento dos estágios e vamos ter de estabelecer protocolos entre a universidade e as escolas acolhedoras dos estagiários. É um processo que não vai ser fácil, pois as novas regras dos estágios não agradam particularmente às escolas, onde numa mesma turma poderão leccionar até sete professores. Em paralelo existirá sempre uma preocupação constante com a adaptação ao processo de Bolonha.




"Estamos perante uma mudança de paradigma, já defendido por muita gente há muitos anos
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U@O– Como está a decorrer essa adaptação ao Processo de Bolonha na UBI?
M.S. – O processo aqui na UBI está a decorrer bem. Houve uma orientação e uma tomada de decisão por parte dos órgãos da direcção da instituição no sentido de se avançar o melhor, e o mais rapidamente possível, de forma a termos novos cursos e adequações em cursos já existentes a partir do ano lectivo 2006/2007.
Todas as unidades e todos os departamentos estão envolvidos num enorme trabalho, sempre com a preocupação de envolver os alunos no processo. Para além das alterações, das adequações e da criação de novos cursos, há também um trabalho técnico (preencher formulários, utilizar uma base de dados, etc.) que exige dispêndio de tempo. Mas o mais importante são as ideias e este processo está a provocar um intercâmbio interessante dentro dos próprios departamentos e entre os vários departamentos da Universidade.
Por exemplo, no Departamento de Matemática estamos a propor um 1º ciclo em Matemática, mas alterámos um pouco a filosofia que tínhamos relativamente ao nosso curso e vamos ter disciplinas optativas de outras áreas. Este processo permitiu que discutíssemos também os métodos de ensino e a utilização das tecnologias. Para o 2º ciclo vamos avançar com dois cursos. Um deles está direccionado para o Ensino e está a ser feito conjuntamente com os Departamentos de Física, Química, Informática e Psicologia e Educação. Na outra vertente, e em conjunto com o Departamento de Informática, teremos a Matemática Aplicada.
De uma forma geral, na UBI, vamos ter três anos para o 1º ciclo e dois anos para o 2º ciclo. Para o 3º ciclo vão ainda ser analisadas algumas propostas.

U@O Bolonha implica novas formas de aprender e ensinar. O ensino vai centrar-se sobretudo na aprendizagem do aluno. Como vê esse processo em termos pedagógicos?
M.S. –
Estamos perante uma mudança de paradigma, já defendido por muita gente há muitos anos, especialmente pelas pessoas mais especializadas nas áreas da Educação. A legislação sobre Bolonha define claramente essa questão, falando na transição de um sistema de ensino baseado na ideia de transmissão de conhecimentos para um sistema baseado no desenvolvimento de competências. Pessoalmente partilho desta tese.
Com Bolonha, o próprio aluno tem de ter uma perspectiva diferente do processo de aprendizagem, uma vez que terá de trabalhar 1600 horas por ano, 800 por cada semestre. Haverá uma exigência completamente diferente, assim como será diferente a própria relação entre o professor e os alunos, uma vez que terá de existir uma outra organização do trabalho. Deixará de ter sentido, cada vez mais, a passividade intelectual dos alunos nas aulas. Estas terão de ser encaradas como um espaço de construção de conhecimento, onde a actividade do aluno é fundamental.
Há, contudo, uma outra questão que pode ser colocada, por que estamos também perante uma tentativa de uniformizar o espaço europeu: quem está a servir de modelo, tendo em conta que na Europa existem várias realidades e há países muito diferentes? Provavelmente países como o nosso estão a sentir grandes mudanças enquanto que outros continuam praticamente na mesma, porque já vivem essa realidade há algum tempo. O objectivo será sempre melhorar a qualidade.

U@O – É uma boa forma de combater o actual insucesso escolar que se regista em determinados cursos?
M.S. – Para os alunos que têm a perspectiva de só fazerem os exames e virem à UBI de vez em quando, então não vai mudar nada. Este sistema vai dar aos alunos uma oportunidade para que o sucesso aumente, mas isso implica um trabalho continuado. Bolonha vai trazer, para além de novas metodologias de trabalho, alterações no processo de avaliação baseadas numa avaliação continuada. Neste sentido, Bolonha poderá ajudar a atingir o sucesso escolar, mas só para quem estiver disposto a trabalhar. Acredito que, na realidade, quem trabalhar vai conseguir bons resultados.

"Bolonha vai trazer novas metodologias de trabalho"

"O objectivo será sempre melhorar a qualidade"

U@O– Considera que os docentes estão preparados para esta mudança de paradigma, a nível pedagógico?
M.S. –
Acho que ninguém está totalmente preparado, mas uns estarão mais preparados do que outros. Há professores na UBI que já tinham abraçado este paradigma, mas a maioria está agora a adaptar-se a esta nova realidade. Vamos preparar-nos o melhor possível, mas é claro que tudo tem o seu tempo. Ao que parece as pessoas estão a abraçar estas novas metodologias de trabalho não só por uma questão de imperativo legal, mas também porque interiorizaram que isso é benéfico para todos, professores e alunos.
Um professor do ensino superior tem exigências terríveis. Se se dedicar quase a cem por cento aos alunos e à preparação das aulas vai ter falta de tempo para fazer investigação. O processo de Bolonha é, por isso, não só exigente para o aluno, mas também para o professor. Este terá de ser capaz de gerir duas componentes essenciais na sua profissão: dar o seu melhor na preparação e leccionação das aulas e dedicar-se à investigação. Por isso, a dinâmica introduzida por Bolonha vai provocar mudanças quer para o professor quer para o aluno.

U@O – A UBI terá todos os seus cursos adequados a Bolonha já no próximo ano lectivo?
M.S. –
Isso vai ser difícil, mas vamos ter muitos cursos adequados a Bolonha porque houve um grande empenho por parte da direcção da instituição e os vários departamentos agarraram o desafio com unhas e dentes. Mas note-se que os cursos ainda vão ter de passar pela aprovação do ministério. Acredito, contudo, que no ano lectivo 2006/2007 já teremos cursos a funcionar na UBI, de acordo com Bolonha.

U@O – Teremos novos cursos ou cursos reestruturados?
M.S. –
O decreto-lei fala em três modalidades: novos cursos, adequação dos cursos que temos ao processo de Bolonha e alterações aos cursos que já existem. A UBI vai ter novos cursos, mas essencialmente vai ter uma adequação dos cursos existentes.


"Com este processo o ensino ficará mais uniformizado"

U@O – Considera que Portugal está atrasado nesta matéria?
M.S. –
Eventualmente em relação a alguns países podemos estar um pouco atrasados. Não conheço a realidade de todas as instituições portuguesas, mas penso que a UBI é pioneira. Inicialmente o ministério pensava que iam surgir cinco dezenas de propostas de cursos, ao nível nacional, contudo há quem já fale em 500 ou mais. Em relação aos países nórdicos estamos atrasados, mas eles são, no fundo, os mentores do modelo.

U@O – Com todo este processo, é da opinião que o Ensino Superior ficará, de facto, uniformizado ao nível do espaço europeu?
M.S. –
Não tenho dúvidas de que o ensino ficará mais uniformizado, mas continuarão sempre a existir universidades mais prestigiadas do que outras. Será muito mais fácil o intercâmbio entre estudantes de universidades europeias que, com este processo, terão os seus cursos mais equiparados.

U@O – O que acha que poderá ser feito para enriquecer a discussão e esclarecer todas as partes envolvidas, uma vez que há ainda muitas dúvidas sobre o assunto?
M.S. –
Acho que debates e colóquios são sempre bem-vindos, mas confesso que, para mim, a maior dificuldade está na actuação do próprio poder político. Estive no passado dia 13 numa reunião promovida pelo Secretário de Estado da Educação, em parceria com o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, onde foi apresentado um documento intitulado “Habilitações Profissionais para a Docência” que contradiz a lei de bases e o próprio decreto-lei publicado dias depois, em 24 de Março, no Diário da República. Isto para mim é o mais preocupante porque não ajuda a esclarecer nada e só gera confusão. O CRUP tomou uma posição clara contra esse documento.





Perfil



Manuel Joaquim Félix da Silva Saraiva nasceu em Lisboa, cidade onde também estudou. A sua primeira experiência universitária foi no Instituto Superior Técnico, no curso de Engenharia Electrotécnica. “Essa licenciatura tinha muita matemática e era disso que eu gostava”, lembra. Contudo, a electrotecnia nunca o cativou totalmente.
Já estava no 5º ano quando decidiu que não era esse o caminho que queria seguir.
Enquanto aluno procurou ligar-se ao mundo empresarial e começou a trabalhar numa empresa de elementos para computadores. Uma experiência que não recorda com muita simpatia. “Não gostava do «sistema» nem do ambiente de trabalho”, refere.
Depois surgiu a oportunidade de dar aulas de matemática no ensino secundário e o curso de engenharia que frequentava “começou a marcar passo”. Com o passar do tempo, Manuel Saraiva foi descobrindo a sua verdadeira vocação. Dar aulas de matemática era do que realmente gostava, factor decisivo que o levou a pedir transferência para a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, instituição onde conseguiu todos os seus graus académicos.
Em 1984 concorreu para dar aulas no Instituto Universitário da Beira Interior. Entre outros motivos, destaca um ponto que o fez trocar a capital pelo Interior: “Os meus pais são de Celorico da Beira e a Serra da Estrela era uma referência para mim”, afirma. Recorda as férias de Verão que passava na zona serrana e as paisagens da montanha, como elementos que o ligam a esta região.
Há mais de 20 anos na UBI, Manuel Saraiva diz sentir prazer no que faz. “Gosto do trabalho que desenvolvo, da matemática, de ensinar, gosto da área da didáctica da matemática, a minha especialidade, e de orientar trabalhos neste campo” sublinha.
Nos tempos livres o docente dedica algum tempo à leitura e a ouvir música. Manuel Saraiva também gosta de fazer longas caminhadas e de praticar desporto, sobretudo futebol e pingue-pongue.