Jornal Online da UBI, da Região e do RestoDirectora: Anabela Gradim |
Heróis silenciosos por causas gritantes
Isabella Cavalcanti e Sofia Gabriel e Eunice Parreira · quarta, 7 de abril de 2021 · @@y8Xxv São movidos por motivos diferentes, mas têm uma finalidade em comum: ajudar a matar a fome de famílias carenciadas da Covilhã. Conheça quem são os voluntários e as instituições que oferecem alimentos e palavras de conforto em tempos de pandemia. |
Lúcia Novais e Sofia Tomás desinfetam sacos para recolha dos alimentos |
22095 visitas Confinamento, despedimentos, recursos a menos no ordenado. A pandemia tem nos mostrado que, de um momento para o outro, a vida muda. Mas neste cenário de insegurança, há pessoas que continuam a dedicar-se a um trabalho gratuito para garantir que os mais carenciados tenham o que comer. Apesar das dificuldades, todos os dias, levam alimento e palavras de conforto. Ser voluntário é trabalhar por amor. Não é para todos, mas ainda existem heróis por aí. O presidente da Conferência Vicentina de Santa Maria é um exemplo. Cedo, Carlos Fernandes abre as portas da instituição, na Covilhã, onde são preparados os cabazes destinados a quem mais precisa. Na sala, o cheiro relembra a casa das nossas avós e o ranger do chão de madeira, já antigo, marca cada passo dado. Os quadros e os símbolos religiosos escondem nas paredes os sinais de um tempo envelhecido. Sobre o tapete gasto, os cabazes que já foram mais fartos são, ainda assim, um orgulho para os quatro voluntários que compõem uma das seis Conferências da cidade serrana. Apesar dos donativos cada vez mais escassos, este ano conseguiram que o bacalhau estivesse à mesas de Natal das pessoas que regularmente visitam a Conferência em busca de um pedido de ajuda. Este professor de eletricidade e eletrónica, de 68 anos, trabalha como voluntário desde 1997, aquando entrou nas Conferências de São Vicente de Paulo, uma organização internacional da igreja católica. "Se nós passarmos ao lado da pessoa que está a sofrer, acho que isso não é ser cristão não é ser católico e, portanto, a minha consciência diz-me que não devíamos fazer isso." Todos os meses, ele e os poucos voluntários apoiam cerca de 24 famílias que passam a contar com a entrega de cabazes, ajuda no pagamento das despesas da luz, água, renda, gás e medicação. Carlos conta que para avaliar as necessidades de cada família, a Conferência mantém-se próxima. Explica ainda que, a maioria dos pedidos de ajuda vêm de pessoas entre os 20 e 40 anos que perderam o seu emprego e vivem do rendimento mínimo, mas também idosos dos 70 aos 90 anos, a maioria reformados dos lanifícios. A pandemia fez dobrar a quantidade de famílias apoiadas de 150 para 300. A Conferência fornecer ajuda, encaminhando as pessoas para a Segurança Social, Santa Casa da Misericórdia e Ação Social da Câmara Municipal da Covilhã. “As pessoas sentem-se mais amparadas e é nesse aspeto que as Conferências são muito importantes”, afirma o presidente. Os alimentos entregues nos cabazes são angariados através dos peditórios na igreja, doações pelo Banco Alimentar e ajuda comunitária. A CM contribui com cerca de 80 euros para os gastos da Conferência que ronda os 200. Os alimentos e os recursos são importantes, mas, para quem precisa, dois dedos de conversa também. As pessoas, muitas vezes solitárias, agradecem não só os cabazes, mas também a visita dos voluntários. “Isto já vem do tempo do Padre Américo que ele dizia que cada paróquia trata dos seus pobres porque a paróquia é um meio mais pequeno em que se conhece mais as pessoas”, conclui Carlos Fernandes.
Ser voluntário é abraçar “a causa por inteiro” Auxiliar de ação educativa, 59 anos. Quando os filhos de Isaura Morais saíram de casa, ela concretizou um sonho: ser voluntária. O tempo livre está dedicado à Re-food e à Liga Portuguesa Contra o Cancro. “Foi uma coisa que eu sempre quis, ser voluntária naquilo que pudesse”. Na garagem onde funciona o centro da Re-food da Covilhã, o grande mural pintado em tons de amarelo e preto preenche a parede principal do espaço, acolhendo todos os que até ali se dirigem em busca de uma refeição pronta. O projeto resgata de restaurantes, cafés e parceiros da restauração alimentos não consumidos durante o dia para doar às famílias mais carenciadas. Isaura dedica-se ao projeto desde a criação e integra a equipa que recolhe o que seria deitado no lixo. Todas as semanas, utiliza seu próprio carro para percorrer o concelho junto com o seu marido. “Ser voluntário também é isso, não é? É a causa por inteiro” justifica a auxiliar de ação educativa. Os excedentes alimentares doados pelos 50 parceiros que apoiam o Re-food são recolhidos em quatro rotas. Antes da pandemia, os voluntários iniciavam a volta às 18h e terminavam à meia-noite, visitando os estabelecimentos que ajudam a combater o desperdício alimentar. Agora, a tarefa acaba uma hora mais cedo. Maria da Luz Batista, aos 60 anos, divide a sua vida entre o trabalho como funcionária pública no Ministério da Justiça e a coordenação do centro da Re-food da Covilhã. Conta que “cada um tem a sua função” mas que são “todos voluntários”. O projeto é sustentado através dos donativos que a própria comunidade e empresas fornecem. Atualmente, conta com 170 ajudantes, mas, por causa da pandemia o quadro foi reduzido para 70, pois grande parte do voluntariado é de idosos que dedicam duas horas por semana ao projeto. Organizados em turnos quinzenais, os voluntários dedicam-se a pesar e a registar as refeições assim que chegam das rotas. Para conservar os alimentos, o espaço conta com vários frigoríficos doados pelos parceiros do movimento Re-food. É neste ritmo de trabalho que, ao final do ano, é possível contabilizar as toneladas de comida que chegam ao centro da Covilhã, através das doações. Lúcia Novais e Sofia Tomás são voluntárias dedicadas a estas funções. Elas contam que, face à pandemia, tiveram de reforçar a higienização dos sacos que saem do centro para as rotas de recolha e dos recipientes das refeições. A coordenadora do centro acrescenta que “tentámo-nos adaptar, colocando menos voluntários no mesmo espaço. Sensibilizamos também as pessoas para os cuidados a terem e no caso de sentirem algum sintoma ou constipação, pedimos para não virem ao centro e se prevenirem a eles e aos outros”, comenta Maria da Luz. Antes do aparecimento da Covid-19, a Re-food apoiava diariamente 25 famílias, cerca de 57 pessoas entre os 17 e os 80 anos. Desde março no ano passado, o número de pedidos de ajuda intensificaram-se. Com o encerramento da restauração e do comércio, o movimento viu-se incapaz de atender às necessidades de todos. Para solucionar o problema, a Re-food se aliou ao Banco Alimentar contra a Fome da Cova da Beira, às Conferências de São Vicente de Paulo, paróquias e à CM da Covilhã que juntos formaram o Movimento Cidadania Ativa para ajudar o maior número possível de famílias. Da coordenadora vem as palavras que explicam o esforço de todos: “hoje são eles, amanhã somos nós. Acho que todos temos de pensar desta forma porque ninguém sabe o dia de amanhã. É muito bom enquanto nós podemos ajudar, mas se um dia precisarmos de ser ajudados, espero que nos ajudem também”, conclui Maria da Luz. |
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