Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Lado a lado
Márcia Soares e Linda Inês Cálix e Sara da Silva Alves · quarta, 24 de fevereiro de 2016 · UBI Fisicamente iguais, psicologicamente distintas. Inês e Rita Mó são gémeas e estudam na Universidade da Beira Interior. Apesar de cada uma pretender diferenciar-se pela personalidade, a ligação entre ambas sobrepõe-se a tudo o resto. |
Rita e Inês Mó são gémeas e estudam na Universidade da Beira Interior |
21980 visitas Os olhares são indiscretos. De forma mais denunciada ou não, Inês e Rita Mó são quase analisadas ao pormenor estejam em qualquer um dos bares, das salas de aula ou dos corredores da Universidade da Beira Interior, na Covilhã. “Nós reparamos nisso, mas não nos importamos. Até achamos engraçado ver a reação das pessoas”, confidenciam, entre risos. Nasceram prematuramente, no dia 7 de agosto do ano de 1997, e como gémeas que são, não se largaram desde então. É necessário subir até ao norte do país para se começar a conhecer a história das irmãs Mó. Num vale entre a Serra da Sombra e a Serra do Pinheiro, na região de Trás-os-Montes, situa-se a aldeia de Covas do Barroso, pertencente ao concelho de Boticas, distrito de Vila Real. Foi lá que ambas passaram toda a infância, começaram os estudos na escola primária local e se iniciaram no mundo da música, Inês com o acordeão e Rita com a guitarra. O responsável pela paixão pela componente musical foi o pai. “Ele é músico, toca mas sem pautas nem nada. É músico de ouvido, como se costuma dizer. Sempre quis que nós entrássemos numa escola e nós também tínhamos esse gosto”, explica Rita. Inês acrescenta: “de vez em quando acompanhamo-nos uma à outra, com os instrumentos, e é uma distração”. A infância foi feliz, tranquila, enquadrada com o ambiente vivido na aldeia. Não foi marcada por aquelas histórias de gémeos que tantas vezes ouvimos e nos parecem ser quase impossíveis. Essas, aliás, surgiram com a entrada no secundário. Ambas já conheciam as dificuldades uma da outra como ninguém, ao ponto de se pensar que a tão falada ligação especial entre gémeos é real. “Estávamos a fazer um teste de matemática e havia lá uma pergunta bastante difícil. Eu não estava a conseguir fazê-la e estava a pensar que ela também não”, conta Inês que, rapidamente, vê o seu pensamento ser concluído por Rita: “não a consegui fazer mesmo, e, à saída foi isso que lhe perguntei, pois tinha tido o mesmo pensamento em relação a ela”. Então isso significa que a telepatia, afinal, existe? “Não, não diria tanto. Foi só mesmo este caso. No máximo, acontece falarmos a mesma coisa ao mesmo tempo, mas não passa disso”, diz Inês. Trocas de identidade, como nas séries e filmes juvenis, também não passam do imaginário, para as jovens. “Nunca o fizemos, nunca pensamos em fazer e, sinceramente, não tem lógica nenhuma”. Inês e Rita são “gémeas falsas”, algo que acontece quando são fecundados dois ou mais óvulos da mulher. Habitualmente, nestes casos, os gémeos não costumam ser parecidos, podendo até serem de sexos diferentes. Contudo, a única diferença das jovens transmontanas verifica-se na personalidade, já que fisicamente as semelhanças são mais do que notórias. Mas nem sempre foi assim e é Inês quem explica: “quando éramos pequenas, tínhamos aquela coisa de vestir roupas iguais. O que uma fazia a outra fazia, o que uma comia a outra comia, o que uma não gostava a outra não gostava”. E foi uma conversa, por volta dos 12 anos, que mudou o rumo da situação. Nos dicionários de cada uma, a palavra “igual” começou a ser substituída mais frequentemente por “diferente”. Passariam a ter os seus próprios gostos, as suas próprias amizades, os seus próprios passatempos, não tendo, cada uma, de levar a sua vida em função da outra. “Nós fisicamente somos parecidas, mas as personalidades são completamente distintas. Ela é muito mais extrovertida. Eu sou mais calminha. E às vezes é chata…”. Inês ri-se. “Estou a brincar. Na verdade, ela dá-se melhor, é mais sociável do que eu. Ao contrário dela, não dou confiança às pessoas tão facilmente”, afirma Rita. Sueli Nogueira é psicóloga e considera esta situação perfeitamente normal, afirmando que deve ser mesmo assim. Designa este momento como “autoafirmação da individualidade”. “Desde que nascemos damos vários sinais da nossa personalidade e os gémeos em nada são diferentes por mais iguais que pareçam”, começa por explicar Sueli. É por este motivo que a psicóloga defende a ideia de que os gémeos, desde o momento em que nascem, devem ser vestidos de forma diferente, devem ter brinquedos diferentes, devem ter um bolo de aniversário independente do outro e devem mesmo receber presentes individuais e não um para ambos. ”Sim, porque eles não têm os mesmos gostos e compete aos pais estimular a autonomia e a individualidade dos seus filhos. Se isto não acontecer, pode acarretar consequências muito graves no seu desenvolvimento, no futuro”, garante. Para compreendermos melhor a situação, eis um exemplo: “imagina que uma pessoa vestida de igual e parecida contigo está a fazer algo que tu não gostas e com o qual não te identificas. Seria extremamente irritante, porque estás a ver-te num espelho e aquelas atitudes não são tuas”. É nisto que os pais de gémeos precisam de se focar, principalmente quando os filhos começam a pedir para terem atividades distintas ou amigos diferentes. Na verdade, tudo começa quando não querem vestir-se da mesma forma. Não respeitar isto, “é nocivo para o desenvolvimento intelectual, até porque muitos gémeos idênticos não se acham nada parecidos intelectualmente”, tal como é o caso de Inês e Rita. A ideia de que só a personalidade é distinta reforça-se quando falam dos gostos. Ambas preferem música brasileira e inglesa e não apreciam tanto a música nacional. Ambas têm como principais hobbies a música e o exercício físico. Ambas adoram ver televisão, filmes, ir ao cinema. E no que à gastronomia diz respeito, apesar de Inês revelar que Rita é mais “esquisita”, a preferência também é a mesma: bacalhau à Brás. “Mas a minha sobremesa preferida é mousse, já a tua é leite creme”. Rita confirma imediatamente. Conhecem-se demasiado bem. É pelos corredores de acesso à Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior que as gémeas recordam o grande passo tomado pelas duas e que assinalou a principal diferença entre ambas. Findo o secundário, era momento de decidirem o que seguir no Ensino Superior. Inês sempre se sentiu fascinada pelo curso de Ciências Biomédicas e Rita sempre quis seguir Ciências Farmacêuticas. Iria isso ditar a separação das duas? “Foi uma questão que tivemos que conciliar. Eu tinha três locais para onde ir: Covilhã, Aveiro ou Algarve. Em contrapartida, a minha irmã, para ter compatibilidade comigo, só tinha aqui na UBI o curso. Então o que fizemos foi pôr a primeira opção no mesmo sítio”, relembra Inês. “Até para os nossos pais era mais fácil, pois ter as duas a estudar em sítios diferentes era complicado”, acrescenta Rita. E nem elas se imaginavam a estudar longe uma da outra, na verdade. “Em parte, até marcamos pela diferença, visto que, na minha turma, há mais dois pares de gémeos em que todos escolheram o mesmo curso”, brinca Inês. Por enquanto, os dois cursos tem cadeiras semelhantes ou até mesmo iguais. E, assim como acontecia no básico e no secundário, as duas ajudam-se em tudo o que podem. Em casa, estudam em conjunto, tiram dúvidas. Rita nota que a irmã tem mais dificuldades a Química e ajuda-a na resolução de exercícios e na compreensão da matéria. Inês sabe que a sua gémea não tem as melhores relações com a matemática e auxilia-a com Cálculo. “Ainda assim, acho que o meu curso, até agora, está a ser mais fácil do que Biomédicas, sem dúvidas”, confidencia-nos. “Quero dizer outra coisa: quando a Rita tira melhores notas do que eu, fico mesmo feliz, mas quando eu tiro melhores notas do que ela, não consigo. Não consigo! Porque estou ao pé dela e a ver que está triste, então também fico, porque não conseguiu atingir os objetivos”. Atualmente, tanto Inês como Rita têm a mesma rotina e passam uma grande quantidade de tempo juntas, mas nem sempre isso aconteceu e revelou-se um obstáculo maior do que aparentava. A vinda para a Covilhã agradou às duas. A cidade revelava-se tão calma quanto Chaves, onde fizeram o secundário, não havendo, portanto, grandes diferenças. Também era isso que elas pretendiam. “Para mim, a confusão… não gosto. E aqui até conseguimos andar na rua à noite sem problemas”, conta Inês sob o olhar atento de Rita, que concorda completamente. Só que o início das aulas trouxe algo novo consigo: a praxe, que lhes ocupava o tempo todo. Habituadas a compartilhar os momentos de lazer, as refeições e as ocupações, Rita revela as contrariedades daquele período: “havia muitos dias em que chegávamos a casa e só víamos a outra no dia a seguir, porque eu estava a dormir e ela chegava muito tarde”. Este facto não é impeditivo para que Inês diga, sem pensar duas vezes, o quanto adorou a praxe, mas confidencia a dificuldade que sentiu por não ter o seu pilar a seu lado. “Custou-me muito, porque estava ali sozinha, num ambiente completamente diferente, e não a tinha ao meu lado para me apoiar na praxe, nem em casa, porque eu chegava e ela já dormia. Eu estava na praxe e estava a pensar no que ela poderia estar a fazer. Isso custava-me mesmo muito”, o tom de voz arrastado de Inês parece combinar na perfeição com a descrição. “Uma coisa é certa, a minha praxe, de Farmacêuticas, não teve nada a ver com a dela. Era mais leve e eu passava mais tempo em casa, mesmo não sendo muito. Mas já acabou! Já estamos mais tempo juntas. Claro que o horário das aulas também não é sempre compatível, mas estamos mais tempo juntas”, conclui Rita. O ambiente pesado acaba por desaparecer. Mesmo que se apoiem uma à outra, “os pais são sempre pais”, como diz Inês. Por este motivo, quando o tema é a família que ficou na aldeia sobressai na voz uma nostalgia que resulta do facto de em três meses só terem ido a casa dois fins-de-semana. O primeiro deles foi apenas quando acabou a praxe, o que significa que as gémeas ficaram seis semanas sem se deslocarem a Covas do Barroso. Além de cansativa, a viagem revela-se dispendiosa. As palavras de Inês são reveladoras deste sacrifício: “ao fim de três semanas já só dizia para a Rita que queria ir para casa, que não queria continuar cá, porque custava imenso não estar com os pais durante tanto tempo”. Para os pais foi igualmente difícil. O pai, Armando Mó, afirma mesmo que só pensava em rumar até à Cidade Neve, mas as suas filhas só lhe diziam que não era possível, pois as frequências eram muitas e não tinham tempo para tudo. Os seus fins-de-semana são uma metáfora da aldeia, pois, tal como lá, não há grande agitação. Os seus dias sem aulas são recatados e longe das habituais saídas universitárias para bares e cafés. Estas gémeas preferem trocar os vestidos de noite pelos seus confortáveis pijamas. “Nós não temos por hábito sair,mesmo durante a semana. O nosso fim-de-semana é em casa de pijama e assim se passa sábado e domingo”, revela Inês. E tal como nas demais semelhanças que têm, neste caso Rita também não discorda. “Nestas semanas temos tido sempre frequências. Aproveitamos os dias para estudar”. Para as duas, a diversão é relegada para segundo plano em detrimento dos estudos. Nesta altura, o semestre vai na reta final. Mas há coisas que não mudam e ainda há quem não consiga distinguir as gémeas Mó. “Isso é sempre. Sempre! Mas não tanto quanto no início. Antes, os colegas da Rita viam-me e vinham ao pé de mim e falavam como se estivessem a falar com ela. Tinha de ser eu a pôr um travão e dizer que era a Inês, a gémea”. Ficavam surpreendidos e desculpavam-se logo de seguida. Mas Inês não leva a mal. Não se chateia se lhe perguntarem qual das duas é ou se trocarem o nome. Assim como Rita: “nós até já olhamos na mesma, mesmo que nos troquem o nome. Mesmo não sendo a Inês, olho para trás quando chamam isso. É bastante engraçado”. Então e como é que os pais as distinguiam quando nasceram? “Como nasceram um mês antes do previsto, tiveram de ficar na incubadora e aí deram-lhes uma pulseira rosa e uma amarela, para ser mais fácil distingui-las”, conta a mãe, Lúcia Mó. “Por acaso, deve ter sido logo desde aí que a minha cor preferida é amarela e a dela é a rosa”. Ouvem-se os risos de Inês, no final. “A partir daí tornou-se fácil. São nossos pais, estão sempre em contato connosco, mas não quer dizer que ao telefone eles não pensem que eu sou a Inês ou que a Inês é a Rita. Não nos conseguem distinguir pela voz”, acrescenta Rita. Ainda no primeiro ano, sabem que, mais tarde ou mais cedo, cada uma terá de seguir o seu caminho. Ambas têm noção disso, mas custa pensar no assunto. E evita-se. “Tento viver um dia de cada vez, tento não pensar no que vem a seguir, porque não se sabe o que vai acontecer amanhã. É levar as coisas ao seu ritmo. Confrontar os desafios que aparecem pela frente e o que vier, virá”, diz Rita. Rita, aliás, sabe que, obrigatoriamente, terá de tirar o mestrado na Universidade da Beira Interior. Inês, por sua vez, pode tirá-lo noutra universidade. Mas não quer. Foi muito clara e pronta na sua reposta: “vou fazer o mestrado aqui, como é óbvio”. Não há nada em que as irmãs de Covas do Barroso não tenham pensado. Nem mesmo no que fazer quando for preciso entrar no mercado de trabalho. Cúmplices, revelam a carta que têm na manga: “tentaremos ir a entrevistas de trabalho sempre na mesma zona. Um dia vamos ter que nos separar, isso é verdade, cada uma terá a sua família, mas...”. “Irmã é irmã. Dezoito anos é muito tempo juntas”. |
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